quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O PPS E A SUCESSÃO


Givaldo Siqueira

Infelizmente não pude expor mais cedo, para todos, minhas opiniões sobre essa questão da sucessão. Aproveito, então, a opotunidade para expor os meus argumentos.

Mas, logo, de saída, é importante reiterar que não é da natureza do nosso partido, já que nos pretendemos vanguarda, contemplar, esperar, pois, ao contrário do que diz o provérbio, quem espera nunca alcança, para alcançar é necessário ir buscar.

Ao contrário do que proclamam os contemplativos, "quem sabe faz a hora", já o disse bastante bem o Vandré, . A atividade é nosso motor e não a passividade. Somos (ou deveríamos ser) um partido de ação política!

O processo sucessório está em pleno curso e, em política, quem foge do processo político real e em curso, fica na "boca de espera" ou tenta inventar um outro, apenas se aliena, na melhor das hipóteses. Essa história de esperar que os outros decidam para só então nos definirmos é de pasmar. Não se trata de uma decisão da economia interna deste ou daquele partido, mas da escolha de um candidato de um campo, no qual estamos, e que precisa, por outro lado, envolver a sociedade, pois estamos falando de um candidato à Presidência da República.

Como então não nos envolvermos, desde logo, deixarmos correr?

De fato, isso nada tem a ver com a nossa tradição, nem com cuidados necessários e outras "cositas más" (não devemos, por outro lado, dar atenção aos que pretendem substitutir a política pela forra e pelo rancor, pela mesquinharia, derivados de expectativas contrariadas). E se fala, para embasar essa barbaridade, em "nossas tradições"... Parece que não conhecem nossas tradições!

Falemos então de nossas verdadeiras tradições. E, para não irmos muito longe, recordemos como nos comportamos nas sucessões anteriores, sob a vigência da nova Constituição.

Por acaso, em algum momento, ficamos esperando, concentrados na elaboração de propostas e programas, deixando andar para ver como ficaria? Não, nada disso. Independentemente do acerto ou não das escolhas, nunca ficamos na expectativa.

Para a sucessão de 1989, logo de cara, lançamos Roberto Freire; para a de 1994, muito "tempranamente", costuramos a aliança com Lula e Arraes; para a de 1998, do mesmo modo, abrimos o processo com a candidatura de Ciro, o que repetimos para a de 2002; e novamente o fizemos para a de 2006, com a candidatura de Roberto Freire.

Essa é a nossa tradição. Foi a nossa incapacidade de sustentar a candidatura de Freire (por causa de muitos "ismos") que nos levou para o apoio a Alkimin, com o jogo já feito, e com as consequências conhecidas, como alguns parecem querer repetir agora.

Mas, no passado, antes da ditadura militar, também o fizemos. Para a sucessão de 1954, tentamos lançar Oswaldo Aranha, que não quiz, sucessivamente tentamos o mesmo com Estilac Leal e Jango, que também declinaram. Então, a partir desse esforço e por ele revigorados apoiamos JK.

Para a sucessão de 1960, até para atalhar manobras dos aliados, e porque o considerávamos o mais consequente, lançamos Lott, já em 1959, e que terminou por se impor à frente de então.

Durante a ditadura também não ficamos esperando. Quando ainda não se tinham suprimido as eleições diretas para a Presidência, participamos da estruturação da Frente Ampla, reunindo JK, Jango e Lacerda, e em torno à candidatura de JK.

Mesmo com eleições indiretas, aproveitamos a brecha, saimos na frente, e assim participamos do lançamento da candidatrua do general Euler Bentes, para aguçar contradições na ditadura, e, depois, das anticandidaturas de Ulisses-Barbosa Lima.

De novo, essa é a nossa tradição!

Mas temos também outras experiências, as de tentarmos, por exemplo, ignorar o processo político real e, no caso, por puro sectarismo, subjetivismo e preconceito, tentar substituí-lo por outro. Em 1964, já estava em curso o processo sucessório e nós, ao invés de o impulsionarmos, inclusive com o lançamento de uma candidatura ou apoiando a de JK, recusamo-nos e enveredamos pelos caminhos golpistas, com os resultados conhecidos.

Hoje, as cartas estão mais ou menos distribuídas e o jogo se fazendo. Como participar do mesmo? Ficar de fora, peruando? Ora, peru de fora não se manifesta.

E temos diversas tarefas a resolver, que dependem de definições bem precisas, como montar nossas candidaturas proporcionais e majoritárias e nossas alianças estaduais para 2010.

Não devemos permitir que se fatie o processo sucessório, submetendo-o à lógica dos particularismos estaduais, ou alguém duvida que nessas alturas já está em andamento, em alguns Estados, a construção dessa ou daquela aliança? Alguém pensa seriamente que montaremos chapas competitivas propocionais e/ou majoritárias, para 2.010, com as palavras de ordem "espera" ou "ainda não sei", "quem sabe"? "Venha participar da elaboração e discussão de nosso programa".

Por favor!

Esse caminho é absurdo.

Quais são então as alternativas?

1) Rever nossa posição e retornar ao campo governamental, através dessa ou daquela variante, como alguns pretendem, com todo o direito. Mas devem proclamá-lo, com toda a transparência. De qualquer maneira, teríamos também de escolher uma candidatura (do PT, do PMDB ou do PSB) ou deixar aos caprichos de Lula, como parece ocorrer (mas só parece) no PT?

2) Reafirmarmos o campo oposicionista como o nosso, o que, aliás, já fizemos.


Mas isso não basta.

No campo oposicionista, erguem-se duas pré-candidaturas, a de Aécio e a de Serra.

Podemos, é claro, pretender uma terceira, pensar em candidatura própria. Mas não creio que seja o caso, como não será fazer de nosso apoio moeda de troca: "nós te apoiaremos à presidência se você nos apoiar em tal ou qual lugar, me der isso ou aquilo" ,etc.

Há todo um esforço, ainda que bem diferenciado, de Lula, do PMDB e do PSB sobre Aécio.

O de Lula pretendendo atraí-lo para o seu campo, com promessas de varias piscinas, o que parece muito improvável dar certo. Como o pato, Aécio não é de acreditar nisso e nem vai nessa de piscina.

Mas há outro plano, o de se convencer Aécio a se candidatar pelo PMDB, o que dividiria as oposições, ampliando a área de manobra e as chances do PT e de Lula. Essa chapa seria, por outro lado, muito forte, sobretudo se contasse com o PSB (Ciro, na vice), mas não seria de oposição.E teria a fraqueza de ser carimbada como de trânsfugas e carreiristas, políticos que mudam de partido apenas para realizar suas ambições pessoais. Não acredito que Aécio se deixe encantar, ele ainda tem bem presente o que ocorreu com Tancredo quando, apesar de toda a sua expewriência, caiu na armadilha do Partido Popular, já que o seu partido nã poderia ser o mesmo de Arraes... Agora, o partido de Aécio não poderia ser o mesmo de Serra!

E, por fim, desenvolvem-se as manobras do "pós-lulismo" e do PSB e de Ciro, tendo como um de seus impulsionadores Márcio Lacerda, em favor de uma chapa PSDB-PSB. Ela seria composta por Aécio e Ciro (e teria a simpatia e o esforço explícitos de Tasso Jereissati) ou por Aécio e Eduardo Campos. Tentam apresentá=la como de centro-esquerda, em oposição à outra que seria de centro-direita, isto é, do PSDB-DEM, em torno a Serra. É verdade, seria uma chapa forte e que não se pode ser descartar, assim sem mais nem menos, mas ela dependeria da vitória de Aécio dentro do PSDB. De outro lado, mesmo se proclamando "pós-lulista", não seria de oposição, responderia pela tradicional política de conciliação de nossas classes dominantes, sobretudoi mineiras, coisas do "velho pessedismo".

Nós podemos optar (porque não? pela candidatura de Aécio, desde que seja pelo PSDB e pela oposição, no seu conjunto, i.e., como uma clara alternativa democrática e reformista ao quadro atual. E é claro que apoiaríamos quaisquer esforços para mantê-la aberta a apoios mais amplos, contudo opondo-nos à conciliação. Não há, em relação a Aécio, nada que nos impeça de apoiá-lo, como aliás o fazemos em Minas. Todavia em qualquer hipótese também deveríamos fazê-lo imediatamente ou vamos ficar assistindo inertes o desenvolvimento de todas as manobras e pressões? Vamos ficar na retaguarda sem meter nossa colher? Que elementos de nossa política e de nossas proposições comporiam, então, a plataforma e a aliança? Que peso teriam?

A outra alternativa é o apoio imediato a Serra já claramente colocado como candidato oposicionista e sem tergiversações. Trata-se de uma candidatura bastante forte e com ampla possibilidade de vitória. Serra é nosso aliado desde 1961 e nunca pretendeu nossa subordinação. Bem diversamente do que apregoam alguns, sempre, entre as forças democráticas e reformistas, situou-se à esquerda (seria bastante analisar seus atos e trajetória e nomear os principais quadros com os quais sempre fez e faz política). Opôs-se aos elementos monetaristas presentes na política econômico-financeira de FHC e que permanecem no governo Lula. Tem bastante experiência, talento e criatividade, o que é fundamental numa situação de crise. Sua plataforma é claramente reformista e desenvolvimentista, democrática. Seu projeto para o Brasil não é diverso do nosso, mas convergente. É uma candidatura com ampla possibilidade de aglutinação e de mudança.

Eis, na minha opinião, o que devemos fazer, e imediatamente, como vanguarda, atuando ativamente para fortalecer essa candidatura no PSDB (Serra e Aécio, por exemplo, formariam uma chapa muito poderosa e que golpearia todos os manobreiros que pretendem dividir a oposição), nas formações políticas e na sociedade, esforçando-nos para ampliar seus apoios, e lutando no interior da aliança para influir com nossas posições e propostas e para ocupar posições. Isso não ocorrerá por espritismo!.

Ninguém vai avançar parado.

Torturas. Tema incômodo para Lula

Jarbas de Holanda

Em declarações feitas anteontem em São Paulo – em seminário promovido pelo Instituto de Advogados, pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso – o presidente do STF, Gilmar Mendes, pediu cautela na discussão sobre a prescrição de crimes de tortura praticados durante os governos militares pós-64, equiparando-os a ações de terrorismo e condenando “o unilateralismo” e “a ideologização” no tratamento de questões ligadas a direitos humanos. Sobre o argumento de que tais crimes são imprescritíveis – sustentado pelo secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, com apoio dos ministros Tarso Genro e Dilma Rousseff - Gilmar Mendes afirmou que “a imprescritibilidade é uma discussão de dupla face”, acrescentando que “o texto constitucional em vigor diz que crime de terrorismo também é imprescritível”. E concluiu: “É evidente que esse tema se presta a ideologizações e politizações, e tenho uma posição muito clara em relação a isso. Eu repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente os casos de direitos humanos”.

Tais declarações reforçaram a posição do ministro da Justiça, Nelson Jobim, e de parecer do chefe da AGU – Advocacia Geral da União, José Antonio Toffoli, ao acolhimento de processos contra supostos responsáveis por torturas praticadas entre 1964 e 1985, com base na justificativa de que eles foram perdoados pela Lei de Anistia. É que caberá ao STF decidir sobre a legalidade de pedidos do gênero. Ouvido pela imprensa após a manifestação de Gilmar Mendes, o ministro da Defesa afirmou: “O que vai ser decidido pelo Supremo não é se alguém é a favor ou contra torturados ou torturadores. O que o STF vai analisar é se será revisto ou não o grande acordo nacional feito na década de 70, que levou à aprovação da Anistia”.

Mais do que uma atitude pessoal, Nelson Jobim procura representar a postura dos comandos das três Forças Armadas de forte rechaço à abertura de processos sobre torturas. Rechaço que preocupa o presidente Lula e condiciona seu posicionamento a respeito da questão: de distanciamento e de aguardo da decisão do STF, bem distintos da retórica ideologizada que gostaria de utilizar mas que avalia como arriscada e inoportuna. Especialmente agora que não pode somar um problema sério com os militares aos efeitos da crise financeira internacional.

Bancos. Prioridade é liderança do BB

Uma resposta aos efeitos da crise financeira que o governo Lula não esperava: a fusão do Itaú com o Unibanco, anunciada anteontem, que coloca a holding resultante no topo do sistema bancário brasileiro, obstruindo os passos do Palácio do Planalto, dados em nome do enfrentamento da crise de crédito, para reforçar a liderança do Banco do Brasil e o papel da Caixa Econômica Federal. Objeto de entendimentos iniciados há mais de um ano (sob influência da negociação para a compra do Real pelo ABN holandês) mas aprofundados e rapidamente concretizados agora, essa fusão – que igualmente surpreendeu os bancos privados concorrentes – situará a Itaú Unibanco Holding S.A. como maior instituição financeira da América Latina. Em condições de combinar peso relevante no cenário doméstico com funções significativas no mercado financeiro internacional. Um banco sob controle de brasileiros capaz de competir com os de controle externo que atuam aqui, como o ABN, o Santander, o HSBC, e com outros, norte-americanos, europeus, japoneses.

Já os jornais de ontem mostravam e avaliavam as reações do governo à iniciativa das famílias Setubal e Moreira Salles. Do Globo (Panorama Político) “reações do governo à megafusão de bancos privados. Do Globo (Panorama Político): “Mantega no ataque – O ministro da Fazenda acredita que a compra do Unibanco pelo Itaú enfraquece os argumentos dos críticos da MP 443. Sua avaliação é a de que não se pode negar ao Banco do Brasil e a CEF instrumentos de fortalecimento, quando os bancos privados se unem para enfrentar a crise. Alega que, como Itaú e Unibanco negociaram por 15 meses, não há razão para estabelecer um prazo de vigência para a MP”. Do Estado de S. Paulo:: “A estratégia do governo agora é garantir a aprovação o mais rápido possível e sem grandes modificações da MP 443. O relator da matéria na Câmara, João Paulo Cunha (PF-SP) foi chamado ontem para reuniões no ministério da Fazenda”. “Com o anúncio da fusão, cresceram rumores de negociações em curso do BB para comprar outros bancos. O mais forte deles era o de que estaria comprando o Banco Votorantim”. Por sua vez, reportagem do Valor informa que: “A operação envolvendo o Unibanco e o Itaú reavivou dentro do Banco do Brasil sua aspiração de incorporar a Caixa Econômica Federal, como forma de recuperar a liderança no mercado bancário nacional”.

Concluindo, cabe assinalar que o fortalecimento do Banco do Brasil, não através de medidas estatizantes do mercado financeiro mas de forte atuação competitiva com os concorrentes privados e com a retomada e o avanço de processos de modernização (inibidos nos últimos nos pelo excesso de partidarização na escolha de seus dirigentes) é algo importante para a economia brasileira, para seus diversos setores produtivos, sobretudo a agricultura, e para a população que usa os serviços bancários.

Mudanças profundas


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Foram muitas mudanças ao mesmo tempo nesta eleição histórica, além do fato de que um negro estar a ponto de se tornar presidente dos Estados Unidos apenas 44 anos depois que a legislação dos direitos civis iguais permitiu aos negros votar. O presidente Lindon Johnson assinou em 1964 a lei dos direitos civis iguais na votação, na educação, nas acomodações públicas, na associação a sindicatos e no acesso a programas federais de assistência social, que tem repercussões até hoje nos estados do Sul do país, com apoio maciço aos republicanos, uma rejeição aos democratas que começou a mudar nesta eleição.

A começar pelo comparecimento maciço do eleitorado, passando pela previsão de que haveria a manutenção da maioria democrata no Congresso, fato que daria ao candidato Barack Obama uma extraordinária vantagem neste momento de crise econômica.

Mesmo que o candidato republicano John McCain tenha se esforçado em denunciar os supostos perigos de dar o poder total ao mesmo partido - que elegeria o presidente e teria a maioria ampla da Câmara e do Senado -, tudo indica que esse será o quadro final.

O comparecimento, num país em que a votação não é obrigatória, dá a medida do interesse despertado pela presença de Barack Obama na disputa, que entusiasmou jovens e minorias, que historicamente comparecem pouco para votar.

A previsão é de que haverá um comparecimento de 64% do eleitorado, o que equivaleria a um total de 136 milhões de eleitores, 13 milhões a mais do que a eleição de 2004, que reelegeu George W. Bush. Só uma eleição teve maior comparecimento: a de 1908, que elegeu o republicano William Taft, quando o comparecimento foi de 65,7%.

Outra eleição muito concorrida foi a de 1960, em que John Kennedy derrotou Richard Nixon, quando 63,8% dos eleitores registrados exerceram o direito ao voto. Segundo o International Institute for Democracy and Electoral Assistance, nas oito eleições presidenciais dos Estados Unidos, entre 1972 e 2000, o comparecimento médio ficou entre 50% e 55%.

Os institutos de pesquisa de opinião este ano utilizaram uma média de comparecimento de 60%, no pressuposto de que haveria maior interesse, mas nenhum considerou a possibilidade de um comparecimento próximo de 65%.

O movimento para alistamento de eleitores, que mobilizou milhares de voluntários da campanha de Obama durante quase um ano, fez também com que alguns estados mudassem de tendência política, juntamente com uma evolução natural do desenvolvimento de algumas regiões.Virgínia, por exemplo, deixou de ser um estado rural para se urbanizar.

Quanto à política de pesos e contrapesos, uma característica dos Estados Unidos, a crise econômica parece ter dado aos democratas um vigor a mais, além da tendência natural que já se manifestara desde as eleições de 2006.

Desde então os democratas tomaram conta da maioria do Congresso com uma política eleitoral populista que privilegiou a classe média. Com o país claramente dividido, o atual presidente George W. Bush foi eleito pela primeira vez em 2000 com um resultado polêmico na Flórida, e o Congresso ficou também dividido, com uma pequena margem a favor dos republicanos na Câmara: 220 a 211.

Com os ataques terroristas de 2001, o governo Bush conseguiu uma maioria confortável na eleição parlamentar de 2002 e na reeleição de 2004, mas dois anos depois, com a deterioração não apenas da economia, mas também com o desgaste político da guerra do Iraque, os republicanos perderam a maioria do Congresso que mantinham há 12 anos, desde 1994 no governo Clinton.

Foi a pior eleição para a Câmara dos republicanos desde 1982: os democratas ficaram com uma bancada de 235 deputados contra 199 republicanos. No Senado, a diferença foi menor: 51 senadores democratas contra 49 republicanos, sendo que dois dos democratas tornaram-se independentes, mas dão freqüentemente a maioria aos democratas.

Com a renovação de um terço do Senado e a totalidade da Câmara na eleição de ontem, a perspectiva era de que os democratas ampliassem sua vantagem a ponto de atingir no Senado o número mágico de 60 cadeiras, o que possibilita ao partido impedir as obstruções da oposição.

A importância de deter a maioria, com o controle das comissões, ficou clara quando a crise financeira estourou, em meados de setembro, e o presidente Bush precisou aprovar medidas que dependiam do Congresso. O secretário do Tesouro, Henry Paulson, e Ben Bernanke, o presidente do Fed, tiveram que negociar especialmente com os democratas, e foi devido ao apoio deles que o projeto da Casa Branca, depois de muito modificado, foi aprovado.

Heróis americanos


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Os americanos estão inseguros e querem mudanças. Obama conseguiu encarnar esse sentimento, por mais que McCain, no desespero, adotasse a estratégia negativa do medo para contê-lo

Escrevo no lusco-fusco entre a votação e a apuração das eleições norte-americanas. Depois de uma semana eletrizante, em que o candidato conservador John McCain (Partido Republicano) conseguiu criar um clima de virada numa eleição considerada perdida, tudo indica que o renovador Barak Obama (Partido Democrata) levou a melhor. Se hoje amanhecemos sem saber o resultado, a culpa é do sistema eleitoral norte-americano. O vencedor das eleições para a Presidência dos Estados Unidos pode ter menos votos nas urnas, como aconteceu na eleição de George Bush contra Al Gore, por causa da composição do colégio eleitoral que o escolhe. Os delegados estaduais são eleitos por um sistema no qual cada estado elege delegados em número igual à soma de seus deputados e senadores. O partido que vence as eleições num estado indica a totalidade dos seus delegados, não importa a votação de quem perdeu. Porém, é assim que a democracia americana funciona. E é nela que o mundo inteiro, neste momento, deposita as esperanças de um futuro melhor.

Heróis


A disputa entre Obama e McCain foi um embate entre dois mitos políticos. McCain era o herói americano da guerra do Vietnã, que por oito anos ficou confinado e se recusou a fazer concessões aos comunistas. Voltou para casa com seqüelas que até hoje dificultam seus movimentos e muitas críticas ao governo de seu país. Assim, construiu uma carreira de franco-atirador entre os republicanos. Foi candidato contra a opinião do establishment. Sua imagem de reformador, porém, foi “desconstruída” durante a campanha pela gradativa aproximação ao presidente Bush e pela escolha da vice Sarah Pallin, a governadora “linha-dura” do Alaska.

Obama é o jovem político mulato. Estudou nas melhores universidades e fez uma carreira parlamentar meteórica a partir de Chicago. Filho de mãe norte-americana e pai queniano, não tem antepassados ex-escravos na América e chutou o pau da barraca da segregação com um discurso pós-racial. Tornou-se um mito durante a campanha, superando todos os obstáculos, com o discurso de resgate do “sonho americano”. Como um herói noir, Obama é o homem comum capaz de coisas incomuns.

Ambos, de uma maneira ou outra, são protagonistas da democracia americana. Provaram do isolamento, destruidor das capacidades políticas, e do desenraizamento, destruidor da capacidade de relacionamento social. McCain viveu a experiência do isolamento na guerra; Obama, o desenraizamento durante a infância no Havaí e na Indonésia em companhia da mãe. Isolamento e desenraizamento são formas de opressão. Hannah Arendt, filósofa judia-alemã, aponta-os como a origem do totalitarismo. Ela parte do princípio de que o homem se distingue no reino animal não apenas pela vida biológica e o trabalho, mas pela sua ação com os demais. O agir e o pensar politicamente é que dão aos homens a plena condição humana.

Mudanças

A idéia de que uma vida melhor é possível está no eixo do discurso de Obama. É parte de sua experiência pessoal. Por isso, seu exemplo fascina o mundo. Sua candidatura resgata o melhor do “americanismo”, a convicção de que os Estados Unidos são um nação onde qualquer cidadão, com sacrifício, trabalho e talento pode se tornar o homem mais importante e poderoso do mundo. Essa é a liga mais forte da democracia com o capitalismo.

A força de Obama resultou da mobilização de milhões de pessoas, jovens e idosos, negros, hispânicos, brancos, árabes e judeus. Gente que alargou os horizontes da democracia americana, promoveu uma mobilização eleitoral inédita. Há uma crise econômica com epicentro em Wall Street que se alastra pelo mundo. Os americanos estão inseguros e querem mudanças. Obama conseguiu encarnar esse sentimento, por mais que McCain, no desespero, adotasse a estratégia negativa do medo para contê-lo.

Para nós, aqui no Brasil, as conseqüências da eleição de Obama poderão ser mais pressão pela preservação da Amazônia, por causa do ativismo ambiental dos democratas; e menos abertura para os produtos brasileiros, incluindo o etanol, devido ao protecionismo dos sindicatos norte-americanos. Em contrapartida, haverá mais diálogo dos EUA com seus desafetos pelo mundo. Obama deverá adotar também uma postura mais flexível em relação aos imigrantes, e apostar num novo modelo energético para os EUA, menos dependente do petróleo, o que pode resultar num novo ciclo de inovações tecnológicas e expansão econômica em todo o mundo.

Instrumento democrático, ou não


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O sistema de prévias eleitorais para compatibilizar demandas partidárias tem sido, no Brasil, uma experiência ainda à procura da eficiência. Propõe a prévia quem está em desvantagem. Sendo um instrumento democrático de escolha, o candidato que está na frente se constrange e concorda com seu desafiador. Vencida a prévia, porém, é certo que a campanha terá apenas a metade do partido. A outra parte, perdedora, cruza os braços.

O PT, partido que por aqui tem a maior experiência com as prévias, e já incluiu o instrumento como dispositivo obrigatório nas normas estatutárias, ainda não provou o acerto da medida. Ao contrário, a cada eleição constata que reside neste sistema muito da responsabilidade pela transformação de vitórias certas em derrotas inesperadas.

Na última eleição municipal, o incidente que mais chocou o partido, e por isto ainda está atravessado nas emoções dos dirigentes, surgiu do embate em uma prévia. Foi a disputa em Santo André, em São Paulo.

Vanderlei Siraque disputou uma acirrada prévia petista com Ivete Garcia. Ivete é a vice prefeita da cidade e o prefeito que deixa o cargo, o também petista João Avamileno (metalúrgico, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, que era vice de Celso Daniel e assumiu quando ele foi assassinado, depois conseguiu ser reeleito para um segundo mandato), ficou com Siraque.

O PT se dividiu ao meio. Como o prefeito, no cargo, lutou por Siraque, parte do secretariado pediu demissão para trabalhar contra; Miriam Belchior, mulher de Celso Daniel, assessora do presidente Lula, que trabalha na Presidência da República, em Brasília, apoiou Ivete. O chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, também apoiou Ivete, e todas as reportagens do período da disputa expuseram a fissura no partido provocada pelas prévias vencidas, por margem apertadíssima, por Siraque.

Foi uma briga, segundo avaliações feitas hoje, considerada histórica. Todos se envolveram, quem tinha e quem não tinha ligações com a política de Santo André. De tão violento, o embate não permitiu juntar os lados imediatamente para enfrentar a campanha.

O prefeito (Avamileno) ganhou a prévia com Siraque e derrotou sua vice Ivete Garcia e a turma do Palácio do Planalto. O grupo derrotado foi aderindo muito lentamente ao candidato que, por pouco, não venceu no primeiro turno. Dos candidatos petistas que foram ao segundo turno, Vanderlei Siraque esteve mais perto de vencer no primeiro turno, teve 48,5% dos votos. No segundo, juntaram-se contra ele todos os que disputaram o primeiro - Newton Brandão, do PSDB, Raimundo Salles, do DEM - e o vencedor, Aidan Ravin, do PTB, um azarão, além da falta de empenho daqueles que estavam com Ivete na prévia. O PT perdeu a eleição e a prefeitura de uma cidade estratégica.

Não há um integrante da cúpula do PT que já tenha se conformado com o que ocorreu em Santo André, e o caso é exemplo de problema originado nas prévias.

Em Porto Alegre, também este ano, o sistema de prévias mostrou, segundo as avaliações internas, que pode mesmo estraçalhar o partido. O grupo de Miguel Rossetto cruzou os braços na campanha de Maria do Rosário, com quem disputou as prévias. Ela acabou tendo um embate voto a voto com a candidata do PCdoB, Manuela D"Ávila, no primeiro turno, e no segundo turno perdeu feio para o atual prefeito, José Fogaça, do PMDB. Exceção à regra, a ministra Dilma Rousseff, que nas prévias trabalhou por Rossetto, na campanha apoiou desde logo Maria do Rosário e foi quatro vezes a Porto Alegre para participar da campanha.

Ainda no Rio Grande do Sul, o atual ministro da Justiça, Tarso Genro, já havia sido protagonista, em 2002, do grande problema que a prévia tem sido para o PT. Deixou a prefeitura e venceu Olívio Dutra por 300 votos na disputa para ser o candidato ao governo do Estado. Olívio, disciplinado, apoiou Genro, mas muitos cruzaram os braços e ele perdeu a eleição.

Até o presidente Lula já foi desafiado a participar de prévia pelo senador Eduardo Suplicy. Lula lhe disse: "Para que prévias? Vamos ficar um falando mal do outro?" Suplicy respondeu: "Não, vou falar bem de você". Mas Lula, mesmo irritado com a iniciativa, ficou quieto, não fez campanha e ganhou a prévia para ser o candidato a presidente.

Antes, os embates mais fortes ocorriam nas convenções partidárias e, reconhecem políticos do partido, havia mais debate político e ideológico, além de negociação. Além de tocar duas campanhas, o vencedor das prévias tem, como primeira tarefa, convencer seu adversário interno a trabalhar por ele. Não há ainda uma conclusão sobre o que prevalece, se seu caráter democrático e de mobilização e exposição que as prévias permitem, ou se seu poder destrutivo da união partidária necessária para vencer a disputa.

Aprendiz de feiticeiro, o PSDB, principal adversário do PT na sucessão presidencial, pelos cenários que se colocam agora, começa a falar em seguir o mesmo modelo. A idéia foi, desta vez, primeiro mencionada pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, durante a campanha das eleições municipais. Aécio quer disputar com o governador de São Paulo, José Serra, a candidatura do partido à Presidência da República, em 2010. Mesmo que o adversário concorde, e parece que sim - já teria, inclusive, dado sinais disso à direção partidária -, o governador de Minas dificilmente conseguirá fazer prévias antes de outubro de 2009, e isto será um outro grande problema.

Nesta data, exatamente um ano antes do pleito, esgota-se o prazo de mudança de partido. Espada que políticos ligados ao governador ameaçam deixar cair sobre o PSDB caso ele não consiga a legenda para ser o candidato.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Fora do tempo


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A polêmica entre autoridades sobre a punição dos torturadores do regime militar não se resolverá pela força do bate-boca. Ou, por outra, uma das partes poderá até conseguir fazer prevalecer sua posição. Mas por esse caminho criam-se atritos e dificilmente se chega a uma solução satisfatória.

Inclusive porque há razão dos dois lados. A Lei de Anistia em vigor desde 1979 beneficiou a todos sem exceção, mas é a fotografia de uma época, a tradução do acerto possível no último governo da era autoritária.

Há 30 anos, insistir na punição dos torturadores equivaleria a manter os castigos impostos aos adversários da ditadura e a pôr em risco o avanço do processo de redemocratização do Brasil. Não havia condições objetivas de fazer as coisas de outra forma. Era isso ou o retrocesso. Hoje, num cenário complemente diferente, não faz o menor sentido retomar o tema como se não tivessem se passado três décadas e mudanças radicais não tivessem ocorrido no País.

Nesse período, alteraram-se a correlação de forças, os militares submeteram-se ao poder civil, quase nada do que era aceitável naquela época, jurídica, social e politicamente falando, sobreviveu a esses 30 anos.

O público ouvinte é outro. Formado por uma maioria de jovens, tem - na melhor das hipóteses - apenas uma ligeira idéia a respeito do assunto que tanto mobiliza o governo, contrapõe ministros e agora também inclui os presidentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Algo dessa envergadura não adquire legitimidade na democracia se a sociedade não for partícipe.

No caso, ela continuará à margem enquanto o governo não disser exatamente qual a sua posição sobre o embate suscitado por uma ação do Ministério Público de São Paulo pedindo a punição de dois torturadores da ditadura, os militares Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos.

A Advocacia-Geral da União atesta que, pela Lei de Anistia, ambos estão perdoados, opinião compartilhada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, pelo senador Garibaldi Alves e sugerida também pelo presidente do STF, Gilmar Mendes.

Os ministros Tarso Genro, da Justiça, Dilma Rousseff, da Casa Civil, e Paulo Vannuchi, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, discordam. Para eles, tortura é crime comum, hediondo e, portanto, imprescritível.

O presidente Luiz Inácio da Silva gostaria, segundo versão de sua assessoria, de ver extinto o conflito em público. Mas aceita que a troca de opiniões prospere e não diz qual é a sua visão do problema.

É remexer na Lei de Anistia? Se for, que diga o quanto antes. Se não for, que encerre de verdade a querela e deixe a Justiça resolver. Mesmo ela enfrentará um campo espinhoso.

A tortura obviamente não é um ato político, muito menos perdoável. Mas a luta armada tampouco será aceita pelos familiares de suas vítimas como uma opção de defesa à violência do Estado - a única saída, de acordo com determinada visão de mundo, para tentar romper a opressão do regime.

O debate é difícil, delicado, requer desarmamento de espíritos adaptado aos novos tempos, implica necessariamente a inclusão de todas as partes e, por mais complicada que seja toda essa abordagem, só há uma saída.

Ou se encara a questão com clareza e assertividade ou se calam todos. Senão para sempre, pelo menos até que apareçam lideranças capazes de repor o tema das reparações na agenda nacional sob a ótica da democracia consolidada, desprovida de sentimentos ainda referidos no calor de uma luta, esta sim, superada.

Sem a construção de consenso real - para mudar a Lei de Anistia ou para manter as regras do acordo de transição de 30 anos atrás - o debate não sairá do campo da fabulação ideológica passadista. Boa para enaltecer biografias necessitadas de reparos, mas inútil no tocante à definição objetiva sobre a prescrição dos crimes cometidos em nome da intolerância.

Exemplar

O presidente Lula ontem reclamou mais uma vez da imprensa; não errou de todo, mas o equívoco foi tamanho que acabou anulando o acerto.

O presidente reclamou que, quando ele inaugurou a usina de Tucuruí, a imprensa deu destaque ao papel de bala e ignorou a obra em si.

Lula está certo sobre a opção preferencial pela notícia pitoresca em detrimento de fatos substantivos. Isso ocorre porque uma é auto-explicativa e os outros dão tratos ao raciocínio. Mas o presidente escorregou na infelicidade do exemplo.

O gesto do papel de bala jogado disfarçadamente ao chão não é menor. Simboliza aquelas pequenas transgressões que, juntas, sustentam a cultura da impunidade como valor com o qual se deve conviver e não ao qual seja necessário combater.

Segundo Lula, em “nenhum país do mundo” isso seria destaque. De fato. Porque em país civilizado dificilmente presidente da República joga lixo na rua e ainda acha que está coberto de razão.

Novos eleitores

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS

Quem imagina que as eleições de 2010 serão determinadas por quais partidos tiveram mais ou menos votos este ano, quais pré-candidatos saíram mais fortalecidos, não está entendendo nada

Quando se fazem balanços sobre as eleições, a atenção costuma se voltar para dentro do sistema político. Interessa saber quem se fortaleceu e quem diminuiu de tamanho, quem larga melhor para as eleições seguintes e quem tem problemas para resolver.

É o que estamos vendo, nos últimos dias, na cobertura da imprensa a respeito da eleição municipal recém realizada. De modo geral, ela tem procurado identificar quem saiu delas maior para as eleições presidenciais de 2010, que partidos cresceram e que candidatos mais se beneficiaram.

Quase sempre, no entanto, são avaliações que dizem pouco. Que sentido tem, por exemplo, contabilizar resultados eleitorais tendo por base os partidos políticos? Quando o candidato de um determinado partido vence, às vezes dentro de uma coligação que tem outros 10, todos os votos devem ser atribuídos apenas a um?

Vejamos um caso concreto. Eduardo Paes, do PMDB, teve, no primeiro turno, 32% do voto válido no Rio de Janeiro, em uma candidatura à prefeitura da cidade apoiada por 4 partidos, dos quais três médios ou grandes. Todos os seus votos no dia 5 de outubro devem ser contabilizados como “do PMDB”? E os que obteve no dia 26, quando recebeu o apoio do PT, do PCdoB, de Crivella, Jandira e Lula, devem continuar a contar apenas na coluna dos ganhos de seu partido?

Seria uma contabilidade estranha, que implicaria dizer que tudo que ocorreu no segundo turno foi irrelevante e que o PMDB foi o exclusivo vencedor. Mas Paes não precisou ter mais apoios que aqueles que tinha no primeiro turno? Como ultrapassou seus 32% e chegou aos 51% que lhe deram a vitória? Sendo mais que apenas “o candidato do PMDB”, quando ficou cara a cara com Gabeira. E se isso é verdade, como dizer que todos os seus votos “pertencem” ao PMDB?

No fundo, aritméticas como essa não significam nada. Passam-se os dias e elas somem. Daqui a alguns meses, quando voltarmos a discutir as eleições presidenciais na hora certa, ninguém nem vai se lembrar de algumas teses que andaram circulando nestas semanas.

Muito mais interessante é o que acontece fora do sistema político. Se há coisas relevantes nas eleições, em geral, e nestas, em particular, são as que se passam longe dos sofisticados cálculos políticos que tanto atraem as atenções agora.

Este ano, a grande novidade foi o surpreendente crescimento da internet no processo eleitoral, em diversas cidades. Todos esperávamos que acontecesse, mas passou muito do que se imaginava.

Foi um fenômeno geral, mas houve duas cidades em que seu papel chegou a ser decisivo. No Rio de Janeiro, na conformação da eleição; em Belo Horizonte, em seu desfecho.

Pelo modo como Gabeira posicionou sua candidatura desde o início, ela não poderia existir, e muito menos florescer, sem a internet. Recusando-se a repetir o modelão das campanhas de sempre, ele foi um candidato a cargo majoritário, em uma grande cidade, que tinha como pressuposto uma sociedade interligada. Sem a rede, é difícil imaginar que chegasse aonde chegou.

Em Belo Horizonte, a internet foi fundamental em dois momentos. No primeiro turno, como veículo de propaganda negativa, organizada partidariamente, dirigida para enfraquecer a candidatura de Márcio Lacerda, que liderava as pesquisas. Embora não fosse mais que uma panfletagem convencional, feita eletronicamente, teve impacto e foi uma das razões da eleição não ter se resolvido no dia 5.

No segundo turno, a internet começou a ser o que será no futuro. Os eleitores que se opunham a Quintão passaram a usar a rede para expressar seus pontos de vista e conquistar votos. De repente, às antigas formas de participação política (“ir a um comício”, “ usar uma camiseta”, “colar um adesivo”), uma nova foi incluída: brigar por seu candidato na internet. Tudo valeu, de charges a piadas, fotomontagens, gozações e vídeos, junto com muita coisa séria.

Quem imagina que as eleições de 2010 serão determinadas por quais partidos tiveram mais ou menos votos este ano, quais pré-candidatos saíram mais fortalecidos, não está entendendo nada.
A sociedade muda muito mais rápido que se imagina.


A candidata no ar


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Calma, devagar com o andor que a imagem é de louça e pode espatifar-se com o tombo.

Primeiro, aos fatos. Só na excelente coluna de Ricardo Noblat encontrei o registro da primeira pesquisa de opinião pública que incluiu o ilustre nome da ministra Dilma Rousseff entre os candidatos presidenciais na sucessão de Lula, no não tão distante 2010. Antes, as restrições: a pesquisa foi encomendada pelo governador Eduardo Campos e restrita aos eleitores de Pernambuco.

E, como que por força do hábito, começa por acariciar a vaidade presidencial com 82% dos eleitores avaliando como ótimo e bom o seu desempenho.

Logo, o tropicão de arrancar a unha do dedão do pé, nos índices de escolha do futuro presidente. O governador paulista José Serra (PSDB), embalado pela vitória de Gilberto Kassab, reeleito prefeito da capital por mais quatro anos, lidera a preferência dos pernambucanos com 41%, seguido de Ciro Gomes com 18%, Heloisa Helena com 12% e a ministra-candidata Dilma Rousseff com apenas 4%.

Com todos os descontos de uma longa lista, soou o alarme. Não se pode alegar que a ministra não é candidata carimbada pelo PT. Desculpa tão esfarrapada como lençol de pobre. Pois, em mais de um pronunciamento, o presidente avançou o sinal e reafirmou que a ministra Dilma, chefe do gabinete civil do Palácio do Planalto é não apenas a sua candidata, como tem pronto o seu programa, já em execução, obviamente o PAC da aceleração do crescimento.

A candidatura da ministra foi lançada em manobra esperta e de risco de Lula. Ela bloqueia no nascedouro a caudal de pretendentes, não apenas do PT, mas de aliados com cacife para bancar a parada. Entre os mais afoitos aspirantes a carregar o fardo de espuma da candidatura e que assobiam para mudar de assunto podem ser identificadas as verônicas do ministro Nelson Jobim, da Defesa, do senador Aloísio Mercadante (PT/SP), de Marta Suplicy (PT) – murcha com a derrota na eleição para prefeita de São Paulo – além do bloco dos aliados do PSDB, como o vitorioso governador Aécio Neves, de Minas ou, dependendo do peso do PMDB, o seu futuro presidente, deputado Michel Temer, em plena ascensão com os sucessos eleitorais da legenda.

Qualquer mexida no esquema lulista denunciará uma crise, com as suas implicações. Desde a confissão implícita de um erro de planejamento ao de imprevistos embaraços. Pois Lula sorri, com a ligeireza com que diz e desdiz, na moldura que enquadra a crise financeira mundial: em saltos acrobáticos inchou da previsão de que "se chegar aqui, passará quase desapercebida", para a marola que rola na areia úmida sem molhar o calção e se agiganta na onda em mar de tempestade, que explode nas pedras.

É proibido especular nas rodas palacianas com o pior cenário, exigindo cortes na gastança oficial, seja na criação de milhares de empregos públicos para acomodar os que ainda estão ao sol e ao sereno ou no emagrecimento do monstrengo do maior ministério de todos os tempos.

Cortes para valer no Programa de Aceleração do Crescimento serão tão dramáticos quanto as suas conseqüências, ao arrastar a candidatura da sua executora para a abertura das especulações. Com a inevitável rotina da recaída no terceiro mandato.

Nada detém água de morro abaixo nem fogaréu de morro acima. A ministra Dilma Rousseff pode comemorar a sua inscrição automática em todas as listas de presidenciáveis. E que ganharão velocidade no próximo ano para disparar em 2010. Nenhuma lista será levada a sério sem o nome da candidata do presidente Lula, dono do PT, feitor dos aliados e o grande puxador de votos.

Quem viver, verá.