domingo, 14 de dezembro de 2008

Olha 2010 aí, gente!

Meu Comentário

O ministro Tarso Genro, afirmou dias atrás que as articulações em torno do nome da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para a sucessão presidencial em 2010 estão bem encaminhadas e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já sinalizou muito bem claro. Mas, ao mesmo tempo, na sua avaliação, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), está "adiantado" no processo.

Por que esta preocupação do Tarso? Para paralisar as articulações da sucessão e deixar só Lula como ator. Todo santo dia Lula aponta Dilma como sua candidata em 2010. Ela é a estrela das reuniões políticas concebidas sob medida para divulgar sua imagem na mídia. Sem falar das inaugurações e visitas aos Estados, transformadas em comícios eleitorais. É conhecido e sabido que, em todos os Estados, se articulam as chapas de governadores, vices, senadores, deputados federais e estaduais. Isto é, já é grande as disputas pelos apoios a sucessão presidencial.

Aqui, no Rio de Janeiro o governador Sérgio Cabral e seus aliados já traçaram os rumos. Cabral será candidato à reeleição, junto com atual vice. E, já formataram a chapa de Senadores com o atual presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Picciani disputando uma vaga pelo PMDB e a outra vaga ficaria com o PT.

Defensor assumido da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o governador Sérgio Cabral (PMDB), revela, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, edição de hoje, que, na semana retrasada, avisou ao presidente Lula que. ele quer um vice do Nordeste para Dilma e aponta o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. Para o governador , os defensores da aliança com o PT já têm maioria no PMDB para dar a vice a Dilma e diz que ela não correrá o risco de perder o partido para o PSDB se escolher Geddel, ex-aliado de Fernando Henrique Cardoso. E confirma, na prática, que o partido não irá em sua totalidade apoiar a Ministra.

O Governador, no entanto, cuida para não dinamitar as pontes que o ligam aos tucanos José Serra e Aécio Neves, bem mais antigas do que a fervorosa aliança com Lula. Ele renova sua admiração por Serra, a quem apoiou em 2002 contra Lula, mas justifica sua opção por Dilma na gratidão aos recursos que o governo federal tem dado ao Rio.

Enquanto acontece esta movimentação, há pessoas preocupadas, repetindo as palavras Ministro da Justiça, Tarso Genro do “adiantado” das articulações do Governador de S. Paulo, José Serra.
Que é estranho, é!

Dicas de candidato

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O PSDB tem, em tese, dois candidatos à Presidência da República: os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves. Ambos em campanha, ambos com estratégias diversas, embora condizentes com os respectivos objetivos.

Serra pretende mesmo disputar a sucessão de Luiz Inácio da Silva em 2010 e, por isso, diz que não é candidato. Aécio aprendeu política na família, sabe respeitar os fatos, mas sabe também a importância de se ocupar espaços e, por isso, assume postura de candidato, embora hoje a hipótese seja improvável.

Quando os dois falam favoravelmente à realização de prévias no partido em 2009, constroem publicamente o conceito da convergência no presente, mas cientes de que no modelo brasileiro prévia é sinônimo de divergência.

Portanto, o mais lógico é que o PSDB esteja apostando no caminho da candidatura “natural” e não na contratação de um conflito futuro. Isso não quer dizer que o quadro esteja consolidado.

Há tempo pela frente, tudo pode acontecer. Inclusive as circunstâncias se alterarem e Aécio Neves, por algum motivo, ser o candidato a presidente e Serra disputar a reeleição de governador.

Significa apenas que cada um cumpre o seu papel, todos engajados num projeto de poder cujo benefício será tão mais compartilhado entre todas as forças do partido quando mais unidas estiverem.

Geraldo Alckmin, por exemplo. Se quisesse hoje estaria preparado para dar aulas de pós-graduação sobre o ato de se esmurrar pontas de facas sem um detalhado exame prévio a respeito das condições objetivas de suportar (e superar) as conseqüências.

No reino dos inteligentes, os erros existem para se transformar em acertos. Tanto José Serra quanto Aécio Neves, cada um com suas peculiaridades, atuam nessa esfera.

O governador de Minas acabou de demonstrar isso quando conseguiu se recuperar em tempo recorde do equívoco cometido no primeiro turno da eleição municipal em Belo Horizonte e na segunda etapa cumpriu a meta de eleger o prefeito mais harmonioso aos seus projetos.

Transitou do fundo do poço à borda em 15 dias. Não seria no âmbito federal, num plano da dimensão da conquista da Presidência da República e com seu destino diretamente em jogo que se arriscaria a estender o passo para além das possibilidades das pernas.

Tampouco pode fazê-los menores. A noção do peso de Minas, da aceitação de que dispõe em setores organizados, da possibilidade de ampliar essa vantagem para o eleitorado e das próprias capacidades impedem Aécio Neves de se comportar como um subalterno de uma candidatura supostamente sacramentada. Portanto, no momento Aécio Neves faz o que lhe cabe fazer.

O governador de São Paulo também. Corrige os tropeços do passado e acerta o caminho futuro.

Por mais que Serra esteja absolutamente convicto de que a vez é dele, faz o maior esforço (em público, ao menos) para transparecer desprendimento. Trata a postulação de Aécio Neves como uma possibilidade real, defende prévias, promove encontros periódicos com políticos de vários partidos, contém o entusiasmo ante as boas novas das pesquisas e diz que são “apenas uma fotografia do momento”.

Articula com antecedência as alianças, agrega apoios sem excluir novas possibilidades, circula muito à vontade na oposição (em tese, o PT) e ultimamente acrescentou charme, simpatia e muitas entrevistas na relação com jornalistas.

Marca distância do pré-candidato quase auto-proclamado de 2002 e tem se empenhado bastante para levar em conta a legitimidade dos anseios alheios no campo da política, aí incluídos rituais afetivos antes relegados ao terreno das futilidades com as quais não é necessário perder tempo.

Junto a todos esses sinais, José Serra tem revelado aos poucos alguns aspectos do discurso do candidato de 2010 e deixado pistas de como lidaria com algumas questões, se eleito presidente.

A cobrança para que a Fundação Padre Anchieta seja mais eficiente, aumente a captação de recursos e contenha gastos poderia ser vista como uma antecipação da administração Serra para a TV Brasil.

A proposta de avaliação do funcionalismo por critério de desempenho, aprovada pela Assembléia Legislativa, seria uma dica de como o pretendente a presidente abordará a questão do aparelhamento partidário do Estado na campanha de 2010.

Nas suas últimas entrevistas o governador de São Paulo tem dito que os gastos com custeio e o inchaço político da máquina são os maiores desafios a serem enfrentados pelo sucessor, ou sucessora, de Lula.

Em conversas particulares, diz que tem a solução. É de se imaginar que, na essência, não sejam diferentes das adotadas no governo do Estado.

Outra pista é a abordagem que Serra faz do cronograma das obras do governo federal. Na avaliação dele, os atrasos são normais porque o processo de investimento é longo e difícil de ser implantado. “Gastar é fácil, investir é mais complicado”, disse na última quarta-feira mostrando que não brigará com a sigla PAC.

Marola no PT, correnteza no PSDB

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Com redução do IR, manutenção dos juros, votação da Raposa/Serra do Sol, relatório do Gol-Legacy e os avanços da crise, passou praticamente despercebido o mais relevante movimento político depois das eleições municipais: Aécio Neves se lançou à Presidência. Como ninguém leva sua candidatura a sério, avisou ao presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que não está de brincadeira.

A história tucana se repete. Em 2002, José Serra era o candidato óbvio, mas Tasso Jereissatti ficou na sua cola e ele chegou à campanha enfraquecido, sem dinheiro, estrutura e palanques. Em 2006, Geraldo Alckmin assumiu as vezes de Tasso e não lhe deu sossego até levar a indicação -e perder.

Agora Serra tem o governo de São Paulo, um resultado triunfante na eleição municipal, a aliança com o DEM e lidera o Datafolha com taxas entre 36% e 47%. Mas... lá vem Aécio no rastro de Tasso e Alckmin, com apoio sutil de Ciro Gomes e a bandeira "contra São Paulo".Aécio é governador de Minas, tem alta popularidade, vontade e direito de concorrer. O confronto, porém, tende a não o fortalecer a ponto de lhe garantir a sigla, mas pode enfraquecer Serra o suficiente para juntos perderem a eleição.

Aécio vai para o ataque, Serra fica na retranca: "Se o nome for o do Aécio, terei a maior satisfação de trabalhar para ele", declarou há dias.

Sim, porque Aécio precisa do confronto para se impor, e Serra precisa de unidade para ganhar.Já Lula, que é, ou deveria ser, o adversário real de Serra, acertou com ele a bolada das montadoras e a venda da Nossa Caixa para o BB. Ou é grandeza política, ou é cálculo: Lula escolheu o adversário e por isso ceva Serra. Ou as duas coisas.

Dilma Rousseff nadará contra a "marola", mas com o PAC, o Bolsa Família e a unidade do PT a favor.

Enquanto Serra nadará mais uma vez contra a correnteza tucana. Lula já viu essa competição antes. Sabe muito bem como termina.

Enfrentar o desemprego

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No acerto que fez com 31 empresários na quinta-feira, o presidente Lula não condicionou a redução de impostos à manutenção do emprego na indústria automotiva, como queriam as centrais sindicais, mas também não acatou propostas de flexibilização provisória de direitos trabalhistas nesta hora de pressão da crise sobre o emprego, como queriam empresários. Preferiu atacar o problema tentando estimular a demanda com a desoneração do Imposto de Renda sobre a classe média e com a possível redução de preços dos automóveis decorrente de queda de imposto.

Em momentos sem crise são medidas na direção certa, mas a dúvida é se a dosagem (o governo calculou a renúncia fiscal em R$ 8,4 bilhões em 2009) é ou não suficiente para reanimar a demanda, como pretende o governo. Como um extraterrestre, o ministro Guido Mantega já antecipa o efeito. “Estamos caminhando para a normalidade”, disse na entrevista em que divulgou as medidas. Negar a existência da crise, divagar pelo mundo irreal tem sido o comportamento sistemático de Lula e Mantega. Mas seria a melhor forma de resolver o problema?

O efeito mais dramático da crise - o desemprego - ainda não mostrou sua pior fase. Chegou muito rápido e vive seu primeiro estágio, o de antecipações de férias coletivas. A “normalidade”, ministro, vamos ver quando voltarem os 5,5 mil empregados da Vale, outros tantos de empresas siderúrgicas, metalúrgicas, eletrônicas que recorreram a férias para se desfazer de estoques elevados e evitar demissões.

Mas a inevitável queda da demanda, comprovada em novembro pelo IBGE, leva ao passo seguinte - o desemprego. E isso é real, presidente, e não torcer contra, “para o Lula se lascar”. É para levar em conta e orientar ações para atenuar.

Medidas de desoneração fiscal para estimular a demanda são bem-vindas, mas têm alcance limitado, porque a decisão de comprar ou poupar por temer dias piores é do consumidor. Por mais que Lula queira influenciá-lo com seus conselhos extravagantes, é natural o chefe de família se prevenir contra o fantasma do desemprego e poupar, não gastar. Porém o governo parece esquecer - e perde boa oportunidade - que momentos de crise são propícios a ajustes estruturais desprezados em períodos de bonança.

Lula rejeita a idéia por sempre colocar sua popularidade política acima de tudo, mas este é um momento inescapável para uma minirreforma trabalhista, com propostas de medidas infraconstitucionais que dispensem longas tramitações no Congresso, atualizem regras de relações de trabalho, incorporem práticas de novas formas de produção, reduzam o custo trabalhista mantendo direitos fundamentais e atraiam para a legalidade metade da mão-de-obra marginalizada.

É nisso que o governo deveria agora focar, não se acovardar diante de centrais sindicais que não aceitam perder nada e ainda querem acrescentar ganhos em plena crise, nem diante de ameaças de empresários de desempregar. Este é um momento em que o governo precisa contrariar os dois lados corporativos para beneficiar a sociedade, os trabalhadores (sobretudo os marginalizados) e as futuras gerações.

Nem de parte do governo nem da oposição surgiram propostas para uma minirreforma trabalhista, nem mesmo flexibilização temporária de algumas regras e direitos para atravessar a crise com o mínimo de demissões. E com a queda da renda do trabalho o dinheiro em circulação encolhe, caem vendas e é passo muito rápido para agravar a recessão econômica. Por isso é preciso evitar o desemprego, mas com realismo, não com propostas demagógicas de reduzir horas trabalhadas sem reduzir salários, com que as centrais sindicais acenam para a platéia, mas sabem que não terão.

Tampouco no livro virtual Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil, lançado por um punhado de talentosos e criativos economistas da Casa das Garças e da PUC-Rio, há um único artigo analisando os efeitos da crise sobre o emprego e a renda e formas de amenizar o problema. Um dos organizadores, o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, reconhece a falha e afirma que vai corrigi-la com um texto a ser incorporado ao livro. Os autores (entre eles Armínio Fraga, Pedro Malan, Edmar Bacha, Gustavo Franco, André Lara Resende e o próprio Goldfajn) concentram suas análises nos aspectos financeiros da crise, alertam o governo para os riscos que virão com a queda na arrecadação (boa leitura para Lula e Mantega), mas nada sobre a economia real.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ

Cabeças-cortadas

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Só agora, com o ministro Nelson Jobim e o atual Alto Comando, surge uma nova Política de Defesa, cujo eixo é a efetiva proteção da Amazônia e da plataforma continental

A questão militar no Brasil ainda é um assunto aberto, embora esteja submerso num mar de idéias fora de lugar, preconceitos e ressentimentos. O noticiário sobre os 40 anos do Ato Institucional nº 5 não deixa margem a dúvidas. A sociedade ainda cobra o esclarecimento dos fatos do passado. A antiga oposição ao regime militar mantém abertas as chagas das torturas. Os militares preferem o silêncio sobre o assunto. Mas o passado ressurge quando menos se espera, como aconteceu no depoimento macabro do tenente Vargas sobre a execução e esquartejamento de guerrilheiros do Araguaia.

Cortar cabeças e esquartejar adversários no Brasil foi uma prática corrente nos conflitos. São inúmeros os exemplos, a começar pelo massacre dos paulistas por portugueses e baianos no Capão da Traição, nas proximidades de Tiradentes. O próprio alferes Joaquim José da Silva Xavier, nosso mártir da Independência, foi enforcado e esquartejado. Muitas cabeças rolaram na Balaiada (MA) e na Cabanagem (PA). Ninguém sabe direito o que aconteceu a Solano Lopes e seus últimos combatentes em Cerro Corá. A ira do Conde D\`Eu foi implacável. Em Canudos, o coronel Moreira Cesar, herói da guerra do Paraguai, foi esquartejado pelos jagunços e seus pedaços pendurados nos galhos. Euclides da Cunha relata no Os Sertões o destino dado a Antônio Conselheiro e aos que o acompanharam até a liquidação do arraial baiano. “Ao entardecer, quando caíram os últimos defensores, que todos morreram. Eram apenas quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”

A obra euclidiana teve tamanho impacto no Exército que virou o livro de cabeceira dos tenentes, a começar pelo capitão Luiz Carlos Prestes, cuja coluna atravessou os sertões do país por 25 mil quilômetros, até se internar na Bolívia. Para confundir as tropas legais, Siqueira Campos deu cobertura à retirada e percorreu 9 mil quilômetros a uma velocidade de 20 léguas por dia. Até então, a jovem oficialidade se rebelava contra iniqüidade social, as fraudes eleitorais e o despreparo das Forças Armadas, movimento que resultou na Revolução de 30. Mas veio o levante comunista de 1935, liderado por Prestes, com a participação de dirigentes estrangeiros da III Internacional, e tudo mudou. A doutrina de segurança nacional passou a considerar os comunistas como “inimigos internos”. A experiência de formação do Exército brasileiro, desde o Império, com seu séquito de cabeças-cortadas, corroborava a doutrina.

A potência

Com a deposição de João Goulart, em 1964, os militares assumiram o poder com o propósito de transformar o Brasil na maior potência da América do Sul. Nacionalistas e entreguistas superaram suas divergências, com a linha dura militar batendo para valer na oposição, em todos os sentidos. A Escola Superior de Guerra, inspirada na guerra da Argélia, desenvolveu a doutrina da “guerra psicológica, subversiva, adversa e permanente” para legitimar como “combate ao terrorismo” a brutal repressão à oposição ao regime. A tese se encaixou como uma luva por causa dos focos guerrilheiros no Caparaó (RJ), no Vale da Ribeira (SP) e no Araguaia (PA), além das ações de guerrilha urbana (seqüestros de diplomatas, assaltos a banco e ataques a sentinelas).

Apesar da liquidação da luta armada, a doutrina da ESG só foi para o espaço com a Guerra das Malvinas, já em plena abertura do governo Figueiredo. O Exército argentino entrou em combate contra a Inglaterra, no Atlântico Sul. Os Estados Unidos mandaram às favas a “Doutrina Monroe” e deram apoio logístico aos ingleses. O Brasil assistiu de camarote, mas caiu a ficha de que o país não tinha uma política de defesa nacional de verdade. O que havia era apenas a repressão à oposição, antipatia aos argentinos e cooperação militar com os Estados Unidos. Com a democratização, os militares ficaram mesmo sem rumo.

Só agora, com o ministro Nelson Jobim e o atual Alto Comando, se consolida uma nova Política de Defesa, cujo eixo é a efetiva proteção da Amazônia e da plataforma continental. Isso implica gastos com o reaparelhamento das Forças Armadas e o reposicionamento de seus efetivos para construir certo poder de dissuasão em relação aos vizinhos e às potências do planeta. Por que são necessários? Por causa da presença das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia — FARC — na nossa fronteira com a Colômbia, da reativação da 4ª Frota da Marinha dos EUA no Atlântico Sul, dos crescentes problemas com o Paraguai (brasiguaios e Itapu), Bolívia (fornecimento de gás natural) e Equador (expulsão de empresas e calote de dívidas), além da agressiva militarização do regime de Chávez na Venezuela, com apoio de Cuba e da Rússia. Isso só interessa aos militares? Não, quem vai pagar a conta é a sociedade.

O AI-5 e a luta pelo poder


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A rememoração neste fim de semana dos 40 anos da promulgação do Ato Institucional Nº 5 nos obriga a rever o processo que o produziu. Significa que o 13 de dezembro de 1968, na realidade, começou no dia 31 de Março de 1964 quando os militares com o apoio da sociedade civil derrubaram o governo constitucional de João Goulart. E como fatos isolados não fazem história somos levados imperiosamente ao dia 25 de Agosto de 1961 quando Jânio Quadros, numa combinação de paranóia e caudilhismo armou uma renúncia que não esperava ser aceita.

Foi. Criou-se imediatamente o impasse com o qual contava o renunciante: quem o substituiria, o sucessor legítimo, o vice João Goulart, ou diante da recusa dos ministros militares em aceitá-lo seria tentada uma solução extra-legal? A solução foi razoavelmente legal: depois de um impasse de 13 dias que quase leva o País a uma guerra civil, Jango toma posse na condição de presidente de uma república parlamentar e, dois anos depois, através de um plebiscito recupera todos os poderes. Perdeu-os 14 meses depois.

A luta pelo poder absoluto, a ânsia de mandar e desmandar – esta é a tônica do período que vai da renúncia de Jânio ao fim do mandato de João Batista Figueiredo. Estes dramáticos 23 anos poderiam constituir a Era do Mandonismo: o importante era apoderar-se da máquina de decidir, dominar e calar o inimigo.

Reformas e mudanças eram acessórios. Nos sete meses em que exerceu a presidência Jânio deu preferência à política externa que lhe oferecia mais visibilidade, suas incursões no campo socioeconômico foram irrisórias e marcadas pelo inato populismo.

Jango desperdiçou esplêndidas oportunidades de dar seqüência à modernização empreendida por JK quando teve como primeiros-ministros os habilíssimos e competentíssimos Tancredo Neves e San Tiago Dantas. Deixou que caíssem, sabotou-os, não lhe interessava mostrar a viabilidade do parlamentarismo – queria o poder total oferecido pelo presidencialismo.

Para atender os apetites e ambições dos demais chefes militares, o mentor intelectual do golpe de 1964, general Humberto de Alencar Castello Branco, foi obrigado a entregar o poder ao general Artur da Costa e Silva, por sua vez atropelado pela linha dura preocupada principalmente em evitar o reaparecimento da Frente Ampla criada e articulada por Carlos Lacerda com os seus ex-adversários Juscelino Kubitschek e João Goulart.

O AI-5 foi o golpe dentro do golpe, sua verdadeira ideologia era a manutenção do poder. Começou na verdade em 5 de Abril de 1968 quando o governo Costa e Silva, preocupado com as reações do movimento estudantil à morte do secundarista Edson Luís e com o visível crescimento da Frente Ampla a extinguiu.

O Ato Institucional baixado oito meses depois, na noite de 13 de dezembro, seguia a lógica dos atos anteriores, sobretudo o AI-2 (1965) considerado sob o ponto de vista institucional tão duro quanto o próprio golpe de 64.

As arbitrariedades contidas neste regulamento nitidamente totalitário não seguiam impulsos aleatórios e extemporâneos, a ótica era estritamente militar: liquidar o inimigo mais poderoso e ameaçador. O discurso do deputado Márcio Moreira Alves e a decisão da Câmara em recusar o pedido do governo para processá-lo foram pretextos para desviar a atenção do objetivo principal: desmantelar a resistência política insuflada abertamente pela Frente Ampla, a primeira que conseguira se articular desde a derrubada de Jango. Também a primeira que chegava à sociedade através de uma retórica não-esquerdista (embora incentivada à distância pelo PCB), puramente democratizante e vocalizada pela mesma imprensa que criara as condições para a tomada do poder pelos militares.

A institucionalização da censura prévia foi o castigo imposto pela linha-dura à sua ex-aliada incondicional. Os civis que assinaram o AI-5, inclusive o agora lulista Delfim Netto, não perceberam que ao inaugurar os Anos de Chumbo, colocavam o país inexoravelmente na senda do ódio e do ressentimento.

» Alberto Dines é jornalista

Memória felizmente inútil

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Depois de fecharmos a edição do "Estado de S. Paulo", na noite de 13 de dezembro de 1968 (na verdade, já madrugada do dia 14), fomos a um boteco na rua da Consolação, em frente à antiga sede do jornal na rua Major Quedinho, para uma "unhappy hour" (foi a noite em que se editou o AI-5, o mais violento instrumento de arbítrio já adotado no país).Minha sensação era a de que o futuro havia sido interditado. E é muito dizer: tinha, então, 25 para 26 anos e, portanto, o futuro pela frente, como se dizia antigamente.

Um peso bárbaro.

Estava equivocado, a julgar pela pesquisa que esta Folha publicou ontem, mostrando que 82% dos brasileiros nem ouviram falar do AI-5. Como já disseram historiadores e sociólogos, o desconhecimento revela, sim, a conhecida falta de memória, a igualmente conhecida precariedade do ensino, a também manjada despolitização etc.

Mas revela também a derrota do arbítrio. Se quase ninguém se lembra do AI-5, é razoável supor que a grande maioria imagina que instrumento semelhante é irrepetível.

Não é preciso, pois, arquivá-lo na memória para evitar cometer erros que levem à sua repetição (atenção, não estou dizendo que seja uma atitude saudável; só estou tentando achar uma lógica além da que é mais evidente).

O futuro não foi interditado.

Tanto que vítimas do regime que editou o AI-5 acabaram na Presidência da República (Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva) ou no governo do Estado mais importante (José Serra).

O mundo mudou tanto que golpes de Estado, pelo menos na América Latina, caíram de moda. A mais recente tentativa (contra Hugo Chávez, em 2002) durou menos de dois dias. O de 1964 no Brasil durou 21 anos.

Se o boteco da Consolação não fechou, acho que agora valeria uma "happy hour".

Foi ontem, há 40 anos

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Me fizeram entrar e trancaram a porta. Um preso falou: "Não se preocupe, deita e dorme"

MORÁVAMOS À rua Visconde de Pirajá, 630, em Ipanema, esquina com Henrique Dumont, onde hoje há um obelisco.

Era 13 de dezembro de 1968, mal passava das sete da noite, quando chegaram João das Neves e Pichín Plá, nossos companheiros do Grupo Opinião. Iríamos ao cinema, junto com Vianinha, que logo deveria chegar. Teresa se aprontava no quarto, quando tocou a campainha da porta e eu fui atender, certo de que era o Vianinha. Mal abri a porta, um oficial do Exército, em roupa da campanha, perguntou se ali morava Ferreira Gullar, respondi que sim e ele entrou, seguido de dois soldados. "O senhor está preso por ordem do governo." Neste momento, Teresa interpelou o oficial: "O senhor tem um mandado de prisão contra meu marido?" Ele apontou para a televisão: "Não precisa ordem de prisão. Escute aí". Na tela, via-se a figura de Gama e Silva, ministro da Justiça da ditadura, lendo um documento: "Ficam suspensos todos os direitos dos cidadãos..." Era o Ato Institucional nº 5, que, ontem, fez 40 anos.

Pichín e João assistiam a tudo, apreensivos. Podia sobrar para eles, que eram também militantes na luta contra o regime. "Nosso cinema já era", disse a eles. "Vão vocês que já está quase na hora." Minha preocupação era evitar que o Vianinha entrasse ali. Os dois saíram. Vesti o paletó, que estava no espaldar de uma cadeira, e perguntei ao oficial: "Posso tomar água?" Entrei na cozinha, abri a geladeira, tirei do bolso a caderneta de endereço e joguei-a lá dentro, antes de pegar a garrafa.

Eles vasculharam demoradamente o apartamento. Em meu quarto, recolheram alguns exemplares de um jornal clandestino. Quando tentaram entrar no quarto onde estavam meus filhos, Luciana, a mais velha, de 13 anos, reagiu. Eles desistiram e saíram comigo para um jipão do Exército estacionado em frente ao edifício. Entramos e o veículo se dirigiu até a rua Francisco Sá, onde parou, descemos e entramos num restaurante. O oficial perguntou se eu queria comer alguma coisa, respondi que não. Eles comeram, voltamos para o jipe que tomou o rumo da Vieira Souto e parou em frente ao edifício onde morava Millôr Fernandes.

O oficial desceu com um dos soldados, mas não conseguiu entrar no prédio. Agora o veículo seguia pela Nossa Senhora de Copacabana, mas dobrou na Bulhões de Carvalho, como se fosse voltar para Ipanema. É que ali morava Paulo Francis. Foram até a entrada do edifício e voltaram. "O pilantra está viajando", disse o oficial (que era o famoso capitão Guimarães, hoje bicheiro e presidente da Liga das Escolas de Samba) ao soldado que dirigia o jipe. "Vamos para a Vila Militar."

Foi uma longa viagem. Finalmente chegamos, fui levado para uma sala onde me revistaram, me tomaram o relógio, a caneta, o chaveiro, a carteira de dinheiro e os documentos. Fui levado por um corredor escuro, ladeado de portas com grades de ferro. O soldado abriu uma dessas portas, acordando as pessoas que ali estavam.

Me fizeram entrar e trancaram a porta. Fiquei um tempo, atônito, quando um dos presos, de uns 50 anos, me falou: "São uns putos. Não se preocupe, deita aí e dorme".

Naquele xadrez, denominado X-13, havia quatro presos: Ferreira, o mais velho, dono de uma oficina de guarda-chuvas, acusado de guerrilheiro; um rapaz, de menos de 20 anos, da mesma organização, e dois outros presos por equívoco: um paraibano, recém-chegado ao Rio, por ter alugado inadvertidamente uma casa que servira de "aparelho" ao pessoal do Marighella; e finalmente, um funcionário público, por ter o mesmo nome de Antônio Callado, escritor e jornalista. Este, ao saber que eu era escritor e amigo de Callado, implorou-me: "Então, diga a eles que eu não sou o Antônio Callado que eles pensam que eu sou!" Era quase engraçado. "Mas como vou dizer, se estamos incomunicáveis?"

Três dias depois, chegou Paulo Francis, diretamente do hotel Waldorf Astoria de Nova York. Entrou pálido, assustado. À hora do almoço, não conseguiu comer. "A gororoba é intragável", disse-lhe, "mas sem comer não vai agüentar esta merda". Terminou comendo e, uma semana depois, batia nas grades, reclamando pelo almoço que demorava.

Em breve o xadrez estava superlotado. O primeiro a ser solto foi o falso Callado, depois o paraibano. Eu e Francis saímos, ambos, no dia 2 de janeiro. Fora o gás que soltaram na cela, passamos incólumes por ali. Mas aquilo era só o começo.

Correção: De Gaulle não forçou o Tesouro americano a trocar "bilhões" de dólares, como se leu na última crônica, mas US$ 300 milhões.

São Paulo na 'Era das Cidades'


José Serra é governador do Estado de São Paulo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Os desafios de uma cidade global passam, obrigatoriamente, pelo equacionamento de sua governabilidade

São Paulo recebeu, na primeira semana de dezembro, o prestigioso seminário da Urban Age Conference, um projeto que tem por objetivo encontrar soluções para as megacidades globais, como Nova York, Londres, São Paulo e Johannesburgo. Trata-se daqueles núcleos irradiantes de redes financeiras, comerciais, de serviço e de cultura que mais contribuem para o funcionamento das operações financeiras transnacionais. O projeto trata do urbanismo realmente existente, que não pode ser compreendido apenas a partir das idéias dos urbanistas, dos interesses políticos ou da cobiça dos incorporadores.


As quatro áreas fundamentais de pesquisa do Urban Age, bem explicitadas por Ricky Burdett e Philip Rode (professores da London School of Economics and Political Science), convergem de maneira surpreendente com algumas das linhas de ação que desenvolvi com minha equipe à frente da Prefeitura de São Paulo e do governo do Estado. De particular importância para mim, como economista, como chefe do Poder Executivo e sobretudo como filho de imigrantes, é a primeira questão, relativa ao impacto da produção e do trabalho sobre a cidade e a vida da população.

Essencial para compreender São Paulo é também o caráter paradoxal e altamente diferenciado das cidades globais na concepção de Saskia Sassen (socióloga e economista americana) como o "locus de produção para os setores econômicos mais avançados", recobrindo, portanto, "a infra-estrutura de atividades, firmas e ocupações - de transporte de carga, manutenção técnica e limpeza - necessárias para operar a economia corporativa mais avançada", cujo "processo completo de produção inclui ocupações não especializadas e infra-estruturas diversificadas".

Dispersão e adensamento, jovens profissionais globais e mão-de-obra informal, moradias sofisticadas e loteamentos ilegais, tudo isso convive por definição nas cidades globais e é isso que torna essencial, para São Paulo, compartilhar as experiências e análises proporcionadas pelo Urban Age.

MAPA DOS DESAFIOS

Tendo isso em mente, vejamos quais são, a meu juízo, os principais desafios postos pela Região Metropolitana de São Paulo com relação a alguns dos eixos de pesquisa do Urban Age. Comecemos pelo impacto da produção e do trabalho. Aqui, as migrações são princípio, meio e fim. Desde a 1ª Grande Guerra, a Capital conheceu a mais rápida taxa de crescimento dentre as maiores regiões urbanas do mundo. E a imigração, sobretudo doméstica, respondeu por quase 60% do crescimento entre 1940 e 1970. As migrações reintroduzem constantemente o enorme impulso de energia humana que, por um lado, permite acelerar o crescimento econômico sem pressões inflacionárias insuportáveis e, por outro lado, exponencia os problemas de infra-estrutura urbana. Para enfrentar esse desafio, é preciso manter a capacidade de investimento a fim de preservar empregos e diminuir os custos tanto pessoais como corporativos causados pelo congestionamento.

Por essa razão temos dado total prioridade ao transporte coletivo de massa e promovemos a integração entre as redes municipal (ônibus) e metropolitana (metrô, trens urbanos e, proximamente, VLT (veículo leve sobre trilhos). Isso vai diminuir significativamente o custo do transporte em termos de tarifas, tempo e conforto para a população trabalhadora.

O desafio resultante dos impactos dos projetos habitacionais e urbanísticos sobre as comunidades e sua capacidade de integração vem sendo enfrentado em três direções: a recuperação do espaço público, os projetos habitacionais, que buscam evitar a segregação do espaço urbano e sua conseqüente exclusão social, e a regularização da propriedade das moradias.

Quanto à questão dos efeitos da vida pública e dos espaços urbanos sobre o cotidiano dos cidadãos, ela apresenta o desafio que está na raiz de todos os demais e sugere uma direção possível para sua solução. Uma cidade global como São Paulo apresenta um problema central de governabilidade: a dissociação entre a autoridade municipal e a origem dos desafios, que são de natureza metropolitana. No Brasil não existem instrumentos metropolitanos para a solução desses problemas. Além disso, há uma sub-representação política das regiões metropolitanas nos Legislativos estaduais e no Congresso Nacional.

A MAGNITUDE DA CONTA

Na ausência de uma autoridade reguladora e executiva metropolitana, e devido à escassez de recursos próprios, a cidade de São Paulo e a sua região metropolitana ficariam sufocados pela magnitude dos problemas, caso não contassem com os investimentos do governo do Estado.

Para responder a isso, foi possível direcionar para a Grande São Paulo e duas outras regiões metropolitanas do Estado, de Campinas e Santos, quase a metade (46%) de todos os investimentos do governo estadual em transportes - incluindo o metrô e os trens metropolitanos - obras viárias como o Rodoanel, as grandes marginais e os acessos às grandes estradas que ligam com o resto do País e o interior, além dos investimentos em saneamento e habitação.

Mas essa participação do governo estadual está longe de ser suficiente, devido à inadequação do sistema tributário brasileiro no que diz respeito às grandes cidades. O Fundo de Participação dos Municípios, de responsabilidade federal, que transfere para as cidades quase um quarto das receitas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, minimiza as bases territoriais de coleta desses impostos e, ao mesmo tempo, supõe constante qualquer população acima de 160 mil habitantes. Em outras palavras, uma cidade com 11 milhões de habitantes, como a capital paulista, recebe, por conta da população, o mesmo montante que uma cidade de 160 mil habitantes. O caso é particularmente dramático: de cada US$ 10 de impostos pagos por um cidadão médio paulistano, apenas US$ 1,5 fica com a prefeitura. US$ 2 vão para o governo do Estado e US$ 6,5 para a União.

Existe um terceiro fator negativo: no Brasil, como sabemos, o Legislativo é eleito pelo sistema proporcional com lista aberta, num único distrito que corresponde a toda a base territorial representada. Assim, o Estado de São Paulo elege 70 deputados federais e 94 deputados estaduais, num distrito que inclui todo o eleitorado do Estado, ou 27 milhões de eleitores. Na capital também, 55 vereadores são eleitos num megadistrito eleitoral de mais de 8 milhões de eleitores.

Tipicamente, enquanto as cidades do interior tendem a se agregar em torno de um pequeno número de candidatos a deputado, mais conhecidos entre as suas populações, a região metropolitana pulveriza seus votos entre muitos candidatos, que não se elegem. Como conseqüência, embora a Grande São Paulo concentre 50% dos eleitores, mal consegue eleger 25% da representação legislativa, tanto estadual quanto federal. Isso dilui desproporcionalmente o peso e a influência da área metropolitana e da cidade de São Paulo na distribuição de recursos estaduais e federais, em favor de pequenas e médias cidades, onde os ganhos políticos e eleitorais se adquirem com maior facilidade.

MUDANÇAS NECESSÁRIAS

Não tenho uma visão pessimista sobre o futuro das grandes metrópoles brasileiras, mas as mudanças exigirão bastante tempo. Para começar, teremos de ser bem-sucedidos nos três planos que afetam profundamente sua governabilidade.

Primeiro, criar uma instância metropolitana com autoridade para regulamentar e recursos orçamentários para executar as políticas especificamente metropolitanas, principalmente nas áreas de transporte e de saneamento. Isso exigirá alterações constitucionais, uma vez que no Brasil não estão previstas instâncias de poder intermediárias entre o município e o Estado.

Será preciso definir com rigor a composição e a forma de escolha da representação da sociedade nesse órgão, de maneira a evitar a reprodução pura e simples das distorções já existentes. Sem se alterar o atual sistema proporcional, qualquer eleição de representantes metropolitanos diluiria, como já dilui, na Assembléia Legislativa e na Câmara dos Deputados, os votos do eleitorado da capital e dos municípios mais populosos, em favor dos municípios menores e mais coesos. Essa questão está, portanto, intimamente ligada à questão do sistema eleitoral.

O segundo desafio é o de uma redistribuição tributária e fiscal que corrija a imensa injustiça da distribuição de receitas per capita das municipalidades maiores, cujos problemas são mais complexos. Esse desafio só poderá ser enfrentado com o empenho e a liderança de um chefe do Executivo federal sensível à magnitude dos problemas inerentes às metrópoles globais.

O terceiro consiste numa reforma do sistema que possa garantir uma distribuição regional mais equilibrada da representação legislativa, em contraposição à atual sub-representação das grandes cidades e regiões metropolitanas. A decisão por maioria simples ou absoluta em distritos menores e, portanto, mais adequados para representar a população de localidades e de pequenas regiões, é a solução, sem a menor dúvida. Mas as resistências são imensas. Essa reforma começa, por isso mesmo, pela tomada de consciência, pelo cidadão das regiões metropolitanas, de quanto o desenvolvimento, a segurança e a qualidade de vida do lugar onde vive e trabalha dependem das regras eleitorais que dão maior força ou diluem seu poder de voto. Sem o empenho decidido do próprio eleitor, as elites políticas dificilmente se
empenharão, por sua vez, na reforma.

Se um pouco que seja das idéias discutidas pelos seminários do Urban Age chegaram ao cidadão comum, um passo terá sido dado para enfrentar esses imensos desafios.