quinta-feira, 6 de novembro de 2008

20 anos depois, Lula defende Constituição que PT rejeitou


DEU EM O GLOBO


Discurso de Garibaldi constrange presidente e Gilmar, com críticas ao excesso de MPs e à atuação do Judiciário


BRASÍLIA. Na sessão solene para comemorar os 20 anos da Constituição de 1988, ontem no Congresso, o presidente Lula considerou que o texto, rejeitado pela bancada petista à época, é, mesmo com todos seus defeitos, a garantia da democracia no país. Afirmando que hoje tem uma compreensão melhor do que foi votado e aprovado pelos constituintes, Lula lembrou que o PT votou contra o texto final, mas que ele foi um dos petistas que defenderam a assinatura do texto.


- A Constituição não é perfeita, porque o ser humano não é perfeito, porque os políticos não são perfeitos, e ela retrata exatamente o grau de consciência política daqueles que fizeram a Constituição. Nós, no PT, naquela época, votamos contra o texto.


Depois, houve uma discussão se iríamos assinar ou não. Uma parte da bancada, radicalizada, achava que não deveria assinar, e eu disse: "Não tem sentido, a gente participou dois anos aqui, ganhamos salário, ganhamos assistentes para nos ajudar, como é que pode um filho nascer e a gente não registrar? Vamos assinar" - relembrou Lula, ontem, em discurso no plenário da Câmara: - Hoje, eu sou um homem que compreendeu melhor do que antes que, com todos os defeitos que essa Constituição possa ter, para todos que estão governando, ela é uma garantia da democracia do nosso país.

Lula não se referiu a uma das mais polêmicas criações da Constituinte: as medidas provisórias.


Os donos da Casa, porém, voltaram a reclamar do instrumento que dá poder ao Executivo e sufoca o Legislativo.


Na sessão solene de ontem, na Câmara, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), constrangeu, em discurso, o presidente Lula e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ao reclamar da interferência de Executivo e Judiciário nas funções do Legislativo. Gilmar chegou a rir.


Lula ficou sério. Ao citar comentário de Lula, de que na Constituinte passava-se uma semana sem votar, Garibaldi disse que as MPs levam o Congresso a ficar um mês com a pauta trancada.

- O presidente é culpado disso? O presidente Lula não é culpado. O uso do cachimbo faz a boca torta.


Na verdade, ele encontrou um instrumento capaz de fazer com que as coisas andem no Executivo, mas ao arrepio do processo parlamentar - disse Garibaldi, mirando agora no Judiciário: - A Constituinte de 1988 nos levou a uma situação de balanceamento não muito equilibrado entre os três poderes, de modo que a culpa também não é do presidente Gilmar Mendes.


Aqui e acolá, o Poder Judiciário esquece que é Judiciário e pensa que é Legislativo.


Ele até tentou consertar:

- O que o presidente vai pensar de um anfitrião que o recebe para uma festa que, de repente, se transforma numa cobrança? Também peço desculpas ao presidente do Supremo.

O novo mundo de Obama


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. O comparecimento de 70% dos eleitores registrados, um marco histórico em cem anos, mostra bem o anseio da sociedade americana por mudança e, sobretudo, por superar a barreira racial, que foi o grande fato político desta eleição, destacado por nove entre dez jornais.


Imaginar que o fator racial estava fora dessa disputa é não compreender o enorme fardo que pesava sobre a nova sociedade civil americana, que se apresentou ontem nas urnas, enfrentando filas enormes, para ajudar a ultrapassar esse obstáculo. Aqui em Nova York, parecia fim de campeonato, com a vitória dos Yankees ou do Knicks, todos na rua gritando e cantando, principalmente jovens e negros, buzinaço pelas ruas, festa no Harlem, em Times Square, na Rockfeller Plaza.


Um rapaz branco entrou no metrô em que eu estava desejando "Happy Barack Obama"s day" ("Feliz Dia de Barack Obama"). E quando um japonês desavisado não entendeu a comemoração, o rapaz fez um gesto indicando que ele estava "fora do mundo".

Acho que esse foi o sentimento que fez com que os jovens e as minorias comparecessem em massa às urnas, apesar de não ser obrigatório votar aqui nos Estados Unidos: o de estar contribuindo para mudar o país e o mundo, como Obama ressaltou em um de seus recentes discursos.

Não vai haver nenhuma mudança fundamental nas posições do governo americano, o que vai haver é uma mudança fundamental de visão de mundo. O diálogo no lugar da força, a visão multipolar no lugar da hegemonia.

O entendimento de que no mundo moderno não é mais possível ser a primeira potência sem dar espaços para outras potências emergentes que têm papel importante em temas ou setores políticos e econômicos.

Nesse novo mundo diversificado e multipolar, será preciso dividir o poder e pensar políticas públicas que sejam boas para todos, e não apenas para um país.

A preocupação de Obama com a ecologia e com a utilização de combustíveis renováveis menos poluentes, obedece a essa postura universalista, que é o contrário do egoísmo que prevalece nos Estados Unidos, que levou o presidente Bush a não assinar o Tratado de Kioto, no pressuposto de que seria prejudicial aos interesses das empresas americanas.

Obama parece já ter entendido que os interesses americanos só serão atendidos se o interesse da comunidade internacional for também respeitado. Enquanto o presidente Bush alega querer disseminar a democracia pelo mundo e utiliza guerras para impor o regime, Obama quer mostrar as vantagens da democracia através do exemplo e do respeito ao outro.

Não é possível arvorar-se em defensor da democracia e permitir a existência de uma prisão como Guantánamo, por exemplo.

Uma abertura maior para o mundo, transformar os Estados Unidos em um país amado, e não temido, pelo resto do mundo, será uma conseqüência natural do governo "pós-racial" e até mesmo suprapartidário anunciado por Obama em seu discurso da vitória em Chicago.

Obama entendeu que a sociedade americana havia mudado, e fez a campanha toda baseada no pressuposto dessa mudança, ao contrário de John McCain, que abriu mão de sua história de republicano independente para aderir à tendência mais obscura e radical do Partido Republicano.

Jogando na suposição de que os preconceitos e os temores da América profunda prevaleceriam, que o receio do novo e do desconhecido faria com que os antigos fantasmas, inclusive raciais, lhe trouxessem a vitória, McCain, se não estimulou, não quis ou não pôde controlar a campanha negativa que tentou colocar Obama como um risco para o país, não pela experiência, mas pelo suposto radicalismo político.

O eleitorado americano superou dois traumas nessa votação avassaladora por Obama: o político, explicitado na campanha radicalizada dos republicanos, e o racial, uma ameaça latente escondida pelas pesquisas.

O exemplo maior da superação desse trauma aconteceu com a vitória de Obama em Virgínia, berço da Guerra Civil americana em 1861, um estado que desde 1964 não votava nos democratas em eleições presidenciais. Da mesma forma que os outros estados do sul, a Virgínia abandonou os democratas após a Presidência de Lyndon Johnson, demonstrando toda a insatisfação com as reformas dos direitos civis.

Virgínia, que nas últimas décadas passou de uma sociedade rural e conservadora para um estado mais urbanizado e com pluralismo político, ontem marcou sua presença nessa mudança do mapa eleitoral americano "pós-racial".

Obama fez justamente o contrário de McCain, se conectou com a nova sociedade americana e usou a revolução tecnológica para interagir com seus eleitores, não apenas para inovar no recolhimento de fundos para a campanha, mas para informar de seus passos e comungar pontos de vista.

Nesse novo mundo tecnológico, no qual a sociedade global tem agora os meios para exprimir seus anseios e suas convicções independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa, Obama impôs-se primeiro ao eleitorado americano, e também ao mundo, que desejava sua vitória.

Essa nova maneira de encarar o mundo em que vivemos, preenchendo o vazio de representação com a interação com a sociedade civil, foi o que legitimou a ação política de Obama, ancorado nas mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação.

Internet e comunicação sem fio, como os telefones celulares, fazendo a ligação horizontal de comunicação, provêem um espaço público como instrumento de organização e meio de debate, diálogo e decisões coletivas, ressalta o sociólogo Manuel Castells, um dos principais teóricos dessa sociedade em rede utilizada com maestria pela campanha de Barack Obama.

Artimanhas da esperança


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Diante de tão farta e variada oferta de interpretações sobre os simbolismos da eleição de Barack Obama, mais fácil é saber o que não terá significado algum no decorrer do mandato do presidente eleito dos Estados Unidos.

A explicação ele mesmo forneceu quando teve desde o início da jornada o tirocínio de dar à cor da pele o molde de uma quase irrelevância. Na saudação pós-vitória, seguiu indiferente enquanto o mundo insistia em lhe pregar ao peito a divisa de "primeiro presidente negro dos Estados Unidos".

É dele, evidente, o título: o senador democrata é negro, foi eleito presidente e, antes dele, apenas americanos de pele branca tinham chegado à Casa Branca.

Ponto, parágrafo e encerra-se aí a questão, cuja importância objetiva é parecida com a influência concreta que a profissão de torneiro mecânico exerce sobre as atividades de Luiz Inácio da Silva como presidente da República do Brasil.

Sim, há toda a carga histórica do segregacionismo nos Estados Unidos, situação só por ligeireza absoluta comparável à ascensão de um operário que ao se eleger presidente havia militado por 30 anos no sindicalismo e na política. Lula foi uma novidade, não uma surpresa.

Entretanto, há quem - começando pelo presidente brasileiro - os iguale no terreno da representação simbólica da luta do bem contra o mal, exemplos de que o triunfo dos oprimidos sobre os opressores é possível, como se a evolução dos costumes, as mudanças do mundo não fossem parte de um processo natural da civilização.

Mas se a humanidade necessita de emoldurar como fenômeno os episódios marcantes dessas etapas, se carece de dar um valor específico à mobilização de suas expectativas, muito bem. Com esperança não se brinca.

Daí a dizer que o mundo vira do avesso e assume sua melhor face por causa da genética de um presidente já é querer fazer pouco da realidade.

Esta, em seu bom senso e modernidade, Barack Obama descreveu numa frase do discurso de Chicago ao listar os desafios à sua frente: "Duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira do século".

Citou o "caminho longo", a "subida íngreme", os "atrasos e falsos inícios" que esperam a todos, aos quais acrescentou as discordâncias às "decisões políticas" que tomará como presidente, a fim de estabelecer um contraponto futuro com o clima de comemoração daquela noite de frisson universal.

Nem a cor da pele de Obama nem o manejo do torno do metalúrgico Lula são capazes de administrar, muito menos de atender, expectativas. A diferença é que aqui o presidente cede ao vezo do personalismo e alimenta a mística para confundi-la com o ato de governar, e lá o eleito desidrata o mito.

Quando ganhou a primeira vez, Lula discursou na Avenida Paulista manifestando a certeza de que a vitória mostrava que, para o brasileiro, "só nós poderemos fazer pelo Brasil o que o Brasil precisa que seja feito".

Barack Obama falou sobre os valores compartilhados por toda a sociedade à qual pediu permissão para exigir "um novo espírito de serviço, um novo espírito de sacrifício" para que a esperança se materialize como obra coletiva, "bloco por bloco, tijolo por tijolo por tijolo, mão calejada por mão calejada, do jeito que tem sido feito na América há 221 anos". Sem anular o passado do país nem atribuir a um grupo político partidário o poder de fazer acontecer.

Dever cumprido

O destaque da eleição americana foram as filas monumentais de gente esperando a hora de votar; sem obrigatoriedade, sem feriado, sem revoltas à deriva contra a falta de agilidade do Estado - no caso, de cada Estado individualmente - para organizar a votação.

A "competência" eleitoral, ausente de forma geral na mente do eleitor dos EUA, é uma preocupação muito mais do brasileiro ávido por padrões comparativos que o permitam ressaltar os defeitos de uma nação que pode não contar votos com perfeição, mas funciona perfeitamente nas regras da democracia.

Nas filas dobrando quarteirões, pessoas motivadas para exercer por livre iniciativa um direito com noção de dever cívico e vontade de acertar.

Pode-se não apreciar, mas jamais depreciar atos e escolhas desse (ou de qualquer outro) povo por uma hipotética natureza eivada de arrogância, ignorância, auto-referência, racismo, atraso, moralismo, intolerância.

Americanos são assim, mas não são só assim, bem como brasileiros, noruegueses, portugueses, italianos, moçambicanos, irlandeses, suecos, australianos, islandeses e todos os demais.

A respeito deles raros se arriscam a fazer avaliações pejorativas de caráter tão genérico. Como se imprecações dirigidas a cidadãos de um país todo-poderoso não traduzissem arrogância, ignorância, auto-referência, racismo, atraso, moralismo, em duas palavras: insidiosa intolerância.

Salvador do mundo?


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Planalto e Itamaraty estavam tão eufóricos com a vitória espetacular de Barack Obama que nem se preocuparam com uma praxe: elogiar o presidente que sai.Ninguém tocou no nome de Bush.

O que houve foi uma enxurrada de adjetivos para enaltecer a chegada de um negro à Presidência da maior potência do mundo, com uma bela biografia, um bom currículo escolar e cheio de boas intenções. A principal delas não é modesta: criar uma nova ordem internacional, com menos arrogância e mais parcerias. Isso interessa ao Brasil, emergente que se auto-intitula líder da América Latina.

Obama é eleito lá e já apresentamos cá uma extensa pauta para ele: reatamento com Cuba, solução para o Oriente Médio, maior presença na África, fortalecimento da ONU, maior relação com a América Latina, retomada da agenda do clima, reativação da Rodada Doha de comércio... Ops! Antes de salvador da humanidade, Obama precisa ser salvador da pátria.

Ao assumir, em janeiro, vai dar de cara com uma crise gigantesca e com os indicadores norte-americanos destrambelhados na área fiscal e início de recessão. Vai ter muito trabalho para arrumar a própria casa antes de pensar no mundo.

Para isso, conta com fatores objetivos e subjetivos. Obama assume em 20 de janeiro com uma votação extraordinária (contrariando a tradição de eleições apertadas, vide Bush), com ampla maioria democrata no Senado e na Câmara (contrariando o pêndulo Democrata-Republicano na Casa Branca e no Congresso) e com enorme boa vontade internacional. Isso ajuda principalmente na hora de pedir "sacrifício", como já pediu.

As condições objetivas, portanto, são favoráveis. E há o fator subjetivo: a sorte. A própria crise, aguda na campanha, tende a amenizar até a posse. Só falta agora o mito da campanha estar à altura de ser presidente da maior potência -e com a economia de pernas para o ar.

Obama e Guantánamo


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Peço perdão antecipadamente aos que ainda se entusiasmam com política/políticos, mas sou obrigado a olhar a eleição de Barack Obama com os olhos de um velho brasileiro cético, cansado de ver surgirem promessas de "Nova República", "Reconstrução Nacional" e outras refundações da pátria, apenas para, na vida real, acabar tudo em mais do mesmo.

Claro que Obama pode ser diferente, mas, repito, a cor da pele e o extraordinário que é eleger um negro nos Estados Unidos não significam que a mudança virá de fato.O próprio Obama, no discurso da vitória, já cuidou prudente e sabiamente de jogá-la para um futuro talvez remoto. "O caminho à frente será longo. Nossa subida será íngreme. Nós podemos não chegar lá em um ano ou mesmo em um período [presidencial]. Mas eu nunca estive mais esperançoso como esta noite de que chegaremos lá. Eu prometo a vocês -nós-, como povo: chegaremos lá".

OK, Obama, tomara. Mas antes é preciso que você defina o que é "lá", o que é a "mudança". Antes ainda é preciso entender se foi Obama (e portanto a mudança) que ganhou ou se foi Bush (e tudo o que ele significa, inclusive John McCain) que perdeu.

Essa resposta não está disponível, mas há sinais desalentadores: em quatro votações estaduais sobre legislação a respeito de energia/ meio ambiente, a limpeza ambiental perdeu em três.
Significa que o tal de povo não parece lá muito disposto à mudança, ao menos nesse quesito.
Se o presidente eleito está de fato empenhado em uma mudança profunda, não precisa esperar um ano, não precisa esperar todo os quatro anos do mandato. Basta, no dia de sua posse, em 20 de janeiro, anunciar o fechamento da prisão de Guantánamo e a entrega de seus prisioneiros ao sistema judicial.

Devolveria os EUA ao "rule of law", primeiro e vital passo.

O fim da reeleição e um projeto de poder


César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se algo não falta entre certas correntes de tucanos e integrantes do DEM é visão a longo prazo. A reeleição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, apoiado numa aliança tríplice entre o ex-PFL, o PMDB quercista e o PSDB serrista deixou de ser vista como circunstancial. É encarada agora como um bom augúrio, um sinal providencial de que o Brasil entrará em breve em um longo ciclo de dominação política. O exemplo citado é o do PRI mexicano, o partido que controlou aquele país entre 1930 e 2000, em período apelidado pelo escritor Mario Vargas Llosa como "a ditadura perfeita".

Por este modelo idealizado, a idéia do fim da possibilidade de reeleição, lançada inicialmente pela oposição mas vista com simpatia em setores governistas, seria o primeiro passo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em tese seria um beneficiário da mudança, já que poderia adiantar a sua tentativa por um segundo período na presidência. Mas para determinado círculo de oposicionistas o fim da reeleição prescindiria de um acordo com Lula. Passaria apenas por um acerto entre as cúpulas dos dois partidos de oposição e do PMDB nacional. A reeleição se extinguiria após a disputa de 2010. Ainda sobreviveria para os prefeitos eleitos no último domingo, pela tese do direito adquirido.

Reeleição terminada, entra-se no segundo passo, que seria o aumento dos mandatos do presidente, dos governadores e do Legislativo para cinco anos, de maneira às eleições subsequentes a de 2010 coincidirem em 2015. Não está claro como ficaria o desenho institucional dos mandatos municipais. Haveria um mandato tampão de três anos para os eleitos de 2012, de modo a se promover a coincidência de todas as eleições no pleito seguinte? Deixaria-se da forma como está, já que pelo calendário haveria uma junção de todas as eleições em 2020?

O terceiro passo é o da aliança para a chapa presidencial, em que o governador de São Paulo, José Serra, encabeçaria a aliança, escoltado pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, na posição de vice-presidente, com o compromisso de o PMDB ter o direito de indicar o candidato presidencial em 2015. Paralelamente, o instituto da fidelidade partidária seria revisto, de modo a permitir aos pemedebistas captar no mercado de legendas o nome ideal para a disputa.

Os defensores desta arquitetura imaginam que já para 2010 disporiam de uma fórmula muito difícil de ser batida pela força do governo federal e o carisma do presidente Lula: somariam o primeiro e o segundo maior colégio eleitoral do País e três partidos que, juntos, hoje, controlam 14 dos 27 governos estaduais, 210 dos 513 deputados e 46 dos 81 senadores.

Os aliados de Serra na oposição já traçaram até a rota de quais seriam os pemedebistas a serem procurados para a conversa: a lista começa pelo ministro da Integração Nacional, o baiano Geddel Vieira Lima. Passa pelos governadores do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli; do Paraná, Roberto Requião; e de Santa Catarina, Luís Henrique. São dirigentes que possuem em comum uma relação conflituosa com o PT em seus Estados. O ex-governador paulista Orestes Quércia e o senador Jarbas Vasconcelos (PE) já são vistos como aliados.

Também existe a noção de quais pemedebistas estão solidamente vinculados a Lula e devem ser, a princípio isolados: o rol se inicia pelo ex-presidente e senador José Sarney (AP) e sua filha, a senadora Roseana Sarney (MA), passando em seguida pelo prefeito de Goiânia, Iris Rezende, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, e o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho. Todos ou são aliados, ou estão muito próximos do PT em seus respectivos Estados.

Para que tudo isso abandone o terreno do onírico, ainda há um longo caminho. A idéia não entusiasma pemedebistas que já se declararam favoráveis à candidatura presidencial de Serra, como Orestes Quércia. "É um acordo que deixa todas as intenções muito evidentes. Assim fica díficil", comenta. Também é recebida com frieza por dirigentes tucanos que não estão alinhados ao serrismo. Um parlamentar da sigla, não-alinhado a Serra lembra que há tucanos defensores do princípio da reeleição por questões doutrinárias. "Não é preciso mudar a Constituição do país para fazer a aproximação entre o governador paulista e o mineiro e entre ambos e o PMDB", ironizou.


César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às quintas-feiras, Maria Inês Nassif, está em férias