domingo, 21 de dezembro de 2008

Despindo o 'país da fantasia'

Diálogo Aliás: José Arthur Giannotti /Francisco de Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Adeus marolinha, festas do pré-sal, discursos de ilusões. Adeus messianismo, compras a perder de vista, planos sem ação. Adeus, pois o que o Brasil precisa é de uma agenda, sem a qual seguirá sendo remotamente o “país do futuro” - mas o futuro é o presente. E a luz da lucidez contra a fantasia de que tudo vai bem por aqui pode ser acesa - quem diria - pela crise financeira que escureceu o mundo em 2008. Nisso tudo concordam o sociólogo Francisco de Oliveira e o filósofo José Arthur Giannotti, ambos da Universidade de São Paulo, ex-companheiros no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e integrantes históricos do grupo de intelectuais que, em 1980, assinou, no Colégio Sion, a ata de fundação do Partido dos Trabalhadores. Depois, cada um tomou uma estrada: Oliveira romperia com o PT e hoje está próximo do PSOL de Plínio de Arruda Sampaio. Giannotti, por sua vez, aproximou-se do PSDB. Não se considera, porém, um tucano, e sim um “tucanóide”, o que, na ornitologia política, talvez signifique uma ave de bico comprido, afiado e bastante crítico.

Os dois estiveram na sede do Estado para um encontro da série Diálogos Aliás. “Lula é regressão”, disparou o sociólogo, incomodado com o que considera “caráter messiânico” do presidente. “Os problemas não são enfrentados pelo governo; eles são embalsamados, como se pudessem ser resolvidos simplesmente com passes de mágica”, avaliou o filósofo. Durante duas horas, com a intermediação da editora-executiva Laura Greenhalgh e do editor Rinaldo Gama, Oliveira, de 75 anos, e Giannotti, de 78, se debruçaram sobre algumas das questões mais urgentes daquele que parece ser o verdadeiro partido desta dupla: o Brasil.

REGRESSÃO E FANTASIA

Francisco de Oliveira - Analisando esse caráter do presidente como “homem providencial”, uma visão muito comum na política brasileira, vejo nisso uma regressão. Então, nesse sentido, acho que Lula representa a regressão. Eu preferiria um chefe de governo como Ulysses Guimarães. Não para despersonalizar a política, mas para tirar o caráter messiânico da figura presidencial. O messianismo não aconteceu com Fernando Henrique Cardoso porque ele não tem esse traço de personalidade. Ulysses era um grande articulador, conduziu o processo de redemocratização, um dos momentos altos da política brasileira, momento realmente criativo da vida nacional, até hoje mal avaliado, mal estudado pela academia. Há poucos estudos sobre aquele período.

José Arthur Giannotti - Eu não diria que Lula é uma regressão. Ele tem aspectos regressivos e aspectos positivos, na medida em que, a despeito desse ponto que você aponta, temos hoje uma integração maior no jogo político de uma população que até pouco atrás não havia sido incorporada. Tenho a impressão de que desde o tenentismo não se via uma tal ampliação do corpo político brasileiro. Por outro lado, observamos que essa integração está sendo feita a partir de uma enorme ilusão de unidade, o que é a própria negação da política. Por quê? Lula é um craque da comunicação, quanto a isso não há dúvida, mas ele pratica uma política que tende a escamotear as diferenças. Veja como, na medida em que o PT se dirigiu para o centro, não tivemos mais uma alternativa no campo político. Investidas como a do PSOL são, a meu ver, tentativas tradicionais da esquerda, mas são facções que não estão agarradas a nenhuma base social, enquanto o PT veio de uma bem definida. Pois bem, quando o PT foi para o centro, a política perdeu alteridade. E quando aparece alguma alteridade o PT logo trata de incorporá-la. Basta ver o número atual de ministérios: 37. Em caso de discordância, crie um ministério. Com isso, as lutas desaparecem. A despeito de as instituições políticas serem, do ponto de vista eleitoral, estruturadas e mais ou menos constantes, o jogo político fica inteiramente falsificado, pois você não sabe mais quem é adversário e quem é aliado. O jogo político torna-se um espetáculo. Os problemas não são enfrentados, ao contrário, são embalsamados, como se em algum momento possam ser resolvidos com passes de mágica, como o pré-sal, por exemplo. Temos aqui um futuro de fantasia.

Oliveira - Concordo com essa idéia da política de fantasia, mas insisto na regressão. Embora pareça ter havido uma ampliação do espaço de inclusão de classes e grupos sociais na política, minha interpretação é diversa: houve uma exclusão. Tomemos o tema do populismo. Na literatura sociológica brasileira, ele foi prejudicado pelo fato de que sua emergência no País coincidiu com a ascensão do fascismo na Europa. Mas é um equívoco misturar populismo a fascismo, porque o fascismo é uma contra-revolução e o populismo, não: este representou uma inclusão autoritária das novas classes sociais na política. O populismo foi uma inclusão, sobretudo do novo operariado. Hoje nós estamos em um momento de desestruturação de classes: tanto o PT quanto o PSDB pensam apoiar-se em determinadas constelações de grupos sociais que estão em dissolução. O PT, na verdade, neste momento, exclui os trabalhadores da política.

Giannotti - Mas é um fenômeno internacional. Há a exclusão que vem pela forma de inclusão de um indivíduo isolado no jogo político. Você tem uma dissolução das lutas de classe e você tem, também, um indíviduo que passa a ser muito mais massa de manobra.

Oliveira - Por isso esses picos de popularidade do governo estão mesmo no horizonte, por causa desse fenômeno.

Giannotti - É preciso lembrar que não temos hoje uma separação gramsciana entre Estado e sociedade civil, pelo contrário. A sociedade civil hoje se tornou uma espécie de massa de manobra do jogo político.

O PT NEOLIBERAL

Giannotti - O movimento do PT em direção ao centro foi, no início, um tipo de manobra eleitoreira ou eleitoral. A Carta aos Brasileiros (documento conduzido pelo então coordenador da campanha de Lula à sucessão de FHC, Antônio Palocci, na qual o futuro presidente assumia o compromisso de não alterar a ordem econômica vigente no País ), feita no Banco Pactual, todo mundo sabe disso, foi uma forma de ganhar espaço para a eleição. E aquela política econômica foi mantida porque era eficaz, ao passo que uma política econômica ‘puramente petista’ não seria eficaz. Mas o fato de ser eficaz não significa que fosse a única possível... Enfim, a aliança com o capital financeiro fez com que a política econômica de Lula não apenas se mostrasse eficaz como também que seu governo se tornasse cada vez mais neoliberal. O governo de Lula é mais neoliberal do que o de Fernando Henrique.

Oliveira - O governo Lula é neoliberal. O de Fernando Henrique foi um governo de transição, de muitos riscos.

Giannotti - A única coisa que eles não conseguiram fazer, e os governos neoliberais da Europa fizeram, foi a privatização da Previdência. Mas noutro dia vi um levantamento de como foram os gastos do governo federal de janeiro até outubro. Se não me engano, tivemos R$ 160 bilhões para a Previdência; R$ 106 bilhões para programas sociais e custeio; R$ 102 bilhões para pessoal; e R$ 20 bilhões em investimentos. Se Obama fosse eleito presidente da República aqui, ele não poderia fazer nada do que pretende nos Estados Unidos, porque com R$ 20 bilhões de investimentos ninguém faz nada. Neoliberalismo não é liberalismo. Ele implica o desmonte da Previdência Social e em seguida um aporte de recursos para aquelas pessoas que ficarem fora do mercado. O que o neoliberalismo quer, acima de tudo, é o bom funcionamento do mercado.

Oliveira - É Milton Friedman (economista norte-americano, Nobel de 1976).

Giannotti - Isso. Você atua no mercado para que ele possa funcionar bem. Você atende o pobre, mas até chegar ao mercado, porque nessa hora ele entra na concorrência. Então, só por esses números de distribuição da arrecadação dá para concluir que este governo é profundamente neoliberal. Estamos assim: de um lado, travados pelo amortecimento do jogo político e, de outro, por um perfil de gastos que impede a construção de uma indústria nacional, de infra-estrutura, etc.

Oliveira - Mas este nó você não desata só através da economia. Este nó está na política.

Giannotti - Claro.

Oliveira - O nó está no arranjo das classes sociais, que se encontram numa desestruturação tremenda. Qual a diferença da social-democracia para o neoliberalismo? A diferença não se dá apenas na visão sobre Estado do bem-estar. A diferença está no fato de que esse Estado, num movimento de retroalimentação, pode vir a constituir grupos com capacidade de pautar a agenda do adversário. Isso é a política social-democrata: quando você tem uma economia como a da Holanda, em que 50% do PIB vão para os gastos sociais, você pauta a agenda do capital.

A DEMOCRACIA QUE QUEREMOS

Giannotti - Qual é o efeito da crise global na política brasileira? Se nós continuarmos com essa hegemonia lulista do encobrimento das diferenças, o Judiciário continuará legislando e o Executivo ficará, como o Legislativo, sujeito ao balcão de negócios. Mas se a crise conseguir arrebentar com essa “política da ilusão”, ou ao menos colocá-la em xeque, daí teremos uma situação interessante e é para isso - insisto - que nós devemos estar preparados. Seremos obrigados a discutir que país iremos começar a construir, a partir de uma nova situação, de um capitalismo que também estará se reestruturando. Noutro dia eu estava conversando lá no Cebrap sobre qual seria a saída política para a crise. Não acredito, por exemplo, que os Estados Unidos aceitarão qualquer intervenção em sua política relativa ao Banco Central. Alguma coisa, porém, terá de ser feita: não sei se reforço do FMI, se mais controle internacional. Mas que tipo de controle seria este? Tenho a impressão de que a tendência é a de que Estados nacionais fortificados estabeleçam determinados protocolos e fechem acordos. Acordos que vão durar até que um desses Estados se sinta mais forte para quebrá-los, como a história comprova, basta lembrar de Breton Woods.

Oliveira - É o “eterno enquanto dure” do poeta.

Giannotti - Que tipo de controle haverá nos Estados nacionais para que eles possam participar desses protocolos? E como é que vamos poder controlar os protocolos? A crise nos colocará diante de uma questão básica, a democracia. Teremos de pensar que tipo de democracia queremos no Brasil porque, se não o fizermos, não seremos parceiros internacionais. Se não tivermos uma democracia forte, em que os partidos consigam pautar os adversários, como diz você, cairemos no quê? Em fantasias do passado - como essa equivocada política Sul-Sul cujos resultados estamos vendo. Ou seja: a questão primordial hoje é como nós podemos melhorar nossa democracia. A meu ver, precisamos de uma democracia vigilante, atenta às diferenças do pensamento político que o lulismo veio apagar.

Oliveira - Sou menos otimista quanto aos protocolos internacionais. Ao mesmo tempo, entendo que se a crise não disparar novos processos, iremos para o reino das sombras.

Giannotti - Vamos para a guerra. Não a guerra aberta, conflagrada, mas a guerra pela sobrevivência.

Oliveira - Nesse aspecto o papel dos Estados Unidos é fundamental, a ponto de que um antiamericanismo tolo, hoje em dia, perde completamente o sentido. Porque a solução da crise passa por lá. Nós vimos o barateamento do custo de produção da força de trabalho norte-americana num processo em que foram inseridos no mercado de trabalho nada menos que 800 milhões de pessoas, vindas da China e Índia. Esse Obama está condenado a ser um novo Roosevelt. Vai ter de bater o martelo e abrir um vastíssimo programa de investimentos no próprio país, do contrário não quebrará essa equação em que os Estados Unidos passaram a depender da China.

Giannotti - Disso pode vir um capitalismo mais interessante, porque aquele que conhecíamos, e tal como conhecíamos, já não existe mais. Se isso ocorrer, sairemos com uma desvantagem enorme, porque não resolvemos nosso problema da educação. E aí a culpa é tanto do governo quanto da oposição. Aquela grande transformação que esperávamos não aconteceu nem no governo Fernando Henrique nem no governo Lula. Estamos atrasadíssimos. Se, através dessa nova forma de capitalismo, com suas novas regulações, não tivermos investimento em educação, ficaremos ainda mais atrasados em relação a esse novo mundo que vai surgir. Isso é muito grave. Não adianta a gente ter simplesmente planos. Chega de planos! Precisamos é de uma agenda. O que eu quero saber é, com os recursos atuais, o que nós vamos fazer hoje, amanhã, que metas vamos cumprir daqui a cinco anos, independentemente de quem será o presidente da República ou o governador. O País depende dessa agenda para sair do buraco, ou para não cair no buraco.

CRESCIMENTO EM XEQUE

Oliveira - Repare bem como esse crescimento das classes menos favorecidas, essa explosão do consumo tão falada neste ano é algo volátil. O governo baixou a alíquota de IPI dos automóveis e a venda de carros cresceu substancialmente. Claro que isso não se sustenta. Toda vez que você tem uma desregulação, o efeito imediato é fulminante. Aí você entra em êxtase. Mas, depois, os chamados mercados começam a se adaptar - e não há, de fato, um movimento de redistribuição de renda vigoroso capaz de segurar uma coisa dessas. O que tem sido nesses últimos anos a economia brasileira? O que explica esse grande consumo? De um lado, as commodities, que alavancaram o crescimento e, de outro, as privatizações.

Giannotti - E os programas sociais.

Oliveira - Não. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) já mediu isso. O efeito maior na redistribuição de renda é da seguridade social - não é o Bolsa-Família, nem o aumento do salário mínimo, o que não quer dizer que estes não sejam importantes. Agora, as privatizações, sim, liberaram um excedente financeiro formidável, que tornaram possível inclusive essa explosão do consumo apoiado em prestações a perder de vista.

INVESTIMENTOS E CIÊNCIA

Giannotti - O valor do PAC dentro do orçamento nacional é uma piada, mas é o que sustenta o projeto de sucessão do presidente Lula. Agora, uma coisa é o PAC e outra coisa é a ilusão do PAC.

Oliveira - Uma lista de investimentos é facílima de se fazer. Olhe para as cidades brasileiras. Elas viraram acampamentos! Assentamento do MST é melhor do que a periferia de São Paulo hoje. Está na cara que é preciso investir no sistema de transporte público, em todas as cidades brasileiras. O Ministério das Cidades está aí, mas não disse a que veio. O problema é transformar a lista numa agenda. Isso é crucial.

Giannotti - É crucial, mas outra vez esbarramos nesse véu da ilusão que cobriu o País sob o lulismo. Há uma enorme crença de que estamos caminhando bem e os problemas estão sendo resolvidos. E a crise nos joga diante de uma série de situações que não têm sido tocadas. Ou a crise nos leva a colocar o pé no chão ou viraremos de fato o “país da fantasia”. O país do futuro, no futuro.

Oliveira - Fico muito impressionado com essa euforia, por exemplo, em torno do pré-sal. Estamos eufóricos porque vamos nos tornar uma nova Arábia Saudita? Achamos realmente que a agenda do novo capitalismo vai ser pautado por isso? Me parece que o novo sistema não será pautado por quem tiver mais ferro ou mais petróleo, mas por quem dominar melhor as tecnologias.

Giannotti - Hoje não existe mais uma divisão básica entre ciência e tecnologia. Agora temos a tecnociência, um novo paradigma de uma ciência altamente ligada à tecnologia. Diante disso, precisamos de uma alta integração dos intelectuais, uma integração em rede. Temos no Brasil muitos núcleos importantes, mas sem integração.

Oliveira - O Programa do Genoma é, nesse sentido da integração, muito emblemático. Porque você só pode fazer essa ciência com a tecnologia mais avançada.

AÇÕES AFIRMATIVAS

Giannotti - Muito bem, precisamos fazer a inclusão social via educação no Brasil. É inadiável. Mas, isso implica estabelecer cotas raciais? Não. Uma coisa é pensar nas ações afirmativas que precisamos implementar neste País. Outra coisa é baixar o regime das cotas e achar que o ‘sistema’ se encarrega de resolver as conseqüências disso. Não é verdade. Resolveremos nossos problemas de acordo com nossas tradições. Se nós temos instituições que possam funcionar de maneira republicana, então a idéia de inclusão social tem de ser feita de tal forma que eu não seja obrigado a me identificar como preto, branco, italiano, indígena, etc. Peter Fry (antropólogo inglês radicado no Rio de Janeiro) tem toda a razão: não podemos racializar esse processo de inclusão. O caminho é fazer a inclusão pela educação, mas como isso está diretamente ligado à questão da pobreza, então façamos a partir da pobreza. Claro que há preconceito contra o negro no Brasil! Mas por que eu tenho que ensinar uma criança mulata a dizer “eu sou preta”? Por quê? Para quê? As ONGs no Brasil estão seguindo de tal forma os padrões americanos que tentam repetir aqui os problemas de raça dos EUA, problemas que nós não temos.

Oliveira - O equívoco da transposição do modelo americano começa pela razão demográfica. Não somos um país de minoria negra. Somos um país de maioria negra: entre negros e mulatos, estamos todos. É por isso que a visão republicana se impõe com mais força, Giannotti. Há que se fazer políticas para as maiorias. Fazer para as minorias pode nos levar a um viés perigoso, ou seja, não precisamos ficar medindo a porcentagem de sangue para saber se é negro ou branco. Agora, o problema que você aponta não é só decorrência das faltas de oportunidades de educação, mas também um problema de mercado de trabalho. Com toda essa tecnociência amalgamada pelo capital, o panorama é totalmente outro. A educação formal pode não servir para nada hoje em dia. Você pode contratar mão-de-obra com baixa alfabetização e tudo bem.

Giannotti - Acho o contrário. Você hoje mobiliza mão-de-obra que precisa de educação formal para ser lábil, para ler códigos.

Oliveira - Sim, mas só para ler códigos, sinais...

Giannotti - Isso já implica uma formação sofisticada.

Oliveira - Sofisticada, talvez, mas não significa que seja educação formal.

Giannotti - E vem agora essa estupidez de incluir filosofia e sociologia no currículo do ensino médio. Sou contra. Isso não passa de uma reserva de mercado para o filósofo, para o sociólogo, assim não dá. Às vezes chego a pensar que é preferível que os filósofos não dêem aula, porque a qualidade do que andam produzindo é baixíssima. Poderão até emburrecer os alunos.

LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

Oliveira - Outra bobagem é essa história de rever as leis de trabalho. É um atentado, além de uma bobagem. A melhor ciência humana sabe perfeitamente que o ‘mercado’ é uma instituição. Por isso precisa de regulação. Aliás, esse foi um aspecto bem problemático da gestão tucana, na minha opinião - essa visão de que o mercado é livre, visão que acabou sendo inteiramente assimilada pelo PT... Veja bem, não acredito em regulação de mercado ad aeternum. As regulações são mecanismos tópicos. Agora, é estupidez pensar que, ao desregular o mercado, você cria novas oportunidades, porque não é assim que as coisas se passam, nós sabemos. Na verdade, o que nos falta são melhores mecanismos de inclusão social no sistema regulado. Desregular o mercado de trabalho agora, neste momento de crise, pode ser apropriado do ponto de vista imediato, mas pode causar uma devastação tremenda. Outra coisa: não há mais como falar em mercado de trabalho; temos de falar em mercados de trabalho, no plural.

Giannotti - É aí que eu quero entrar, provavelmente com uma visão mais nuançada do que a sua. Temos hoje uma multiplicidade dos mercados de trabalho. A despeito disso, somos regidos por uma legislação de 1930. Não é de hoje que especialistas em relações do trabalho têm dito que essa legislação apresenta problemas e a regulação precisa ser revista. Acontece que neste momento nós temos uma situação de crise e precisamos atravessá-la com um sistema de regulações atrasado, que tem a ver com um capitalismo que não existe mais. E agora? Não sei se o momento de flexibilizar é agora ou se já não perdemos tempo demais para modernizar a legislação. Concordo que mudar num momento de crise pode causar uma devastação social muito grande. Mas alguma negociação terá de ser feita.

Oliveira - Acho que estou falando algo diferente, Giannotti. Não penso que carecemos de menos regulação, ao contrário. Conheço uma moça, inteligente, bonita, contratada por uma loja de shopping center. Ela trabalha 12 horas por dia num ambiente que não parece trabalho. Dá um duro danado, mas parece diversão. Aliás, esta é uma característica do nosso tempo: o trabalho que não tem cara de trabalho. Então eu me pergunto: o que falta aí? Regulação, e não o contrário. Concordo com você que a nossa legislação trabalhista precisa ser modernizada, mas, dependendo do setor, talvez tenha que se intervir mais. E não menos.

GOVERNANDO O MAGMA

Oliveira - Se a tragédia do PT foi chegar ao poder com sua base social sendo erodida, a tragédia anterior, de Fernando Henrique, foi acreditar na desmontagem do bem-estar social. Fernando Henrique, um social-democrata, não poderia ter feito tal coisa - e eu sempre disse isso. Ele atirou no que viu e acertou no que não viu. Ou seja, mirou na pesada burocratização do Estado brasileiro e acabou derrubando os andaimes que escoravam o sistema do bem-estar social. Sobrou o quê? Sobrou esse magma que estamos vendo aí. Que andaimes ele retirou? Por exemplo, as estatais, que, aceitemos ou não, fizeram o capitalismo brasileiro. Daí veio Lula acreditando que ainda era possível governar com as ferramentas do bem-estar social. Danou-se. Não havia mais as ferramentas. Lula governa o magma.

Giannotti - Esse magma é algo que destrói a identidade, a solidariedade, o espírito republicano. Quando você vive uma modernidade que leva à massificação, na qual o Estado perde seus parâmetros, aí a coisa vira magma mesmo. Ou seja, quando o Estado deixa ir para o brejo uma das mais importantes instituições republicanas, a escola pública, é sinal de que estamos mal.

FUTEBOL E O SISTEMA DE ÍDOLOS

Giannotti - O que dizer dos jovens de baixa renda que tentam escapar para um futuro melhor através do esporte? O que é isso? O que mais me preocupa, quando me deparo com esses jovens sonhando com o estrelato nos campos, nas quadras, é ver como a família se engaja no projeto. É uma coisa esquisita até. Pouco antes da Olimpíada, precisei freqüentar um conhecido departamento de ortopedia para cuidar de um problema de saúde. Então pude travar contato com atletas que estavam machucados e faziam fisioterapia. A ansiedade daqueles jovens diante da possibilidade de não participar das provas e a pressão dos familiares sobre eles era uma coisa tremenda. O que esse ‘sistema de ídolos’ está produzindo neste País é menos um processo de ascensão social e mais um processo de desintegração dos laços sociais - incluindo os familiares, os escolares e mesmo os esportivos. Há inclusive recursos públicos sendo liberados para que o esporte entre nesse jogo destrutivo e desintegrador.

Oliveira - Veja o que acontece no futebol. Já foi uma tremenda expressão da identidade nacional, hoje não é mais. Com essa globalização toda, as diferenças entre as grandes equipes do mundo tornaram-se irrelevantes. A meu ver, hoje o melhor futebol do mundo é o inglês. E não mais o brasileiro ou o espanhol. Por quê? Porque nele corre a grana mais pesada. É isso: futebol virou uma empresa global como qualquer outra.

Giannotti - O que importa ressaltar é que a idéia da educação pelo esporte, aqui no Brasil, tornou-se perigosa. Pode ser socializadora, mas pode ser perversa também, dentro desse sistema de ídolos. O ídolo tem lá seus 15 minutos de celebridade. Mas o que se ganha de dinheiro nesses 15 minutos, hein? É uma coisa absurda. Marx lá trás já dizia: o capitalismo traz civilização e barbárie. Até hoje. O que nos cabe é reconhecer os momentos civilizatórios do capitalismo e nos afastar dos movimentos de barbárie.

CORRUPÇÃO

Giannotti - Como fica o homem público? Ah, virou marchand, num tempo em que a política foi depreciada em favor das negociações diretas. Quando falei, lá atrás, que há na política uma certa zona de amoralidade, onde negociações acontecem, quase me comeram. Mas é justamente nessa zona de indefinição que se cria o novo. Só que, em outros países, se o sujeito cruza a zona de amoralidade e parte para a corrupção, ele é punido. Aqui, não. O Congresso é o exemplo maior disso.

Oliveira - Ignácio Rangel (economista maranhense) já dizia que a corrupção é o condimento do capitalismo. O problema é quando o condimento se transforma no prato principal. Um pouco de corrupção sempre irá acontecer nessa zona cinzenta, pois ela está ali, na interface entre Estado e mercado. E, portanto, sendo estrutural, só pode ser controlada pela ação republicana. Agora, o que vemos hoje nas diferentes esferas de poder é um jogo de cumplicidades, feito para acabar em empate e dentro do qual a denúncia original se perde num buraco negro.

Giannotti- Tudo isso tem muito a ver com a falta de identidade dos partidos políticos. Quando tivemos o primeiro episódio do mensalão, e o PSDB, naquele momento, soava como arauto da moralidade pública, apareceu o caso Eduardo Azeredo (ex-governador de Minas pelo PSDB, acusado de operar esquema fraudulento de financiamento de campanha). A obrigação do PSDB ali era entregar o Azeredo, e não protegê-lo. Foi um erro. Então os dois partidos básicos no confronto político, o PT e o PSDB, acabaram se igualando como partidos mensaleiros. Vale retomar a história de Roma. Enquanto havia a república, controlava-se ou tentava-se controlar a corrupção. Quando veio o império, foi o descalabro total. Estamos talvez entrando numa fase imperial da corrupção brasileira, na qual ela não é sequer questionada. Isso, dentro de um sistema jurídico que prende por quase dois meses uma jovem pichadora de um saguão de exposições vazio, mas solta banqueiros corruptos depois de dois ou três dias.

PERDA
“A sociedade civil nos dias de hoje se tornou uma espécie de massa de manobra”
COTAS
“Não podemos racializar a inclusão.Vamos fazê-la pelo nível de pobreza”
EMPREGO
“Desregular o mercado de trabalho agora pode causar uma devastação”MORALIDADE
“A corrupção, que é estrutural, só pode ser controlada pela ação republicana”


JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, Professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo;
FRANCISCO DE OLIVEIRA, Professor titular do Departamento de Sociologia da USP - acostumados a pensar o Brasil, eles dizem, em encontro realizado no ‘Estado’, que falta alteridade ao governo e, diante da crise, é preciso montar uma agenda e pôr fim à ilusão de que tudo vai bem

O ano-novo do brasileiro

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

A sociedade se afunda em prognósticos otimistas para agüentar os altos e baixos da história

Entre o Natal e o ano-novo, abre-se entre nós um tempo intermediário e ritual, que é o tempo do esquecimento. Isso é próprio da sociedade brasileira e de sua cultura popular. De repente, o pessimismo cotidiano é colocado entre parênteses. Momentaneamente esquecidos, afundamos em otimistas prognósticos sempre que um novo ano se aproxima. Esquecemos que 2008 teve pouco a ver com o feliz 2008 vislumbrado na última semana de 2007. Nosso conformismo ritual nos faz agüentar os altos e baixos da história, o doloroso percurso de uma sociedade construída em cima dos alicerces da escravidão, da injustiça e da vítima, da desigualdade profunda, da miséria e até da fome, recompensados ilusoriamente com o espetáculo da prosperidade de proporcionalmente poucos como se fosse ela a promessa de superação da pobreza de muitos.

Nossa concepção de esperança é a da espera, o que faz com que o ano-novo não tenha, para nós, propriamente a mera duração dos 365 dias. Quando nos perguntam como vemos o novo ano, nosso ano de referência é o do longínquo e milenário fim dos tempos, do paciente adiamento da justiça, da alegria e da fartura.

É nesse horizonte da distância temporal que se pode compreender os problemas do que se propõe no calendário do ano que começa. Alguns temas já se desenham na agenda do próximo ano. A crise econômica, em primeiro lugar. Crise que não se reflete na nossa economia com as mesmas características que tem nos centros dominantes da economia global. Estamos no pólo invertido do sistema econômico e não nos seus centros de decisão e manobras. Nossa economia faz parte do elenco das economias defensivas. Não somos nesse sistema uma economia de decisão. Além do que a crise chegou aqui muito antes, na disseminação dos efeitos antecipados dos desastres da economia de especulação. A pobreza de milhões de brasileiros, a má distribuição de renda, a incrível dificuldade para atenuar e superar graves problemas sociais decorrentes da desigualdade, o impacto negativo da política fiscal extorsiva na classe média, são a parte que nos toca nessa economia confinada no defensivo.

Um segundo tema da agenda será, sem dúvida, a definição do contexto das eleições de 2010, em particular a eleição do presidente da República. O PT chegou ao poder largamente beneficiado pelo descompasso entre o político e o econômico, crônica característica da sociedade brasileira. Luiz Inácio se elegeu quando ainda era apenas o início da conjuntura do esvaziamento das possibilidades de reivindicação salarial e de direitos sociais, que marcaram a sua irresistível ascensão, a do PT e a das centrais sindicais, que no devido tempo tiveram grande poder de pressão e sensibilização. Aquele momento singular, remanescente do chamado “milagre brasileiro” da ditadura, gerara novas lideranças, criara as condições de surgimento de um novo sindicalismo e produzira a figura carismática de Lula. Depois disso, as greves já não produziram os resultados de antes, o temor ao desemprego ocupou nas emoções dos trabalhadores a euforia de um sentimento de poder. Mas Lula e o PT já estavam no poder. Ter emprego passou a ser mais importante do que exigir e reivindicar. O eixo dos valores de referência da cultura operária mudou para um centro conservador e prudente.

A perda dessa referência cultural se manifesta na larga proporção de apoio a Luiz Inácio e seu governo nas pesquisas de opinião das últimas semanas. Essa apreciação favorável, que no Nordeste pode ultrapassar 90% das opiniões, não é propriamente opção eleitoral e política. É antes opinião do cidadão desalentado, que teme a mudança que desejara. Isso aconteceu também no pior e mais repressivo momento da ditadura militar, 70% da população satisfeitos com o regime num conformismo suspeito que acabaria explodindo no crescimento eleitoral do então partido de oposição, o MDB.

A incerteza política em relação aos próximos dois anos tem muito a ver com o fato de que o cenário e a cultura que engendraram Lula e o PT já não existem. Ao mesmo tempo, não está claro ainda qual o cenário novo que emerge da circunstância do desgaste desse cenário histórico. Desgaste agravado pelo amplo recuo do PT e de Lula em relação ao seu ideário de origem, pela pobreza das reformas anunciadas, os filhos do misticismo social dos anos 70 e 80 aparentemente conformados com o esvaziamento e a anulação de suas bandeiras. Um novo cenário político está nascendo e não é um cenário de confrontos e radicalizações. É um cenário brando que chamará ao mandato quem tiver clareza quanto à carência de reforma nas reformas pós-ditatoriais.

Nesse novo cenário, os para Lula decisivos movimentos sociais chegam esvaziados, convertidos em instituições subsidiárias do poder e do Estado, agentes de um novo peleguismo na mediação entre as demandas sociais e o governo e na teatral oposição à política social do governo. Se a luta pela terra teve uma função decisiva na criação de uma emoção política culpada na classe média e nas elites, tudo parece indicar que no novo cenário a questão urbana, a urbanização patológica, o desemprego e o subemprego e a qualidade de vida serão os fatores do desenho do novo cenário político em que se moverão partidos e candidatos.

No entanto, nossa concepção do tempo social e histórico tende a ser diversa da que preside a reação das sociedades prósperas às adversidades econômicas e às questões sociais. Lá, o tempo das decisões políticas está muito colado no cotidiano e seu ritmo peculiar. Aqui, o tempo histórico que preside nossas decisões individuais e coletivas ainda é predominantemente o tempo do nosso milenarismo. Nele, o futuro é concebido na perspectiva de um passado mítico, que torna as nossas mais renovadoras esperanças meras revisões nostálgicas e conservadoras do presente. Por isso, nossa esperança é uma espera. Suportamos as adversidades protelando a mudança e a decisão de mudar. Porque é o que está lá atrás que nos move e não o possível do atual aberto para o futuro.

*José de Souza Martins é professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros títulos, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Serra é favorito para 2010, mostra Ibope

Carlos Marchi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é insuficiente, até aqui, para garantir a eleição, em 2010, de um sucessor que seja de seu partido. Pesquisa fechada nesta semana pelo Ibope, a que o Estado teve acesso exclusivo, revela que o governador José Serra (PSDB), de São Paulo, lidera em todos os cenários.

“O grande enigma de agora até 2010 é saber se Lula conseguirá transferir o apoio que hoje tem para seu candidato”, afirma Márcia Cavallari, diretora do Ibope. Dilma Roussef (PT), a preferida do presidente, não chega a alcançar 10% do eleitorado nos diferentes cenários da pesquisa.

Numa simulação contra Dilma, Ciro Gomes (PSB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT), Serra teve 42%, mais do que a soma dos adversários. Num cenário hipotético com enfrentamento entre Serra e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o paulista ficou com 37%, seguido por Ciro, com 13%, em empate técnico com o mineiro (11%) e com Heloísa (10%). Aécio, como Serra, é do PSDB, mas há especulações sobre a possibilidade de ele disputar a Presidência pelo PMDB.

No cenário em que enfrentou todos os atuais presidenciáveis, inclusive Aécio, Serra teve larga vantagem na Região Sul, com 46%, e desempenho equilibrado nas outras regiões - 37% no Norte/Centro-Oeste, 35% no Sudeste e 34% em no Nordeste.

No cenário sem o governador mineiro, Serra alcançou 50% no Sul, 43% no Norte/Centro-Oeste, 42% no Sudeste e 37% no Nordeste.

Contrato de risco

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O tema mais importante da agenda política de 2009 passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na última terça-feira: o fim da reeleição com mandatos de cincos anos para presidente, governadores e prefeitos.

O assunto foi em andamento exatamente de acordo com o roteiro estipulado nas tratativas entre o governador José Serra e o presidente Luiz Inácio da Silva a respeito, logo após as eleições municipais.

Em fevereiro, institui-se a comissão especial e começa a tramitar questão que dirá se o Brasil é um país de normas tão firmes na política quanto na economia ou se vai continuar fazendo delas um periódico a serviço dos interesses de ocasião.

Lula está a cavaleiro na discussão, assim como o PT, que foi contra a inclusão da chance de disputa de um segundo mandato consecutivo na Constituição. Serra, pré-candidato do partido inventor do instrumento, foge do desconforto alegando que pessoalmente sempre esteve do lado oposto ao defendido pelo PSDB há pouco mais de dez anos.

Além disso, escora-se no argumento segundo o qual a reeleição “não deu certo”. Não cita uma evidência, não mostra uma prova, desconversa quando lembrado sobre a opinião geral (registrada nas pesquisas) em contrário e diz que, podendo ser reeleito, o governante atua de olho na eleição seguinte.

Um sofisma, evidentemente. Todo ser que vive de votos atua constantemente de olho na próxima eleição, sua ou de um substituto. O mundo político funciona na base das pressões do grupo. Se o titular do cargo não se empenha em causa própria, não escapa de se empenhar pela causa do partido, qual seja a conquista ou a permanência no poder.

Portanto, a reeleição não vai alterar o quadro porque não é o fator determinante. Assim como não é a reeleição a responsável pelo uso desbragado da máquina administrativa, prática disseminada desde muito antes de 1996, convenhamos.

O governante que descuidar do governo para se fixar em campanha permanente e que usar o patrimônio público em proveito particular o fará de qualquer modo. E deixará de fazê-lo também de toda maneira, dependendo da qualidade de suas convicções.

A mudança das regras não altera os comportamentos, já demonstrava Roberto Campos numa frase inesquecível de merecida citação recorrente: “Não é a lei que precisa ser forte é a carne que não pode ser fraca.”

O governador José Serra e todos os outros patrocinadores e defensores do fim da reeleição têm todo o direito de tentar fazer valer suas certezas e conveniências. Só não podem é querer que as pessoas embarquem em argumentos falaciosos e aceitem casuísmos sem dizer que são casuísmos.

No caso, muitíssimo arriscado. Da forma como é apresentado até parece inocente, sem maiores desdobramentos. A realidade, contudo, não se apresenta tão risonha e franca. Implica riscos e gera conseqüências.

O acerto entre governo e oposição para o fim da reeleição e extensão dos mandatos de quatro para cinco anos não prevê, é óbvio, nada sobre a possibilidade de uma terceira eleição consecutiva. Ao contrário.

Nas conversas sobre o assunto até já se chegou a cogitar da prorrogação do mandato de Lula por um ano, mas a hipótese de ele poder se candidatar em 2010 não entra na história.

O problema é que essas coisas não se controlam. O simples fato de a proposta ter sido aprovada na CCJ da Câmara já ensejou a volta do debate sobre terceiro mandato e a realização de plebiscito a respeito.

Na reunião da Comissão de Constituição e Justiça que aprovou o fim da reeleição os deputados governistas tentaram deixar uma brecha aberta. Eles propuseram simplesmente excluir da Constituição qualquer referência à reeleição. A oposição fez questão de deixar explícita a impossibilidade de mandatos consecutivos.

Por quê? Porque o que a lei não proíbe, permite. Se não houver restrição expressa, o PT poderia argumentar que uma vez mudada a regra, o jogo está zerado e, portanto, Lula teria plenas condições de disputar uma eleição pelas novas regras do jogo.

No mesmo dia da aprovação da emenda na CCJ, parlamentares da situação avisaram que na comissão especial vão apresentar propostas de realização do plebiscito e de abertura do caminho para um terceiro mandato para chefes de Poderes Executivos.

Além disso, haverá a mexida no mandato por duas vias: a mudança de quatro para cinco anos e a alteração da data da posse do eleito. Ora, uma vez aberta a discussão, tudo pode acontecer. Inclusive nada, é verdade.

Mas é importante a oposição em geral e o governador José Serra em particular não menosprezarem o adversário, imaginando que ele se manterá exclusivamente dentro dos parâmetros previamente estabelecidos.

O pouco caso ou o excesso de confiança poderá lhes custar o sonho da retomada do poder. E não apenas pela possibilidade de serem derrotados por um “Lula outra vez”, mas pela eventualidade de o eleitorado considerar indigno de confiança um partido que despreza princípios e privilegia suas conveniências eleitorais.

Pressões políticas

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A decisão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de tomar a iniciativa de indicar que o Copom deve mesmo começar a reduzir as taxas de juros na primeira reunião de janeiro do próximo ano - conforme está implícito na ata da última reunião - tem um claro componente político, que reforça a tese de que a autonomia operacional do Banco Central tem que ser disputada permanentemente no interior do governo. Está claro que Meirelles se antecipou para que a próxima decisão do Banco Central não pareça uma derrota política, assim como é possível que a decisão de manter os juros na última reunião do ano, mesmo que alguns de seus membros já vislumbrassem espaço para uma redução, tenha tido, além de componentes técnicos, claros tons políticos.

Também a maneira direta com que a ata do Copom se referiu à possibilidade de corte dos juros, embora a inflação, mesmo perdendo força, continue acima do centro da meta, indicaria, segundo analistas, que o Banco Central começa a ficar mais preocupado com a possibilidade de uma recessão na economia do que com o perigo da inflação.

Não parece provável, no entanto, que o Banco Central decida não levar em conta o centro da meta de inflação, sendo mais indulgente com a taxa. O mais provável é que seus diretores tenham se convencido de que a crise mundial é tão grave que fará a inflação cair mesmo com o dólar valorizado e com as medidas do governo para estimular o consumo.

A autonomia operacional do Banco Central já existe há quinze anos, com uma interrupção na crise da desvalorização do real, em 1999. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci chegou a cogitar oficializá-la, coisa que nem o tucano Fernando Henrique Cardoso teve força política para fazer, embora tenha dado toda a liberdade para os presidentes do Banco Central em suas gestões.

Aliás, nessa questão o presidente Lula, a bem da verdade, é mais ortodoxo do que seria hoje o ex-presidente Fernando Henrique - que já disse que não oficializaria a autonomia para não perder o controle sobre as políticas do Banco Central - e muito mais do que o governador de São Paulo José Serra que, se chegar à Presidência da República, quase certamente não terá um Banco Central tão independente quanto ultimamente.

Em recente entrevista, Serra disse que a autonomia do Banco Central não pode fazer com que ele se descole do resto do país. "Porque, afinal de contas, não podemos ter um outro poder independente, os poderes são o Executivo, o Judiciário, junto com o Ministério Público, e o Legislativo. Tudo mais são poderes subordinados, você não tenha a menor dúvida disso".

Para ele, o BC deve "responder à sociedade e ao governo pelas suas políticas, que não são só de inflação, são também de emprego e atividade econômica".

O episódio da desvalorização do real, em 1999, marcou profundamente o ex-presidente Fernando Henrique, que já admitiu em entrevista ter tentado convencer o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, a acelerar a desvalorização, mas não ter conseguido.

Teve que substituí-lo por Chico Lopes para mudar a política cambial, e hoje pergunta: "Já pensou se ele tivesse mandato?".

Seja como for, o presidente Lula não impede que seus aliados pressionem permanentemente o Banco Central, e tentem criar constrangimentos para as decisões do Copom, o que faz parte de um jogo político de pressão e contrapressão que já se tornou um componente de nosso sistema de autonomia.

De qualquer maneira, dando uma entrevista onde deixou claro que a partir de janeiro os juros cairão, o presidente do Banco Central se antecipou às pressões e protegeu seus diretores, que haviam ensaiado um pedido de demissão conjunta, diante das pressões para baixar os juros.

A questão da autonomia do Banco Central se tornou polêmica com o acirramento da crise econômica, depois que o todo-poderoso e endeusado Alain Greenspan, presidente do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, reconheceu que errara ao imaginar que o mercado se auto-regularia.

Nos Estados Unidos, o presidente do Fed é indicado pelo presidente da República, tem um mandato, e presta contas regularmente ao Congresso, que é a instituição encarregada de aprovar sua indicação.

O mercado agora vai começar a disputar quem acerta de quanto será o corte nos juros, e já há os que, como o banco Morgan Stanley, prevejam um crescimento zero da economia brasileira no próximo ano, mas com um corte nos juros de 2 pontos percentuais ao longo de 2009, em doses de 0,5 pontos a começar em janeiro.

Recente relatório do banco reduzindo de 3% para zero a previsão do crescimento do PIB em 2009, lembra que, embora drástica, essa redução do crescimento tem precedentes na economia brasileira.

A economia tem crescido a uma média de 6,3% nos últimos quatro trimestres, até o terceiro trimestre deste ano, e a queda começará, segundo a previsão do banco de investimentos, neste quarto trimestre, reduzindo o crescimento deste ano e reduzindo a zero o crescimento do próximo.

O estudo lembra a situação do início de 1995, quando a crise do México levou a uma queda maior ainda. Naquela ocasião, com a implantação do Plano Real, a economia brasileira crescia com força, tendo alcançado uma média de 8,5%, com a taxa de crescimento industrial atingindo 16% em janeiro, na posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente. Mas a crise do México derrubou o PIB, que foi se recuperar durante o ano.

Apenas uma coisa pode inviabilizar o corte de juros preparado para janeiro de 2009: uma eventual decisão do governo de reduzir o superávit primário, medida que está sendo cogitada em alguns setores do governo.

A insustentável tese da vitória oposicionista

Fabiano Santos
Cientista Político, Professor do IUPERJ/UCAM e presidente da ABCP
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Dois pontos muito simples emergem do exame desapaixonado do último pleito municipal no Brasil: em primeiro lugar, é um erro afirmar que a oposição ao governo Lula teria saído fortalecida das eleições; em segundo, se é possível fazer alguma projeção para 2010, com base no que ocorreu em 2008, esta deve incidir sobre a capacidade dos dois maiores parceiros da coalizão majoritária, PT e PMDB, alcançarem uma solução de compromisso e cooperação para a próxima eleição presidencial, face ao fato de que disputam, palmo a palmo e de maneira silenciosa, a hegemonia eleitoral no interior do país.

De início, vale notar que os partidos que compõem a base de sustentação parlamentar do governo – PT, PMDB e cia – juntos conquistaram em torno de 68% das prefeituras, nada menos do que 77% das capitais e 64% dos votos em primeiro turno. Os da oposição – PSDB, DEM, PPS e PV – alcançaram juntos em torno de 26% do total de prefeituras, 13% das capitais, tendo obtido 29% dos votos em primeiro turno.

Mas quem sabe o quadro não seria diverso quando se observa o que ocorreu ao longo do tempo, ou seja, após diferentes eleições municipais, observação, aí sim, que indicaria uma tendência de decadência/ascensão dos partidos governistas/oposicionistas? De novo, contudo, as notícias não são boas para a seara oposicionista. PSDB e DEM controlavam em 2000, respectivamente, algo em torno de 16% e 18% do total de prefeituras. Estes percentuais caem para 15% e 14% em 2004 e agora encontram-se em 14% para os tucanos e 9% para os democratas. O que temos então é uma trajetória de queda constante. Dos dois parceiros menores, PPS e PV, tirante o fato de que estamos lidando com números que beiram a irrelevância política, pode-se dizer que o primeiro oscila, mas com queda acentuada em 2008, e o segundo amplia constantemente sua presença no cenário municipal.

Pelo lado governista, as trajetórias dignas de registro são principalmente duas. Em primeiro lugar, o contínuo crescimento do PT, que parte de um patamar de 3%, atinge 7% em 2004, e em 2008 conquista 10% das prefeituras brasileiras; e, em segundo, a recuperação impressionante do PMDB, que cai de 2000 para 2004 algo em torno de 8 pontos percentuais (de 25% para 17% das prefeituras), para ultrapassar novamente em 2008 o patamar dos 20% de municípios nos quais é vitorioso.

A visão mais geral, portanto, é que também do ponto de vista temporal não há como concluir pela vitória do campo oposicionista. PSDB e DEM sofrem declínio ininterrupto desde 2000. O PT, ao contrário, continua sua trajetória de crescimento e o PMDB apresenta recuperação significativa. De onde viria então tanto otimismo da parte da oposição e analistas da imprensa alinhados com a oposição a Lula?

A esperança da oposição reside não tanto naquilo que se conquistou, mas sim nas possíveis desavenças na própria base governista, sobretudo os focos de conflito entre os principais, pelo menos em termos de tamanho relativo, parceiros da coalizão, o PT e o PMDB. Mais uma vez, o exame do que se passa no âmbito local da política eleitoral brasileira é capaz de revelar o que está de fato em jogo para o pleito de 2010. O PT e o PMDB não são apenas parceiros de uma coalizão potencialmente frágeis. São também competidores pelo predomínio na política local brasileira, sobretudo nas regiões mais desfavorecidas e em municípios que, não sendo capitais, possuem, não obstante, mais de 200 mil habitantes. A hegemonia peemedebista no âmbito local tem sido ameaçada pelo PT e as políticas redistributivas do governo Lula, sendo um pacto de convivência e cooperação entre estes dois partidos, pacto através do qual o prêmio maior, que é a eleição nacional, seja preservada da disputa surda pelo predomínio local, condição e chave para a salvaguarda do equilíbrio que tem mantido a centro-esquerda no governo brasileiro desde 2003.

Vaga-lumes ou faróis?

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Passados alguns trimestres ou anos magros, voltaremos ao alegre carrossel da irresponsabilidade financeira?

EMBORA OS poderosos divirjam muito em temas políticos como o Iraque, o Irã, o Afeganistão ou o conflito da Geórgia, é notável o grau de convergência de todos quando se trata de combater a crise econômica. É uma das diferenças com a Depressão dos anos 30, era do nazi-fascismo e do estalinismo, da guerra comercial, da atitude definida pelos versos do Coronel Tamarindo, de "Os Sertões": "É tempo de murici/cada qual cuide de si". No debate para marcar o aniversário da revista "Política Externa", publicada pela editora Paz e Terra, foi o embaixador Gelson Fonseca quem fez essa observação, reveladora da capacidade que tem o analista dotado de intuição crítica de enxergar além da superfície do que ocorre ao nosso redor.

Braudel comparava os acontecimentos aos vaga-lumes: brilham, mas não iluminam o caminho.

Sua luz é fraca, não nos ajudam a distinguir a duração longa, os ciclos seculares. Em horas como as atuais é o que dificulta perceber se a tremenda intensidade dos eventos significa que as coisas mudaram para sempre. Passados alguns trimestres ou anos magros, voltaremos ao alegre carrossel da irresponsabilidade financeira, como após o estouro da bolha de telecomunicações, em 2001, ou o escândalo da Enron, em 2002? Ou a mudança será irreversível, como sucedeu em segurança, por efeito dos atentados de setembro de 2001? Vamos regressar à normalidade ou não existe mais normalidade, como José querendo voltar para Minas, porém "Minas não há mais"?

É o mesmo caso do declínio da hegemonia dos EUA. Os sintomas são reais; a enfermidade, contudo, não se sabe se tem cura ou não. Veja-se o exemplo da ausência de Washington da "mãe de todas as cúpulas", a de Sauípe, nada menos do que quatro em uma só. Os americanos foram excluídos ou se auto-excluíram após anos e anos de olhar a América Latina apenas sob o prisma da imigração clandestina, do narcotráfico e dos leoninos acordos falsamente chamados de "livre comércio"? Em aparência não foram convidados nem pediram para sê-lo. Mereceriam, no entanto, estar presentes? Teriam algum interesse real, algo a dizer? O problema da diplomacia da "negligência benigna" praticada pelos EUA para com a América Latina é que o jogo pode ser invertido. O principal resultado de Sauípe foi o retorno consagrador de Cuba. Se esse fato político é visto como derrota dos EUA, eles só têm a si mesmos para se culparem.

Ofereceram de bandeja vitória fácil aos adversários ao se aferrarem a uma política anacrônica, que perdeu há décadas toda a razão de ser.

O poeta-diplomata Carlos Felipe Saldanha tem um texto sobre o mágico que se amarrou tanto e tão bem em correntes de ferro que está até hoje tentando se desvencilhar no fundo do mar.

Essa é a impressão que dão os EUA: são tantos os nós atados pelos lobbies de Wall Street, cubanos da Flórida, pró-Israel ou Taiwan que o país não logra desemaranhar a corrente do poder e retomar a iniciativa. Será que Obama vai desatar os nós ou se resignará à paralisia diante dos lobbies anti-Protocolo de Kyoto, contra a regulação financeira, políticos e de outra natureza, tornando o declínio irreversível? A resposta, como sempre lapidar, está em Vieira no fecho do ano do quarto centenário de seu nascimento: "Do presente sabemos muito pouco; do passado, ainda menos, e, do futuro, nada".

RUBENS RICUPERO , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

O sapato como mensagem

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Este surpreendente ano de 2008 encerra-se de forma ainda mais inusitada. Talvez venha a ser considerado no futuro como o Ano da Verdade se as revelações e desvendamentos prosseguirem com a mesma intensidade em todas as direções. Caíram por terra as promessas, ilusões, quimeras políticas, filosóficas e religiosas. Está ruindo o imbatível e infalível Sr. Mercado cuja sabedoria e engenho eram vendidos há 200 anos como panacéia para todos os males. A natureza humana, artífice de tantas falcatruas, mostrou cabalmente o quanto é mesquinha e até que ponto está corrompida.

No sacolejo global, na vizinhança da antiga Babilônia - lá mesmo onde os homens pretendiam construir a imensa torre para chegar aos céus e impor-se ao Todo-Poderoso - chega uma parábola rude e simples. Como todas. Um jornalista revoltado arvora-se em porta-voz do mundo e resolve castigar aquele que considera como culpado pelas maldições que afligem o seu país.

Ao contrário de tantos correligionários, não pretende imolar-se nem derramar uma gota de sangue. Quer mostrar a sua repulsa e escolhe a mais imunda extensão do corpo, aquela que pisa o chão e convive diretamente com a sujeira: o sapato.

O repórter iraquiano Muntazer al-Zaidi tinha à disposição a imagem, o som, o papel e a palavra. Abriu mão do jornalismo, da imprensa, do manual da redação e dos códigos de conduta para inventar o sapato como veículo de comunicação. Louvado seja: lá onde os homens-bomba proclamam diariamente o seu horror à vida, al Zaidi, fez do calçado uma ação afirmativa.

O presidente Lula, preferiu a chacota, falou em chulé no meio de uma reunião de chefes de Estado sul-americanos e caribenhos, não percebeu o sentido e o alcance da inovação introduzida por al-Zaidi. Marshall McLuahn, o grande teórico da comunicação moderna, não contava com essa: o sapato é o meio e a mensagem.

Estadistas não devem mais temer atentados terroristas, porém não há equipamento confiável nem guarda-costas capazes de evitar que um sapato - ou tênis, sandália, chinelo, bota, com sola de borracha ou salto 12 - seja jogado nas fuças de um presidente mentiroso ou cínico.

Raul Castro, com o seu ar de general de pijama, candidata-se a alvo da segunda sapatada: a proposta feita em Brasília para a troca dos "dissidentes" presos em seu país pelos cinco espiões ("heróis", segundo ele) presos nos EUA, é indecente. Os dissidentes cubanos são na verdade ativistas de direitos humanos, não pretendiam tomar o poder, não pretendiam sair do país, queriam melhorá-lo, lutavam pela liberdade. A mesma, aliás, pela qual lutaram os dissidentes de 1958 - os irmãos Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e tantos outros.

Sapatada merece o presidente do Senado, Garibaldi Alves, como castigo pela espúria manobra de aprovar de madrugada a emenda constitucional que cria mais 7.343 vagas de vereadores sob o pretexto de aumentar a representatividade do cidadão. Em plena crise mundial, diante da real ameaça de uma brutal recessão, quando cada tostão deve ser investido em crescimento, o chefe do Poder Legislativo não tem pudor em assumir o seu incontrolável e entranhado coronelismo. Com estas credenciais pretende driblar a constituição e candidatar-se novamente à presidência da Câmara Alta.

Candidato a receber um protesto modelo al-Zaidi é o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, homem-enguia que escapole de todas as crises e emergências em seu Estado. As fotos de Divinópolis publicadas sexta passada mostram um rio caudaloso, ondas revoltas, dilúvio bíblico: 41 municípios em estado de emergência, 12 mortos, 23 mil desabrigados, 13 mil casas danificadas e o homem não aparece, mesmo encarapitado num helicóptero. Não é com ele, nunca é com ele.

A fila é grande, depois de Bush al-Zaidi necessitaria de um formidável estoque de sapatos para veicular sua indignação. O sapato como veículo de comunicação pode apressar o fim do jornal impresso, pode ser mais instantâneo do que a internet, mais eficaz do que comícios. Estamos diante de um momento mágico em que o ser humano redescobriu o poder de dizer o essencial.

» Alberto Dines é jornalista