domingo, 9 de novembro de 2008

Filósofo lança livro de memória em que reafirma sua condição de comunista


ENTREVISTA: LEANDRO KONDER
Idéias & Livros
Rodrigo de Almeida, JB Online

A crise do capitalismo é providencial

RIO - O filósofo Leandro Konder se diz um sobrevivente: comunista do século 20, tenta, neste início de século 21, reinterpretar os juízos e propostas formulados por Karl Marx no século 19.
O professor já se deu essa missão há alguns anos. Agora, lança um livro no qual não só revisa o comunismo como a própria condição de comunista. Chama-se Memórias de um intelectual comunista (Civilização Brasileira, 264 páginas, R$ 39) a obra que chega agora às livrarias.


Nela, Konder – um dos mais respeitados intelectuais do país – repassa histórias de sua vida: das lembranças de um garoto “programado para progredir” ao presente de saúde frágil (o Mal de Parkinson o obrigou a abandonar atividades políticas e acadêmicas).

A leveza de estilo e a franqueza da autocrítica estão lá – e se espelham na entrevista a seguir.

Jornal do Brasil: Estamos numa crise grave. O que comunistas têm a dizer?

Leandro Konder: Vejo de fora, pois quase não tenho atividade política por razões de saúde. Está faltando um embasamento teórico mais desenvolvido das forças da esquerda. Essa crise do capitalismo foi providencial, porque veio lembrar que o capitalismo também tem seus colapsos. Marx dizia: cada crise é diferente da anterior. Têm em comum o fato de serem crises. Temos de estar preparados para aproveitar essas crises. O que vamos fazer para superá-la, não sei. Cada crise tem seu ineditismo. Não estamos preparados para responder a ela. Nós, comunistas, nos espantamos tanto quanto a burguesia.

Jornal do Brasil: A começar do título, a questão do intelectual permeia todo o livro. O senhor escreve: “Posso reconhecer minha condição de intelectual sem cometer a tolice de me envaidecer com ela”. Por que a preocupação?

Leandro Konder: A crítica só se aprofunda mesmo quando acompanhada da autocrítica. E a autocrítica não é aquela encenação dos partidos comunistas. Os comunistas faziam a autocrítica em nome de vantagens imediatas, e acho que a autocrítica é algo mais sério.Envolve tanto uma crítica das circunstâncias presentes como o exame crítico daquilo que você vem fazendo. E o que você vem fazendo não é plenamente satisfatório. Nunca é plenamente satisfatório.

Jornal do Brasil: Por quê?

Leandro Konder: Porque a realidade é sempre mais rica do que a representação que fazemos dela. Falamos em autocrítica, mas não fazemos. Portanto, estou tentando contribuir para uma tomada de consciência e o fortalecimento da nossa coragem de fazer autocrítica. Vale para comunistas, para não-comunistas e para mim.

Jornal do Brasil: Qual a autocrítica necessária?

Leandro Konder: Nós, marxistas, temos sido insuficientemente críticos e ousados na visão de como transformar os nossos conceitos. A realidade mudou muito. Temos de olhar para a frente, criarmos novos conceitos, definirmos novas propostas de percepção e de análise da realidade. Estamos muito atrasados nessa autocrítica.

Jornal do Brasil: Em que Marx ainda faz sentido neste início de século?

Leandro Konder: A luta de classes ainda é convincente. Está vigente. As formas da luta de classes mudaram muito, hoje são muito sofisticadas. No tempo de Marx não existiam partidos de massa nem o sufrágio universal. São duas conquistas que mudaram o mundo. Marx morreu antes, não poderia levar em conta isso. Mas o Marx que mais me interessa é o filósofo. Sua concepção do homem e da História é bastante original e está viva. Agora, a visão que ele tinha da realidade política não corresponde à realidade de hoje. É uma realidade diferente. É preciso ir adiante.

Jornal do Brasil: O que significa “ir adiante”?

Leandro Konder: Trabalhar com categorias e conceitos que nos permitam revitalizar a esquerda, que está muito confusa, dilacerada, fragmentada. Uma boa teoria ajudaria a superar isso.

Jornal do Brasil: Essa fragmentação é resultado de uma teoria falha do presente, ou a teoria ficou falha em função dessa fragmentação?

Leandro Konder: Eu não diria que é resultado de uma teoria falha. É resultado de uma política falha. A teoria ajudaria a superar isso, se ela fosse revitalizada, aprofundada, como Marx fez com a teoria no tempo dele. Era preciso radicalizar a teoria de Marx. Radicalizar no bom sentido. Ir até a raiz. E a raiz do homem é o próprio homem, como diz Marx.

Jornal do Brasil: Passa pelos atores políticos?

Leandro Konder: Quem faz política passa por dois momentos inevitáveis: o conflito e a negociação. Na parte da negociação entra o capítulo das alianças. Há de fazer alianças, mas alianças aceitáveis. Mas quando se fazem alianças amplas demais o povo desconfia. Você sacrifica sua própria identidade aos olhos da população. Não se pode ampliar sem limites.

Jornal do Brasil: O senhor se refere ao governo do presidente Lula?

Leandro Konder: Acho o Lula um fenômeno que precisa ser estudado. Não me animaria a fazer a análise do fenômeno agora. Não sou cientista político.

Jornal do Brasil: O senhor descreve a sua decepção com o PT.

Leandro Konder: Gostei da idéia de um partido de esquerda radical, com identidade própria e ao mesmo tempo pós-leninista. Mas, com algumas alianças que fez, o PT virou um pouco o partido pós-tudo. Aí não dá.

Jornal do Brasil: O senhor escreve: ser comunista não é repetir, no século 21, propostas e juízos formulados por Marx no século 19. E o que significa ser comunista hoje?

Leandro Konder: Se conservo a concepção marxista do homem e da História, sou comunista. Posso discordar de Marx em vários pontos, mas o fundamental é que ele está me dando a concepção do homem e da história. A concepção do homem é ser o mesmo sujeito que se faz nas circunstâncias que lhe são impostas. Nasci no Brasil, sou um homem do século 20, sobrevivente no século 21, então essa concepção do homem me ajuda a não adotar esquemas explicativos baseados numa relação de causa e efeito. A concepção da história é a ação, a práxis, a atividade construtiva do homem. O homem transforma a realidade e se transforma.

Jornal do Brasil: O comunismo entrou muito cedo em sua vida. O senhor conta que, de início, lhe parecia uma estranha religião. Mas percebia os comunistas reunidos em torno do seu pai como “seres humanos iguais aos outros”.

Leandro Konder: As crianças enxergam coisas que os adultos não vêem. Os comunistas eram, no fundo, muito parecidos com os não-comunistas. Então havia certa relatividade do conceito. Essa relatividade não era aceita pelo sistema, vivíamos numa sociedade que funcionava com um sistema intolerante. Os comunistas eram perseguidos, presos, espancados.Os partidos comunistas hoje existem legalmente e participam do jogo eleitoral. Ninguém vai gritar: “Prendam os comunistas!”. Exceto os malucos da direita, que são bem mais malucos do que os da esquerda.

Jornal do Brasil: Isso criou um grande estigma.

Leandro Konder: O anticomunista continua com vitalidade maior do que o comunista. A direita mantém um núcleo anticomunista que está vivo, que exer2ce uma influência enorme, muito maior do que a esquerda.

Jornal do Brasil: A que se deve essa diferença?

Leandro Konder: A direita é pragmática. Tem um órgão de grande sensibilidade, a carteira, que acusa a diminuição dos lucros. Quando acusa, toma medidas práticas para acabar com isso. E, em geral, culpa os comunistas.

Jornal do Brasil: No livro o senhor expõe a sua doença e descreve as limitações. Não teve receio da exposição?

Leandro Konder: A partir de um certo nível de participação na vida coletiva, temos de abrir mão de algumas situações nas quais tendemos a nos proteger demais da publicidade. Não podemos nos limitar a sermos políticos na esfera política e defender a intimidade na outra esfera. O intelectual tem de estar exposto, discutir seus males e os da sociedade. Eu me coloco diante dessa necessidade de expor esse mal, que é a doença.

Serra: “Torço para que o pior da crise tenha passado”


Entrevista: José Serra
Maria Isabel Hammes e Sebastião Ribeiro
DEU NO ZERO HORA (RS)


Considerado um dos maiores vencedores das eleições de 2008 por conta da conquista da prefeitura paulistana pelo seu afilhado político Gilberto Kassab (DEM), o governador de São Paulo, José Serra, parece avesso a análises políticas.

Em entrevista telefônica concedida a Zero Hora, o principal nome do PSDB para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez cerimônia para cortar a conversa quando o assunto foi a eleição de 2010. Questionado sobre a possibilidade de concorrer, deu uma guinada na entrevista.

– Você sabe que fizemos um programa aqui muito interessante para professores? – esquivou-se, referindo-se ao financiamento para que docentes paulistas comprem laptops.

Economista formado pela Universidade do Chile e com mestrado e doutorado nos Estados Unidos, o governador paulista brincou que está de férias da profissão, e se esforçou para se apresentar como administrador eficiente e desenvolvimentista. Não deixou, no entanto, de estabelecer o contraponto à atual política econômica do governo federal.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – O governo federal tem apresentado uma série de medidas para dar liquidez e destravar o crédito, como liberar R$ 4 bilhões para financiar a compra de veículos. As medidas foram suficientes ou o crédito ainda está empoçado?

José Serra – O crédito está empoçado, sem dúvida. Aí tem de usar as instituições públicas: Banco do Brasil, Nossa Caixa. Com a taxa de juros do Brasil, é muito mais fácil pegar o dinheiro e, em vez de emprestar, aplicar em juros. Temos a maior taxa de juros do mundo. Aliás, é o único país com uma taxa assim, porque todos os outros países baixaram no meio da crise, e o Brasil, não.

ZH
– O senhor teria feito diferente?

Serra – Teria diminuído (a taxa de juros).

ZH – O Brasil não estaria em pior situação sem as medidas apresentadas pelo governo?

Serra – São bem-intencionadas, mas tem de se ficar mais em cima e atuar mais diretamente.

ZH – O senhor é um estudioso da crise de 29. Há comparação entre aquela crise e a atual?

Serra – A crise de 29 se prolongou por uma década. Não sei se a atual terá essa profundidade. Isso ninguém sabe, a incerteza é muito grande. No Brasil, a crise impactou por escassez de crédito e também por causa da política anterior do Banco Central de juros siderais e taxa de câmbio arrochada. Os exportadores começaram a perder dinheiro e foram criados mecanismos de compensação. Então, o exportador começou a antecipar receita de exportação com empréstimo. Digamos: vendo o produto e vou receber em fevereiro. Pego dólar hoje, troco por reais e aplico na maior taxa de juros do mundo. E, no final do processo, quando vou comprar dólar para pagar a quem emprestou, compro um dólar mais barato por causa da sobrevalorização. Esse esquema eliminou o cálculo econômico da transação, que envolve produção, custo, produtividade. Criou um esquema de especulação, ou melhor, financeiro com o beneplácito do BC. No momento em que, em vez de ganhar dinheiro vendendo, você ganha especulando, pode cometer exageros. Mas isso foi conseqüência da política errada do Banco Central.

ZH – O Banco Central acertou em ter uma política dura que possibilitou o aumento das reservas e, com isso, deixou o Brasil em posição mais confortável?

Serra – Bom, mas as reservas, se não tivesse arrocho cambial, seriam até mais elevadas. Porque já estamos com déficit em conta corrente. O Brasil conseguiu o milagre de produzir déficit de conta corrente no balanço de pagamentos com alta de preços dos nossos produtos de exportação. Isso é uma façanha mundial, um caso para se fazer tese de mestrado. Como um país gera déficit comercial tendo alta dos preços dos seus produtos?

ZH – Analistas já dizem que o pior da crise passou. O senhor concorda?

Serra – Não sei. Torço para que o pior da crise tenha passado. Agora, acho que aqui dentro temos de fazer o máximo para manter linhas de crédito, manter investimentos públicos, que é o que estamos fazendo no Estado. E ajudar na mobilização do crédito. A intenção do Ministério da Fazenda é a melhor possível, e a gente tem de ajudar e colaborar.

ZH – Economistas dizem que com eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, agora que já se sabe o programa dele, isso pode ajudar a debelar a crise.

Serra – Tomara. Espero que estejam certos. A mudança de presidente em si não resolve. Tomara que venha um programa econômico mais consistente. Na campanha, Obama não apresentou nenhuma idéia nova a esse respeito. Nem o candidato derrotado John McCain.

ZH – Muitos especialistas consideram que os efeitos da crise são para o ano que vem. E o senhor?

Serra – Também acho que efeitos da desaceleração vão ser sentidos a partir do primeiro trimestre do ano que vem. Mas não tenho acompanhado as projeções do PIB (Produto Interno Bruto). Porque prever PIB a gente faz quando é obrigado a fazer. Como estou de férias da profissão de economista (risos), fazer previsão é sempre muito incômodo. Vai ter desaceleração, mas o tamanho eu espero que seja pequeno.

ZH – O senhor lançou um programa para estimular compra de tratores. Como pode ser importante para o Rio Grande do Sul?

Serra – Metade da produção nacional de tratores vem do Rio Grande. Nesse programa, combinamos com a Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) um desconto médio de 20% nos equipamentos por conta da quantidade. A exigência é ter um índice de nacionalização de 60%. A Nossa Caixa vai colocar R$ 400 milhões para crédito. A taxa de juros vai ser subsidiada pelo Estado. Demanda (para compra de máquinas) tem, o que não tem é crédito.

ZH – Como o senhor avalia a série de medidas apresentada pelo governo para destravar o crédito?

Serra – Nós (Estado de São Paulo) vamos apresentar um programa para veículos, semana que vem, pela Nossa Caixa. Não posso dizer ainda o montante, mas vai ser grande, substancial.

ZH – O governo Lula está com alta aprovação popular, mas ainda não tinha enfrentado crise econômica. Isso muda alguma coisa no cenário para a eleição de 2010?

Serra – Não vou analisar isso.

ZH – Mas a vitória do prefeito Gilberto Kassab (DEM) à prefeitura de São Paulo não lhe fortalece?

Serra – Foi uma vitória dele, porque fez uma boa gestão. Houve uma aprovação da gestão, que uma parte foi minha, porque fui prefeito por 15 meses e, de alguma maneira, delineamos o programa de governo, embora Kassab tenha feito inovações, ampliações. Ele foi eleito por causa disso, não por causa de 2010. Agora, acho que é um pouco cedo para dar volta nisso (no tema da eleição). Não para a imprensa. Agora, quero me concentrar no governo e nas coisas que estamos fazendo. Você sabe que fizemos um programa aqui muito interessante para professores? É assim: todas as professoras que quiserem se inscrevem para comprar laptop. Negociamos com produtores desconto que chega a 38%, a Nossa Caixa financia a professora, e ela paga no máximo R$ 60 por mês, com juro zero.

ZH
– Como o senhor tem acompanhado daí o governo da Yeda Crusius?

Serra – Tudo que sei é que Yeda faz excelente administração na área econômico-financeira.

ZH – Mas tem dificuldade de conseguir apoio político e popular.

Serra – Política é outro departamento, mas acho que pouco a pouco vai avançando.

Palco eleitoral antecipado

Tiago Pariz
DEU NO ESTADO DE MINAS


OPOSIÇÃO

Adversários do presidente Lula mudam estratégia e apostam num discurso propositivo para criticar maneira como a administração petista conduz o país diante das turbulências na economia mundial


Brasília – A oposição pega carona na crise financeira internacional para tirar proveito político mirando a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. PSDB, PPS e DEM abrem caminho para se encontrar no palco eleitoral antecipado e apresentar um discurso alternativo ao vendido pelos emissários do lulo-petismo. E esperam com isso mais votos em 2010.

Não é por acaso que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), tem vindo a público para criticar a maneira como o governo federal lida com as turbulências econômicas, propondo um choque de gestão. A oposição adotou o discurso da necessidade de corte de gastos e controle das finanças públicas como alternativa para enfrentar as incertezas internacionais.

“É preciso uma agenda que responda de forma eficiente aos desafios da crise internacional, principalmente com o que tem a ver com emprego e salário dos brasileiros”, disse o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP).

A oposição, ao se tornar propositiva, quer retirar das costas as críticas de que aposta no “quanto pior melhor”. Como a estratégia de exagerar os defeitos do governo do presidente Lula para ganhar votos tem se mostrado ineficaz, o discurso foi abrandado e tornado maleável aos ouvidos do eleitor.

“A crise é grave e vai ter conseqüências negativas. E o Brasil pode reduzir essas conseqüências negativas. Vamos municiando o governo com instrumentos necessários. Mas o governo tem que fazer a sua parte limitando a gastança”, sustentou José Aníbal.

Debate


Coincidência ou não, a oposição tem sido chamada para discutir com integrantes do governo as principais iniciativas de combate à crise, como a medida provisória que dava mais poderes ao Banco Central e a MP nº 443, que autoriza o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a adquirirem instituições financeiras em dificuldades.

O líder do PPS, Fernando Coruja (SC), afirmou que o espaço só foi conquistado com insistentes pedidos de audiências com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “O governo não nos chamou, nós que fomos atrás dele. Percebemos que era preciso nos reunir e dar uma visão pro-ativa para ajudar o país a sair da crise”, afirmou o líder do PPS.

A brecha política criada com as incertezas animou tanto os adversários do Palácio do Planalto que, agora, eles querem manter, na Câmara, o debate monotemático sobre a crise. “A principal pauta é a crise. Todos os outros assuntos, como reforma tributária, estão em segundo plano”, afirmou Coruja. Nesse rol, nem a proposta de emenda constitucional que altera o rito de tramitação das MPs é prioritária.

O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), ironizou os opositores. “O José Aníbal quer paralisar o Congresso Nacional em torno da crise. Não quer votar mais nada, nem a expansão das universidades”, disse o petista, citando o projeto de lei que cria 8,4 mil cargos ao Ministério da Educação, a maioria para beneficiar universidades federais. “Os tucanos gostam dessa visão de combater a crise cortando gasto, diminuir o estado. Queremos intensificar o papel anticíclico das medidas para limitar os efeitos da crise”, disse Fontana.

Querendo ou não, essa é a primeira vez que a oposição conseguiu apresentar um discurso diferente e não se mostrar perdida no debate com o governo, como ficou evidente na eleição de 2006, quando Lula disputou com Geraldo Alckmin (PSDB). Naquele momento, os tucanos ficaram na defensiva e não conseguiram se desvencilhar da pecha de “privatistas”. Agora, pelo menos, amplificam as idéias que defendiam quando eram governo.

PT discute antecipar lançamento de Dilma

Luiza Damé
DEU EM O GLOBO

Berzoini diz que podem surgir outros nomes

BRASÍLIA. Reunido ontem-ontem durante todo o dia, o Diretório Nacional do PT começou a discutir a oportunidade de antecipar o lançamento da candidatura da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão presidencial. Embora dirigentes do partido tenham defendido a necessidade de anunciar logo a candidatura de Dilma, o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), ponderou que a legenda não pode impedir o lançamento de outros nomes:

- É natural que o debate seja feito. O nome mais óbvio é o da ministra Dilma. É o nome do presidente Lula; tem uma boa relação com o PT; tem postura, compromisso com o governo, compromisso com o PT e disponibilidade para o debate. Ninguém é contra a candidatura da ministra, mas não podemos democraticamente excluir outra candidatura.

O PT decidiu manter as eleições internas - para a escolha das novas direções nacional, estaduais e municipais do partido - em 22 de novembro de 2009, numa vitória do grupo de Berzoini. Setores do partido defendiam a antecipação do Processo de Eleição Direta (PED). Um grupo menor pregou o adiamento para 2011, para não haver coincidência com o debate da sucessão de Lula. Oficialmente, o candidato do partido será decidido apenas no congresso. Também foi convocado o 4º Congresso Nacional do PT para fevereiro de 2010.

O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), é um dos que defendem que o PT deve decidir o mais rapidamente possível seu candidato para facilitar as negociações com os aliados.

- Para o PT dialogar com seus aliados, é importante definir sua candidatura. Nosso adversário está 99% definido - disse Fontana, citando o governador de São Paulo, José Serra, potencial candidato do PSDB.

Para Fontana, aliado de Dilma, a sucessão, está "na boca do povo" e os militantes petistas cobram uma definição, já que esta será a primeira eleição presidencial que Lula não disputará:

- O PT tem que acelerar (a decisão), sem se afobar.

O partido analisou o resultado das eleições municipais e concluiu que é preciso se reaproximar da classe média - eleitorado tradicional do PT, que se afastou do partido em cidades como Porto Alegre e São Paulo.

O realismo de José Dirceu


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O PT deve ter consciência de que a sucessão começou e a legenda hoje, em qualquer cenário, luta para chegar ao segundo turno

Ninguém ganha eleição de véspera, por maior que seja o favoritismo. O governador paulista José Serra (PSDB-SP) sabe disso. Mantém a liderança nas pesquisas e tem o fascínio de quem já exerce a expectativa do poder, mas a eleição está longe ainda e muita água correrá por baixo da ponte. É melhor ter cautela com o “já ganhou”.

Os tucanos

Serra é o primeiro na fila de candidatos ao Palácio do Planalto. Perdeu a eleição para Lula em 2002 e reconstrói, pedra por pedra, o caminho rumo à Praça dos Três Poderes. Primeiro como prefeito de São Paulo, depois como governador paulista. Foi o grande vitorioso nas eleições passadas, quando atropelou o candidato tucano Geraldo Alckmin, com quem dividia a liderança do PSDB, e conseguiu viabilizar a reeleição do prefeito Gilberto Kassab, consolidando sua aliança com o DEM. Agora, se finge de morto e tenta construir pontes junto ao presidente Lula, como nessa operação de venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil. Sinaliza que não pretende fazer um governo de ajuste de contas com os petistas como gostariam tucanos e alguns de seus aliados. Economista, o perfil de Serra parece talhado para comandar o país numa situação de crise econômica mundial.

O problema de Serra se chama Aécio Neves, o governador mineiro que encerra a gestão com altos índices de popularidade. A vitória do prefeito Márcio Lacerda (PSB) em Belo Horizonte, graças ao apoio de Aécio e do prefeito Fernando Pimentel, aponta uma política de alianças de sinal trocado para o PSDB. Aécio propõe uma reaproximação entre tucanos e petistas numa espécie de ponto futuro, no qual faria um governo “pós-Lula”. Aécio encarna o sonho da elite mineira de voltar ao centro do poder político, frustrado duas vezes com as mortes de Juscelino Kubitschek, num desastre de automóvel , ainda nos tempos da ditadura militar; e de Tancredo Neves, avô do governador mineiro, que foi eleito no colégio eleitoral que pôs um ponto final ao regime autoritário e faleceu antes da posse. O governador de Minas é um candidato viável eleitoralmente, mas sem legenda para concorrer. Tem que escolher entre sair do PSDB ou desistir da candidatura à Presidência em 2010.

Os petistas

Outro pólo da sucessão de 2010 é o PT, que tem o poder mas não dispõe de um candidato competitivo, nem aceita apoiar um aliado. A candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, inventada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até agora não decolou. Entre os aliados do governo no Congresso, a avaliação é a de que Dilma é uma candidata para perder. Com o apoio de Lula, porém, ela tem plenas condições de consolidar sua candidatura no PT. Isso ocorre porque a ex-ministra do Turismo Marta Suplicy foi derrotada nas eleições para a prefeitura de São Paulo. O ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci (PT-SP) também está fora do jogo por causa do processo no qual é acusado de violar o sigilo bancário de um caseiro. Para as lideranças petistas, principalmente paulistas, ambos seriam melhor opção do que Dilma, cujo carro-chefe de campanha andará mais devagar por causa da crise econômica mundial: o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

As outras alternativas são improváveis devido à cultura petista. A primeira seria mudar radicalmente o jogo e investir na candidatura do ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes (PSB), que se mantém como um nome competitivo eleitoralmente, mas está cada vez mais isolado na base governista e nunca foi aceito pelo PT. A segunda, buscar uma aproximação com Aécio Neves, nos termos propostos pelo prefeito Fernando Pimentel, de Belo Horizonte. Quando a cúpula do PMDB investe na filiação de Aécio, como fizeram o presidente da legenda, deputado Michel Temer (PMDB-SP), e o líder da bancada na Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), sonha com o melhor dos mundos: manter a legenda no governo durante a campanha de 2010, consolidar a aliança com o PT e indicar o candidato a sucessor de Lula. O problema é que ninguém confia no PMDB, nem mesmo Aécio.

Vítima de suas idiossincrasias e longe do poder, o ex-deputado cassado José Dirceu parecer ser o primeiro líder petista a cair na real. Para ele, o PT deve ter consciência de que a sucessão começou e a legenda hoje, em qualquer cenário, luta para chegar ao segundo turno. “Esse já é o quadro real — um cenário com quatro candidaturas ao Palácio do Planalto: a do PT, provavelmente a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff; a do PMDB, Aécio Neves; a do PSDB, José Serra; e, por fim, a do PSB, o deputado Ciro Gomes (CE). Sem falar na hipótese de uma chapa tucana Serra-Aécio, com um candidato do DEM a governador de São Paulo. Há, ainda, a possibilidade real de uma aliança Aécio-PSB com o deputado Ciro Gomes de candidato a vice-presidente”, prevê Dirceu em seu blog.

O mundo em festa


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Irrelevante determinar quem rotulou o século 20 como o Século Americano, muito menos sua exata duração. O que importa é a inclusão da jornada que se encerrou na madrugada de 5 de Novembro de 2008 como uma das horas estelares da história da humanidade.

A revolução pelo voto que elegeu Barack Hussein Obama como primeiro presidente negro dos EUA não é um capítulo exclusivo da história americana. É a materialização de uma longa luta contra a tirania cujo início pode remontar a Platão e confunde-se com a própria história da civilização ocidental.

Instrumentado pelo eleitor americano este foi um fenômeno mundial, primeira conquista política da era da globalização até agora circunscrita à esfera econômica. A explosão de alegria foi cósmica, vibraram (e certamente ainda vibram) todos os discriminados, todos os marginalizados, todos os silenciados e todos aqueles que embora autorizados a comparecer às urnas sabem que as suas vontades e seus votos são invariavelmente manipulados e pervertidos.

Doravante tudo será possível, todos os sonhos de mudança estão autorizados, todas as esperanças passam a ser tangíveis -- desde que exibidas e transcorridas no território da democracia genuína. Foi sepultada a multissecular mentira de que os fins justificam os meios, desmascarada a grande balela de que alguns iluminados têm o poder de falar por todos.

Gigantescas as dificuldades aguardam Barack Hussein Obama. As expectativas que criou e continua a produzir incessantemente levarão muito tempo para serem atendidas. Ele acaba de conquistar o emprego mais difícil do mercado de trabalho mundial. Seus primeiros cem ou mil dias podem ser decepcionantes e até amargos. Os demônios e fantasmas soltos há tanto tempo são resistentes, impregnaram profundamente nossa forma de viver, não basta controlá-los apenas, será preciso rever o funcionamento deste rolo compressor barulhento que retirou do homem moderno a sua ferramenta mais preciosa: a capacidade de cogitar, escolher.

Os "realistas" já começaram a cobrar, cansaram-se do simbolismo e da retórica, querem medidas concretas, soluções instantâneas, bolsas em disparada e mercados novamente excitados. No Brasil já há quem diga que se a vitória de Obama não se converter imediatamente no fim dos subsídios agrícolas (sobretudo aos produtores de etanol), ela será decorativa, inútil.

Besteira: esta nova fase da revolução americana precisa ser acompanhada por revoluções regionais, espontâneas, concomitantes, complementares, sobretudo em paragens onde a demagogia impede verdadeiras mudanças e inovações.

O simbolismo e a retórica sequer completaram uma semana, ainda têm muito a oferecer, o seu potencial de convocação e mobilização está praticamente intocado. O discurso em que John McCain admitiu a derrota - peça política da maior importância - ainda não foi devidamente examinado, digerido e apreendido. Nele embute-se um dos conceitos basilares do processo democrático: não há vencidos, todos participam, todos são vencedores. Por mais pesado que tenha sido o embate.

A era dos extremismos (que na realidade é a era dos revanchismos) só poderá ser encerrada quando tornar-se cristalina e palpável a plataforma pós-racial, pós-ideológica e pós-fanática que escancarou as portas da Casa Branca a um candidato negro. É possível que estejamos fabricando simultaneamente um novo Renascimento, um novo humanismo, um novo iluminismo e um novo romantismo, para isso é indispensável vivenciar, desfrutar e gozar todos os aspectos e desdobramentos de um momento tão grandioso e significativo.

Quando, em 8 de Maio de 1945, acabou a catástrofe européia, mal houve tempo para saudar a paz. A guerra fria já ensaiava os seus primeiros passos. Desta vez, é importante inebriar-se. Faz sentido perceber que tudo faz sentido, tem jeito, solução.

Este é um raro momento nos últimos 100 anos em que os niilistas estão cabisbaixos e acabrunhados. É preciso aproveitá-lo plenamente.

» Alberto Dines é jornalista

Erro de avaliação


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. O presidente eleito Barack Obama deve participar do jantar de encerramento da reunião do G-20 no próximo sábado, convocado pelo presidente George Bush para discutir a crise internacional. Essa reunião está sendo considerada pelo governo brasileiro como o primeiro passo para a ampliação do grupo decisório internacional que hoje é restrito ao G-8, formado pelos países desenvolvidos - Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá - e mais a Rússia. Do grupo de nações emergentes convidadas para a reunião, formado por Brasil, Arábia Saudita, África do Sul, Argentina, Austrália, China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, México e Turquia, sairão os novos integrantes do fórum internacional ampliado que a crise econômica que assola o mundo está tornando inevitável.

Um passo também considerado mais provável hoje do que antes é a reformulação dos organismos multilaterais, como o FMI, o Banco Mundial e até mesmo o Conselho de Segurança da ONU.

O Brasil, que já contava com uma maior aceitação por parte do atual governo dos Estados Unidos para sua pretensão de ter um assento permanente no Conselho, terá que testar a tendência do futuro governo de Barack Obama.

Pelo menos em princípio, a futura administração será mais favorável à ampliação desses organismos internacionais, dentro de uma ótica multipolar que, na prática, já se impõe com a nova realidade de uma crise nascida dentro dos Estados Unidos e que se espalhou pelo mundo.

As questões diplomáticas mais delicadas, como a divisão geopolítica de poder, podem ter uma solução facilitada diante da necessidade de se obter avanços concretos em curto espaço de tempo.

O grupo formado por Brasil, Alemanha, Índia e Japão se coloca como a melhor alternativa de representatividade regional para o Conselho da ONU, acrescido do apoio dos países africanos, que teriam um representante na África do Sul.

Mas mesmo esse grupo é objeto de contestação de outros países: a China veta a entrada do Japão, o Paquistão não aceita a Índia, países europeus contestam a representatividade da Alemanha, o Egito quer ser o representante africano e, na própria região onde o Brasil é líder natural, Argentina e México não nos aceitam como representante automático.

Para reforçar a liderança regional de maneira inconteste, o Brasil precisaria, na ótica de observadores internacionais, impor-se na América do Sul, onde está sendo contestado cada vez mais por supostos aliados como Evo Morales, na Bolívia; Correa, no Equador; os Kirchner, na Argentina, e outros que tais, todos submetidos à influência ideológica e financeira de Hugo Chávez, da Venezuela.

O Brasil não estaria usando sua força política para controlar as tendências autoritárias desses líderes. Embora a diplomacia brasileira se recuse a aceitar esse tipo de crítica, há indicações de que setores da diplomacia americana entendem que Lula, defendendo a tese de que só se mantendo próximo pode negociar com esses países, na verdade está mesmo é cercado por governos autoritários, sem conseguir controlar a situação.

Evo Morales e Chávez, que estimulam o confronto permanente, inclusive com os Estados Unidos, seriam o contrário de Lula, conciliador e representante de uma esquerda moderna. O presidente eleito Barack Obama já definiu a Venezuela como um dos "estados bandidos", juntamente com o Irã, e o Brasil vai precisar se posicionar se quiser exercer um papel de destaque na mediação da futura administração americana com a América do Sul.

Lula, por sua vez, comentou em sua recente visita a Cuba que Obama mostrará a que realmente veio de acordo com a atitude que tomar em relação ao embargo econômico à ilha. E não foi por acaso que exortou o futuro presidente americano a acabar com o bloqueio econômico ao país do ditador Fidel.

Por enquanto, a posição brasileira tem sido a de defender a tese de que a América do Sul, diferentemente de outros continentes como África e Ásia, só tem governos eleitos democraticamente, embora haja diferenças de tensão, e alguns países sejam mais polarizados politicamente que outros.

Com relação à Venezuela, a posição do governo brasileiro nas conversas diplomáticas tem sido a de atribuir a tensão à oposição, que tentou tirar Chávez do poder através de um golpe.

A abordagem diplomática brasileira chega a ressaltar que mesmo nos Estados Unidos, exemplo de democracia, houve uma situação tão polarizada politicamente no século XIX que culminou em uma guerra civil.

A exclusão das minorias dos benefícios do desenvolvimento, os indígenas no caso da Bolívia, e a classe trabalhadora no Brasil, é que fez com que surgissem na região esses governos populares, na ótica da diplomacia brasileira.

Mas temos na América do Sul mecanismos de diálogo que previnem os conflitos armados, e os presidentes da região têm a capacidade hoje de conversar pessoalmente, muitas vezes em reuniões marcadas de improviso, para resolver conflitos.

A futura política do governo Obama para a América Latina pode assumir uma faceta menos belicosa no combate ao narcotráfico e ao terrorismo na Colômbia e no México, segundo informações de analistas próximos à nova administração. Substituindo as armas por incentivos econômicos para o desenvolvimento daqueles países, seria reduzida a tensão política na região.

Mas, ao assumir a tese de que a vitória de Obama tem o mesmo significado que a ascensão dos governos de esquerda na América Latina nos últimos anos, e, mais que isso, ao alimentar expectativas de que um governo de Obama terá tendências de esquerda, os governantes sul-americanos, inclusive Lula, podem estar cometendo um grave erro de avaliação política.

Vira-lata? Nem tanto


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Barack Obama recebeu cumprimentos de todo o mundo, até do controvertido Irã, mas só deu nove telefonemas no primeiro lote de agradecimentos: para França, Reino Unido, Alemanha, Coréia do Sul, Israel, Japão, Austrália e os vizinhos Canadá e México -único agraciado da América Latina.

Isso diz muito do que tende a ser a política externa de Obama: não se esperem dele invasões de países alheios nem que dê de ombros para protocolos climáticos, mas talvez tenha sido excessiva a expectativa de mais abertura para emergentes.

Sai Bush, entra Obama, mas a crise migra de um para o outro e os EUA continuam sendo os EUA.

Como diz Celso Amorim, os EUA podem até ficar mais humildes com a crise, mas nunca serão franciscanos. Têm tanto poder que a tentação do unilateralismo está na alma, seja republicana, seja democrata.

Na primeira entrevista depois de eleito, Obama falou com simpatia dos "vira-latas, como eu", mas escolheu telefonar para os Buldogs, Hottweilers, Labradores e, claro, fez política de boa-vizinhança.

Onde ficam os orgulhosos emergentes? E o Brasil, líder da América do Sul? A região está e vai continuar fora do foco de Washington, até porque Obama tem prioridades na fila, desde costurar a classe média, esgarçada com menos 240 mil empregos num mês, até se mostrar para os parceiros que importam.

Para Amorim, a reunião do G-20 no próximo sábado será o "grande teste" do multilateralista Obama, cuja liderança será decisiva para mudar o funcionamento e a própria essência de organismos como o FMI. Eles sempre fiscalizaram os pobres, mas quem tem o poder sobre a vida de milhões são os ricos.

Amorim avisa que a reunião não pode ser só "para tirar foto", e Guido Mantega dispensa idas ao G-8 "só para o cafezinho". Mas, mesmo que consiga uns minutinhos com Obama, Lula vai a Washington justamente para isso: tirar foto e tomar cafezinho. Colombiano, claro.

O primeiro teste


Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Barack Obama tem de definir as coisas que fará caso seu antecessor não as faça até o fim do mandato, em janeiro

A POUCO MAIS de dois meses da posse, a reunião do G20 em Washington, no dia 15 deste mês, será o primeiro teste de Obama, mesmo não estando fisicamente presente. Não lhe será possível ignorar as medidas que o moribundo governo de Bush tenha de tomar, sozinho ou em coordenação com outros. O problema é que, não possuindo a efetividade do poder, é limitada sua capacidade de influir para a adoção das decisões corretas ou para assegurar sua acertada execução. Um fiasco corroeria a mágica da vitória antes até do inevitável desgaste que sempre acompanha o choque entre a esperança e a realidade.

Foi por temer esse desgaste precoce que Franklin Roosevelt rejeitou o apelo do presidente Herbert Hoover para se tornar o co-fiador das ações que o governo anunciou naquele catastrófico ano de 1932. Na época, havia uma espera de cinco meses entre a eleição e a posse. Devido a esse precedente, os norte-americanos emendaram a Constituição, tarefa rara e difícil nos Estados Unidos, a fim de abreviar a espera pela metade.

Ainda assim é demasiada, sobretudo em hora de excepcional gravidade como a atual. Não se vê como um presidente considerado o pior, ou o segundo pior, da história americana consiga devolver à população a confiança, cuja perda é um dos elementos centrais da crise. Essa é uma das únicas situações em que se desejaria que os Estados Unidos fossem como a Argentina, onde o presidente Alfonsín antecipou o fim do mandato a fim de permitir que o sucessor controlasse a hiperinflação. O que resta a Obama é deixar claras as coisas que fará caso o antecessor não as faça. A primeira delas é um pacote fiscal de estímulo ao consumo. Não parece impossível que o governo Bush possa adiantar algo nesse sentido. Mais improvável é que se avance nos temas sociais em favor das vítimas da crise imobiliária, do alívio tributário às faixas mais baixas, da prioridade na criação de empregos.

Emergem assim, aos poucos, os contornos da opção preferencial pelos órfãos e pelas vítimas da era Reagan, do ciclo de injustiça, de desigualdade e de favorecimento ao setor financeiro que se denominou irrisoriamente de "revolução" conservadora. A era que se inicia com a vitória de Obama e a ressurreição do Partido Democrata volta ao espírito da frase de Abraham Lincoln: entre o dólar e o homem, é preciso escolher o homem.

É nisso que Obama revela fidelidade à força feminina que fez dele o que é. Abandonado pelo pai aos dois anos de idade, o presidente eleito é o símbolo de milhões de pessoas nos Estados Unidos e no mundo que foram criadas pela mãe e, em seu caso, pela avó materna. Sua ligação com as políticas sociais iniciadas por Roosevelt e ampliadas por Johnson é tão profunda como a do general Colin Powell, que sem elas, conforme declarou, jamais teria saído do gueto. A respeito de Obama falou-se muito de raça e de nova geração, mas não se mencionou o mais significativo da sua inspiração íntima: a jovem mãe, que lutou como organizadora social em favor de mulheres marginalizadas, e a avó, sustentáculo de uma família onde as figuras masculinas eram ausentes ou fracas.

Ele representa uma tendência social característica do nosso tempo: as famílias dirigidas por mulheres, que sobrevivem e produzem gente forte graças ao que William Faulkner exprimiu com espanto, ao ouvir a história de vida de uma prostituta: "A mulher é indestrutível!"

RUBENS RICUPERO, 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.