sábado, 15 de novembro de 2008

O fator Clinton


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Para o Brasil, seria muito bom que a senadora Hillary Clinton fosse mesmo nomeada secretária de Estado do futuro governo de Barack Obama. É, dentro do Partido Democrata, quem mais conhece o Brasil, país em que tem uma rede de contatos grande a partir do relacionamento que seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, fez com o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, cujos mandatos se cruzaram nada menos que durante seis anos, de 1995 a 2000. Antes de ser primeira-dama, Hillary era muito envolvida em políticas sociais no Children Defense Funds, e por isso conhece bem as políticas sociais no Brasil. Ela acompanhou também o trabalho do Comunidade Solidária com Ruth Cardoso e dizia que o Brasil era muito inovador em políticas sociais, tendo repetido isso na campanha presidencial que perdeu para Obama.

Suas ligações com os tucanos brasileiros fizeram com que o governo Lula temesse sua escolha como candidata dos democratas americanos. Lula torceu discretamente primeiro pela vitória de Obama sobre a senadora, e depois por uma vitória de McCain, no pressuposto de que os republicanos são menos protecionistas que os democratas.

De fato, apenas McCain falou favoravelmente ao programa de etanol do Brasil e no fim do subsídio aos produtores americanos. Com a aproximação do final da campanha, Lula se declarou abertamente a favor da eleição de Obama, a quem se considera ligado pela origem social modesta.

A escolha de Hillary Clinton para a Secretaria de Estado seria também uma confirmação do que a cada dia fica mais explícito: a influência do ex-presidente Clinton na formação da equipe de governo de Obama, que até agora tem 31 dos 47 membros da equipe de transição saídos do último governo democrata exitoso.

Os primeiros escolhidos para o futuro governo Obama saíram também do grupo de políticos que já trabalhou com o presidente Clinton, como o chefe do gabinete de transição, John Podesta, que foi chefe de gabinete do presidente. Para a mesma função, o presidente eleito já escolheu o deputado Rahm Emanuel, que foi conselheiro de Clinton na Casa Branca de 1993 a 1998.

Ele trabalhou próximo à então primeira-dama Hillary Clinton na tentativa de implantar um sistema de saúde universal no país e, devido aos seus laços com Israel, teve papel importante na assinatura do acordo entre a Organização para Libertação da Palestina e Israel em 1993.

É de sua inspiração a cena em que Clinton faz a aproximação para o famoso aperto de mãos entre o primeiro-ministro Yitzhak Rabin e Yasser Arafat nos jardins da Casa Branca.

A proximidade com Israel já causou a Emanuel um constrangimento. Ele teve que pedir desculpas por uma declaração de seu pai a um jornal israelense, onde afirmava que seu filho, trabalhando na Casa Branca, influenciaria o governo a ser pró- israelense.

Outro da equipe da Casa Branca de Clinton é Ron Klain, que será chefe de gabinete do vice-presidente Joe Biden. Em 1992, Klain entrou na campanha presidencial Clinton-Gore, e foi o chefe da equipe de recontagem de votos na polêmica eleição de 2000, em que Al Gore perdeu para George W. Bush.

Na Casa Branca, ele foi um conselheiro presidencial para questões jurídicas e depois trabalhou como chefe de gabinete do vice-presidente Al Gore.

Um outro astro da equipe de Clinton que está sendo cotado para o governo Obama é o antigo secretário de Tesouro Larry Summers, que faz parte do grupo que assessora Obama na parte econômica desde a campanha.

A pressão de grupos feministas, ainda relacionada com comentários de Summers quando reitor da Universidade Harvard sobre uma suposta incapacidade feminina para trabalhar com matemática, pode impedir sua nomeação, assim como o obrigou a deixar o cargo em Harvard.

O fato é que Obama está se mostrando disposto a usar a experiência do mais recente e bem sucedido governo democrata, coisa que Bill Clinton não pôde fazer quando chegou à Casa Branca, pois o governo democrata anterior, de Jimmy Carter, terminou mal visto.

Hillary Clinton estaria ainda analisando o convite, que já teria sido feito na reunião que teve com o presidente eleito ontem em Chicago.

Segundo assessores, ela estaria pesando as vantagens de uma exposição internacional, contra o abandono das questões internas que a preocupam tanto, como o serviço de saúde universal, uma das promessas que ela fez seu adversário na disputa das primárias assumir como meta caso chegasse à Presidência.

Um detalhe que está sendo levado em conta é que, por mais prestigioso que seja o cargo, ela poderia ser demitida a qualquer momento pelo presidente Barack Obama, o que não aconteceria se tivesse sido escolhida vice-presidente, por exemplo.

Em relação a isso, há uma história na política americana que ontem foi relembrada pelo marqueteiro republicano Dick Morris.

Em 1944, Jimmy Byrnes, conhecido como "o sub-presidente" no terceiro mandato de Franklin Roosevelt, era o mais falado para ser o vice de Roosevelt na campanha pelo quarto mandato, em lugar de Henry Wallace. No último momento, Roosevelt preferiu Truman, considerando que Byrnes era muito conservador.

A cúpula do partido não apoiou a troca, a tal ponto que Truman, ao assumir a Presidência em 1945 com a morte de Roosevelt, viu-se constrangido a convidar Jimmy Byrnes para ser seu secretário de Estado.

Byrnes, que pensava que deveria ser ele o presidente, não dava satisfações a Truman e fazia a sua própria política externa. Não demorou um ano para que fosse demitido.

Segundo Morris, a mesma situação está acontecendo agora, com a senadora Hillary Clinton sendo a preferida da cúpula do Partido Democrata e considerando que ela é que deveria ter sido eleita presidente dos Estados Unidos.

A favorita


Mirian Leitão
DEU EM O GLOBO


A única mulher que governou o Brasil foi a Princesa Isabel, em interinidades, três anos ao todo, no século XIX. O século XX foi masculino e o atual será o da diversidade. Que a nossa não seja, como na Argentina, uma mulher à sombra do patrocinador. O presidente Lula a indicou e, agora, Dilma Rousseff vai ser exposta ao sol e ao sereno. Suas idéias fiscais e ambientais precisam de atualização.

Os políticos já viviam no ano de 2010 e, com a declaração de Lula na Itália, não voltarão ao tempo presente. Muitas dúvidas cercam a chefe da Casa Civil. Não se sabe se ela sobreviverá à guerra campal no PT; se agüenta uma campanha; se terá o carisma para arrebatar a maioria do eleitorado; quanto de votos o presidente Lula vai transferir. Já se sabe que, lançada, entra na linha de tiro dos rivais internos.

A eleição municipal de 2008 deixou informações curiosas, que embaralham as explicações convencionais sobre a política brasileira. O PT perdeu a eleição e o PSDB também. Nas principais capitais eles não ganharam a prefeitura. O debate sobre quem é mais vitorioso no mundo tucano, se José Serra, se Aécio Neves, é ocioso. Seus candidatos venceram, mas nenhum dos dois prefeitos eleitos é do PSDB. Serra ganhou a guerra interna e fez uma ponte para uma aliança com um partido de direita, que está cadente. O DEM ficou menor e sem São Paulo teria tido uma derrota feia.

Serra participou pouco da campanha; Aécio e o petista Fernando Pimentel quase sufocaram o candidato de tanto patrociná-lo. Precisaram se afastar, no segundo turno, para que ele consolidasse sua dianteira. É como se o eleitor de Belo Horizonte estivesse dizendo aos seus líderes, em castiço mineirês, idioma que domino de berço: "Já sei que "ocês" são "bão", uai, mas quero "conhecê mió" esse candidato "docês, sô!"

O eleitorado brasileiro disse a Lula que gostava dele, mas não votava em quem ele indicava. No auge da popularidade, com frutos do melhor momento econômico dos seus dois mandatos, Lula não teve o que mandou os jornalistas escreverem: "Escrevam aí, Marta vai ganhar a eleição." Acumulou outros fiascos como o de Natal. Dilma subiu no palanque de Maria do Rosário, em Porto Alegre, onde tem título eleitoral, e iniciou sua carreira pública. Perdeu.

A vitória do PMDB também é cheia de significados. Para quem olha a política de fora, como eu, é intrigante o fato de que o partido que mais bancadas faz no Congresso, e mais prefeitos elege, nunca conseguiu ter um candidato viável para a eleição presidencial, aceitando o papel de coadjuvante - guloso, é verdade - em todos os governos. Sempre no poder; nunca na Presidência. Especialistas dizem que o PMDB, nesta eleição, firmou-se como um condomínio de máquinas locais, confirmou sua natureza municipalista e que, controlando mais cidades, tem chance de fazer grandes bancadas na próxima eleição. Seus problemas: não tem um projeto nacional e, sim, uma colcha de retalhos de interesses fisiológicos regionais e nunca uniu o partido em torno de um candidato presidencial.

O cenário político brasileiro é esquisito. A mais nacional das máquinas partidárias não disputa a Presidência e está sempre no poder; os dois partidos que governaram o país nos últimos 14 anos lideram coalizões, mas não administram as principais cidades e não têm as maiores bancadas na Câmara e no Senado. O PT abandonou seu plano econômico - câmaras setoriais, controle de preço, controle de câmbio, protecionismo, não pagamento da dívida externa e auditoria na dívida interna - e adotou o do partido adversário - metas de inflação, câmbio flutuante, Lei de Responsabilidade Fiscal e abertura comercial. Isso pasteurizou as propostas.

Vários partidos menores cresceram nesta eleição e serão disputados na formação das chapas, mas 2010 pode ser parecido com 1989, eleição muito disputada no primeiro turno, com vários candidatos competitivos e muita dispersão de votos. Há duas grandes incógnitas não respondidas: Dilma passará pelo PT? O PSDB vai resolver a eterna guerra Serra-Aécio? Há cenários, não há certezas.

Foi só o presidente ir ao Papa e dizer o que pensa para a guerra em torno de Dilma começar. Ricardo Berzoini lembrou que há um processo interno no partido, a ser respeitado. O capixaba Renato Casagrande (PSB) disse que ela precisa ir para o sereno; Garibaldi Alves disse que ela precisa ir para o sol. No Espírito Santo, quem vai para o sereno e pega vento sul, adoece; no Nordeste, o sol faz carne-seca.

Dilma terá ainda que superar sua inabilidade no debate público e atualizar suas idéias. Na área fiscal, fulminou com o adjetivo "rudimentar" a melhor idéia defendida por seus companheiros, a do déficit zero na época da fartura. Isso permitiria política contracíclica agora. Na área ambiental, nunca demonstrou entender de que matéria o futuro será feito. A questão ambiental-climática estará em todas as equações econômicas daqui para a frente. Seu modelo energético resultou em mais estatismo e mais emissão de carbono. Os últimos leilões aprovaram projetos que sujam a matriz energética, quando a faxina já começou em outros países. Mas o pior para qualquer candidato que depende da bênção presidencial é que, antes de 2010, haverá 2009: um ano econômico difícil, desafiador, decisivo.

A "política subprime"


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Cínicos, alguns deputados têm razão parcial ao argumentar que a fidelidade partidária não pode ser absoluta. Ninguém está obrigado a sustentar as mesmas idéias a vida inteira. A coerência não é um valor intrinsecamente positivo. Menos pessoas teriam morrido na Segunda Guerra se Hitler tivesse mudado de opinião.

Mas o ponto não é esse. Os deputados e os vereadores no Brasil não são eleitos individualmente nem mudam de partido para salvar vidas. A "política subprime" de pular de galho em galho obedece apenas aos interesses pessoais de cada um. Ganha um passeio guiado pelo Congresso quem apontar um deputado cuja troca de legenda se deu por clamor de suas bases.

Uma discussão possível seria sobre a qualidade do sistema partidário-eleitoral. Por que não se pode no Brasil eleger um deputado individualmente? Por que as legendas se transformaram em sesmarias de alguns poucos caciques com poder de indicar quem serão os candidatos a cada pleito? Esse debate não interessa aos deputados.

A mania no Congresso agora é aprovar uma jabuticaba -nativa do solo brasileiro- chamada "janela de infidelidade". Uma vez a cada quatro anos, por um mês, valerá tudo. Para o eleitor, será um "contrato futuro de derivativo ideológico": vota-se no deputado sem saber onde o político estará em três anos. Essa bisonha "janela" é proposta de um deputado comunista cujo partido até recentemente admirava a Albânia. Se aprovada, adicionará uma modalidade extra de lei no país. Hoje, há as leis que pegam e as que não pegam. Passaremos a ter também as que podem ser transgredidas por apenas 30 dias.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tem como barrar a "janela". Seu legado ficará marcado pela decisão. Poderá patrocinar o interesse dos eleitores ou incentivar a "política subprime".

Ayres Britto rebate Chinaglia e diz que ele não chefia Legislativo


Mariângela Gallucci
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Presidente do Tribunal Superior Eleitoral volta a cobrar cassação de mandato de deputado que trocou de partido

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, enfrentou ontem o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e voltou a cobrar o cumprimento da resolução da corte que cassa o mandato de parlamentares por troca de partido sem justificativa, os “infiéis”. Anteontem, Chinaglia demonstrou resistência em aplicar a punição a Walter Brito Neto (PRB-PB) e disse que Ayres Britto não preside o Judiciário - por isso, frisou, não poderia dar ordens ao Legislativo. “Ele também não é presidente de Poder”, disse o ministro.

“A decisão era para ser executada”, insistiu Ayres Britto. “Quando me referi à decisão tomada pelo TSE sobre perda de mandato, falei publicamente sobre um processo público.” Ele observou que a corte ordenou em 27 de março a cassação do mandato de Brito, eleito pelo DEM. Depois disso, destacou o ministro, recursos foram julgados, mas a decisão foi mantida.

Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a cassação dos infiéis. “Já saiu a decisão. Já comuniquei três vezes que é para dar posse ao suplente porque o devido processo legal foi exaurido”, cobrou Britto, na ocasião. Chinaglia rebateu: “Se eu quiser cobrar publicamente do ministro Ayres Britto processos em que sua excelência ficou determinado tempo sem deliberar, posso fazê-lo publicamente também.”

Ayres Britto admitiu ontem que Chinaglia não foi comunicado da decisão em 27 de março, mas insistiu: “Já me dirigi ao presidente da Câmara sobre esse caso por três vezes.”

IMBRÓGLIO

O embate entre o TSE e a Câmara aumenta na medida em que os dias passam e Brito, que teve decretada a perda do mandato por infidelidade partidária, continua com sua cadeira. A determinação para que a Câmara cassasse seu mandato e empossasse o suplente deveria ter sido cumprida até meados de setembro. Nada foi feito. Pelo contrário, Chinaglia criticou o presidente do TSE.

“Eu não falei por todo o Judiciário porque não sou presidente do Judiciário. Nem citei o nome do presidente da Câmara. Eu impessoalizei. Eu, como presidente de uma casa do Judiciário, me referi ao presidente de uma casa legislativa. O presidente do Congresso é o presidente do Senado”, afirmou Ayres Britto ontem.

“Não vejo nisso uma crise entre Poderes, até porque não sou presidente do Judiciário e não estou lidando com o presidente do Congresso”, acrescentou.

O ministro declarou ter ficado surpreso com o “tom áspero e agressivo” das declarações feitas pelo presidente da Câmara, mas afirmou estar disposto a “virar a página”. “Desde que possamos administrar esse impasse nos marcos da institucionalidade, tenho toda a predisposição para virar a página. Até porque, no plano pessoal, o meu baú de guardar mágoas tem um fundo aberto”, afirmou.

COBRANÇAS

Apesar da resistência, o presidente do TSE espera que a Câmara cumpra a determinação. Ayres Britto observou que o prazo previsto para isso ocorresse era de 10 dias após o tribunal ter enviado à Câmara um ofício comunicando que Brito tinha perdido o mandato. Esse documento foi mandado em 4 de setembro. Ou seja, o prazo terminou em 14 de setembro.

Ayres Britto informou que leu e releu as declarações dadas na quinta-feira por Chinaglia e as afirmações feitas por ele próprio na quarta-feira, após o STF ter decidido que é válida a resolução do TSE que determina a perda dos mandatos. “Confesso que me preocupei não com ele, mas comigo mesmo. Eu me lembrei da música do Djavan, Flor de Liz, que diz ‘Onde foi que eu errei?’.”

A conclusão de Ayres Britto é de que houve um mal-entendido. “Minhas declarações não tiveram um tom desrespeitoso”, afirmou. O ministro disse ainda que costuma usar metáforas em suas declarações, mas elas não são ofensivas: “Não posso deixar de ser poeta.”

O presidente do TSE comentou, por fim, que a Justiça já tomou centenas de decisões sobre o mesmo tema e nenhuma foi descumprida pelas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. Existem hoje na corte cerca de 2 mil ações envolvendo políticos infiéis.

Dilma na cabeça


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A medida da dificuldade do governo na eleição presidencial de 2010 é dada pelo presidente Luiz Inácio da Silva, quando dobra a aposta na candidatura da ministra Dilma Rousseff.

A despeito de ter sido sempre um adepto do sigilo até o início do jogo propriamente dito - assim fez nas quatro primeiras vezes em que foi candidato a presidente -, agora Lula resolveu fazer diferente: pôs Dilma na roda de forma oblíqua há dez meses e na última quinta-feira, de Roma, avisou diretamente que está com ela “na cabeça” para concorrer à sucessão.

Com isso, o presidente pode obter o desejado efeito de pôr um freio na discussão e ainda manter a chama acesa da perspectiva de poder frente à ofensiva dos pré-candidatos da oposição.

Deu certo no princípio do ano ao fazer de Dilma a “mãe do PAC”. Abafou ambições presidenciais no PT e enterrou as especulações sobre o terceiro mandato assim que constatou em definitivo a inviabilidade prática da proposta.

O clima na época era outro. Bem mais propício à obediência. Ainda se vivia a ilusão do “poste”, o PT não havia passado pelo teste da convivência com seus aliados em disputas eleitorais e a oposição ainda não havia dado a largada para a corrida sucessória.

Agora Lula repete o gesto, diz que está com o nome de Dilma “na cabeça”, mas corre o sério risco de terminar levando na cabeça por puro erro de cálculo. O quadro mudou, os aliados estão bem menos propensos à submissão e já examinam novas possibilidades para além das fronteiras atualmente governistas.

Podem ou não aceitar Dilma, dependendo das circunstâncias. Hoje, com dois anos de mandato ainda pela frente, a palavra do presidente ainda merece reverência, mas já não carrega o peso de palavra final.

Se os partidos vierem a se revelar contra a escolha de Dilma e a partir daí se dispersarem, Lula terá contratado desnecessariamente uma derrota. Do papel de magistrado, cabo eleitoral privilegiado, passará à condição de votante vencido.

Nem o PT esconde a divisão em torno do assunto. Na reunião do Diretório Nacional do partido logo após as eleições municipais, um grupo defendeu a antecipação da escolha oficial de Dilma Rousseff como candidata, mas outro defendeu a busca de alternativas mais competitivas.

As legendas de menor peso na aliança aguardam a definição do PMDB, onde a situação da predileta do presidente não é confortável.

A maioria do partido defende a neutralidade de resultados e a minoria defensora da manutenção da aliança com o PT em qualquer hipótese não esconde a opinião de que Dilma seria a menos alentadora delas.

Não sendo crível a possibilidade de os partidos aceitarem a imposição de um presidente popular, mas que no dia seguinte à eleição será ex-presidente, só por constrangimento de discordar. Aceitam Dilma se ela até lá demonstrar boas condições de competir. Se ficar no dígito único nas pesquisas, dão adeus e vão embora.Batendo o pé em Dilma desde já, Lula interdita o debate na base, provoca uma natural reação a imposições e mostra não ter aproveitado direito as lições que a última eleição municipal deu sobre o excesso de confiança de alguns governantes.

AutoriaO governo já reconheceu a necessidade de alterar a MP que permite a renovação automática dos registros de entidades filantrópicas no Conselho Nacional de Assistência Social e, portanto, admite que houve má-fé na concessão de anistia a todas elas, várias envolvidas em esquemas fraudulentos.Falta agora tornar pública a autoria do contrabando. Assim como jabuti não sobe em árvore, a “pilantropia” não apareceu por geração espontânea no texto da medida provisória.

Pactóide

Das quatro grandes favelas do Rio de Janeiro onde o governo federal materializou sua parceria com a administração local na instalação de canteiros de obras do PAC para conter a ação da criminalidade, três já foram, depois disso, cenário de batalhas entre polícia e bandidos.

Os moradores continuam a mercê do narcotráfico e a mera presença do Estado não serviu de garantia para nada. Ao contrário: na hora do aperto, prevalece a violência e o poder público recua.

Mostra a face no embalo das bandas de música, cercado de muita segurança e depois se retira deixando no ar uma sensação de puro engodo.

Pé de cabra

Se os parlamentares querem mesmo criar uma gambiarra legal abrindo espaço para o troca-troca de partidos quando houver eleições à vista é melhor que façam as coisas bem feitas.O Legislativo finge não se dar conta de que sua prerrogativa de legislar deve obediência aos limites delineados pela Constituição, extrapola e depois, quando o Judiciário se manifesta, reage como vítima de interferência indevida.

Lula deve reassumir já a Presidência


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Com a alma de católico praticante reconfortada pela bênção do papa Bento XVI, que o recebeu em audiência especial na biblioteca particular do pontífice, no Vaticano, para uma conversa com a solenidade da agenda previamente aprovada e que incluiu tema de evidente interesse, como a paz mundial, direitos humanos, meio ambiente e igualdade de direitos, e depois de aplaudido pelo seu desempenho como líder do grupo de países emergentes, na reunião do G-20, em Washington, o presidente Lula está de volta a Brasília para reassumir seu lugar no Palácio do Planalto e enfrentar o desafio de uma ameaça de crise interna que pipoca por todos os lados.

Não há prioridades num quadro de emergência. Mas, pela sua delicadeza, o desconforto evidente da ministra Dilma Rousseff reclama cuidados imediatos. Se o presidente não obedece à hierarquia e, na ausência, prefere deixar em sossego o vice-presidente José Alencar, desta vez o peso foi demais para a ministra-candidata. A partir da evidência que entra pelos bugalhos e que passará pela prova de fogo nas próximas pesquisas, que se repetirão todas as semanas até as urnas, em 2010, a candidata lançada pelo presidente e que ensaia a campanha nas viagens domésticas para conferir as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC que pouco se vê longe dos canteiros do Norte e Nordeste, ainda não emplacou.

O clima de desconfiança é corrosivo no clima de futricas de ambições que quebram o gelo do constrangimento e se oferecem ao sacrifício de servir ao país. Nada mais sintomático do que a última reunião do Diretório Nacional do PT, em Brasília, com o cínico pretexto de discutir a conveniência da antecipação do lançamento da candidatura de Dilma Rousseff. Ora, a candidatura da chefe da Casa Civil já foi lançada há tempos por quem pode e manda, que é o presidente Lula. Confirmada em vários pronunciamentos públicos. E levada na comitiva presidencial nas viagens pelo país como candidata e a responsável pelas obras do PAC.

Basta enxugar os pingos do chuvisco petista para que se exponha a ansiedade represada dos pretendentes ao lugar da ministra. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), quebrou a vidraça com a advertência de estudada ambigüidade: "O nome mais óbvio é o da ministra Dilma, que é o nome do presidente Lula". Além de outras qualidades que desfilaram arrastando os pés: tem postura, bom relacionamento com o PT e disponibilidade para o debate. Limpou a garganta, pigarreou para estimular a ousadia: "Ninguém é contra a candidatura da ministra, mas não podemos democraticamente excluir outra candidatura".

Estamos, pois, oficialmente informados de que o PT ainda não tem candidato nem candidata à sucessão de Lula. Ocorre que o presidente não terá vagares para desperdiçar o seu tempo com o ensaio de rebeldia, que não vai além de uma pirraça de menino birrento.

Pois encontrará o país atolado até o gogó na bagunça da mistura da crise da economia mundial, cada vez mais preocupante e com a baderna que envolve os três poderes. O Senado, com a maioria em cacos pela disputa da presidência, aprovou projeto criando um índice de reajuste para aposentadorias e pensões que, se passar na Câmara, escancarará um rombo de R$ 9 bilhões nos cofres da Previdência.

O clima tenso nas relações entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) subiu um tom com a decisão da mais alta corte do Judiciário, que aprovou por unanimidade a norma que assegura aos partidos o direito de pedir a cassação dos mandatos dos políticos infiéis. São flagrantes de uma degringolada que ameaça explodir numa crise do regime. E as contas dos erros chegam em fila: o gigantismo doentio do maior ministério de todos os tempos estoura as verbas orçamentárias; se as obras do PAC não podem parar, sem dúvida o seu ritmo será reduzido; os mais de 100 mil cargos públicos, muitos de livre nomeação, para o rateio político que garanta o apoio da maioria no Congresso, bate de frente com as dificuldades do Tesouro.


E a desordem urbana nas capitais e grandes cidades ocupa as favelas que dominam os morros e áreas sem lei, enfrentam a polícia e mantêm abertos os pontos do tráfico de drogas. Não há como fechar os olhos. A série de erros do governo expôs a agravante da acefalia com as ausências do presidente que mais viajou na nossa História republicana.