sábado, 27 de dezembro de 2008

As duas faces da crise

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ano que ora se encerra parece destinado a ser avaliado a partir do espectro da crise.

A tendência analítica prevalecente destaca a crise financeira que assola o mundo como dotada de gravidade e profundidade suficientes para ameaçar o pouco que havia de otimismo e sugerir que ingressamos numa fase em que o capitalismo está novamente desafiado a reiterar sua autoproclamada racionalidade. Reconhece-se, aqui, a natureza eminentemente incerta e “imprevisível” do sistema capitalista, que a cada ciclo parece maximizar os elementos de risco e anarquia inerentes à sua estrutura de produção.

Esse viés dominante embute um outro. É que, sendo a crise de “proporções históricas”, ela não só criaria dificuldades para a reprodução organizada da vida, como também abriria oportunidades para a inovação, a revisão de convicções e a reprogramação do futuro. Afinal, todo processo carrega consigo problemas e soluções, falências e novas oportunidades. Não só de dor e sofrimento é feita a história.

Mas crises são crises e nem sempre a criatividade que as acompanha se mostra de imediato, automáticamente. Crises só são espaços de invenção quando encontram circunstâncias particularmente favoráveis, que agregam pessoas e despertam vontades desativadas, pondo-as em movimento. Requerem também atores qualificados para traduzir e potencializar tais circunstâncias, de modo a extrair o máximo delas.

Neste ponto, ingressamos num território confuso e controvertido, pois é consensual que vivemos num tempo refratário a mobilizações coletivas e à emergência de lideranças políticas maiúsculas.

Além do mais, a própria explicação da crise divide as pessoas em múltiplos campos, que não se reduzem à dicotomia otimismo x pessimismo, embora estejam atravessados por ela. Enfatizar o lado mais sombrio da crise tanto pode expressar um prudente brado de alerta contra os que banalizam e minimizam seus desdobramentos quanto ter um efeito paralisante, que bloqueia o encontro de saídas e adaptações. Efeitos paralisantes deste tipo não conhecem ideologias; podem ser de esquerda ou de direita, quer dizer, podem explorar de modo invertido um arcabouço ideológico inspirado na idéia de que somente seria possível conceber um mundo “sem crises” se se vivesse num outro mundo, inteiramente diferente do atual - um novo mundo, que viria na esteira ou de uma “revolução em nome da ordem”, pela direita, ou da completa subversão da ordem existente, pela esquerda.

A ênfase no lado sombrio da crise também pode ocultar estratégias de intimidação, com as quais se proporiam soluções autoritárias ou providenciais, na linha de que situações difíceis exigem soluções amargas e “chefes” especialmente dotados.

Já os que se dizem tranqüilos e “confiantes” diante da crise não são necessariamente sinceros.

Alguns talvez desejem contrariar a rational choice e incentivar as pessoas a não cederem diante das dificuldades para não aumentá-las ainda mais. Outros podem manifestar confiança na capacidade que teria o sistema de se auto-regular ou simplesmente revelar algum tipo de cegueira diante da realidade, um tipo de antolho ideológico ou alienação. Tanto podem mobilizar energias coletivas adormecidas quanto impulsionar taras conservadoras. Podem servir para que se cristalizem fés fanáticas no sistema ou para que se recuperem velhas utopias, como a do mercado auto-regulável ou do Estado todo-poderoso.

Entre uns e outros se inserem os realistas autênticos, que trabalham para que as circunstâncias existentes se traduzam numa teoria da ação que faça história e produza transformações em cadeia, isto é, dispostas progressivamente num círculo espaço-temporal concatenado, em que cada alteração, cada reforma, cada medida positiva seja a plataforma para novas medidas ainda mais profundas e contundentes. Momentos como o atual preparam o palco para que políticos e intelectuais realistas exibam seu estoque de recursos, mostrem-se à altura, equacionem os problemas na medida mesma da gravidade deles. É em momentos assim que surgem os estadistas, os grandes políticos, aqueles que dialogam com as massas, mas não se negam a contestá-las, que não são paternalistas, mas generosos e ousados. É neles que os intelectuais se deixam agitar pela urgência cívica, põem-se uma agenda teórica aberta e elaboram novos paradigmas.

À primeira vista, os dias atuais não parecem reunir condições para que se generalizem tais posturas realistas. A reorganização hipercapitalista a que o mundo está sendo submetido carrega no ventre um cenário embaçado e preocupante, simbolizado pela corrosão dos talentos políticos e intelectuais, pela desmontagem dos arranjos coletivos com que se protegiam as sociedades, pelo esvaziamento das instituições e pela subversão dos circuitos espaço-temporais que forneciam parâmetros para a vida.

Devemos, porém, pensar o tema com os olhos para a frente. Se é verdade que o capitalismo turbinado das últimas décadas tem sido devorador da sociedade - estilhaçando a vida coletiva e roubando protagonismo dos grupos em benefício dos mercados -, também é verdade que ele manteve ativa a dimensão estrutural e subjetiva do conflito, da contradição, da luta pela vida. A sociedade não morreu, somente foi redefinida. A política não desapareceu, somente foi desorganizada e posta num plano mais técnico que ético, que não emociona nem inspira confiança.

Por sua gravidade e contundência, a crise pode forçar a que certas coisas voltem ao devido lugar. Há indícios de que algo novo começa a surgir nessa direção. E não deixa de ser uma excelente promessa de fim de ano nos comprometermos todos, cada um a seu modo, a brigar para que 2009 escape da mesmice, das fórmulas conhecidas, das frases feitas, do fanatismo ideológico e das posturas servis de conveniência.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

A mazela dos poderes brasileiros

Entrevista Fabiano Santos
Raphael Bruno
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Presidente da Associação Brasileira de Ciência Política critica falta de capacidade do Legislativo e dispara: discussão sobre reforma política é ultrapassada e não resolve problemas

Nesta entrevista ao JB, o cientista político Fabiano Santos, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), revela temer que o ano de 2009 seja marcado por uma antecipação da sucessão presidencial em plena crise econômica. O professor do Iuperj critica a proposta de reforma política que o governo promete tentar aprovar nos primeiros meses do ano e avalia que apenas mudar o rito de tramitação das Medidas Provisórias não será suficiente para equilibrar a relação entre Executivo e Legislativo. Para Santos, o Legislativo tem que ser mais "pró-ativo" na elaboração da agenda nacional, principalmente no que diz respeito à execução do orçamento.

Que avaliação o senhor faz da crise institucional entre Executivo e Legislativo no final do ano, a partir da questão da devolução da MP das entidades filantrópicas no Senado?

Esse desequilíbrio de forças entre os dois poderes já ocorre há alguns anos e reflete a necessidade de se alterar a forma pela qual as Medidas Provisórias tramitam no Congresso, algo que os próprios parlamentares sentiram necessidade de rever.

E adianta apenas mudar a tramitação das MPs? O Executivo não exerce poder sobre o Legislativo por meio de outros mecanismos que continuam intactos, como o controle sobre a execução do orçamento?

As MPs são apenas parte de um problema muito mais profundo. O orçamento e o contingenciamento de recursos são outra. O Executivo manobra o legislativo de diversas formas, como com o controle sobre a nomeação de cargos e liberação de emendas parlamentares. Particularmente não sou favorável ao orçamento impositivo. Os recursos da União já são muito engessados pelas transferências constitucionais obrigatórias. O Executivo não tem tanta margem de manobra assim. Uma forma de aperfeiçoar o sistema seria tornar o processo de contigenciamento mais transparente e aberto. Poderia se criar para isso algo parecido com um conselho, que envolvesse os parlamentares, inclusive os da oposição, nas decisões sobre o contingenciamento de verbas.

Este fenômeno de proeminência do Executivo sobre o Legislativo não é só brasileiro, ocorre em maior ou menor medida em todo o mundo. O que há de particularidade no caso brasileiro?

Não há uma grande discrepância do caso brasileiro. Há diferenças: onde e em que circunstâncias o Executivo pode intervir, quais os instrumentos etc. No Brasil, há muitos instrumentos constitucionais e regimentais. O Legislativo brasileiro é muito forte, muito atuante. A negociação tem que fazer parte do processo político. O Executivo no Brasil não pode agir unilateralmente. O que não existe no caso brasileiro é a capacidade do Legislativo de se tornar pró-ativo, iniciador de matérias e agendas. Isso não é tão comum assim em democracias como a americana, onde percebemos, mesmo quando há um partido no Executivo e outro de oposição, controlando o Congresso, um Legislativo capaz de definir agendas, prioridades orçamentárias, política externa. A questão é saber até que ponto o caso americano é exceção. Temos uma expectativa de como o Legislativo deve ser, mas a realidade é que o caso brasileiro está bem mais na média mundial do que podemos imaginar, aproximando-se de algumas experiências parlamentaristas européias, onde há compartilhamento de poder entre os diversos partidos que compõem os ministérios. Os partidos representados no Legislativo têm a iniciativa e são donos do jogo político, mas por meio do Executivo.

E que tipo de implicação essa relação pode ter na qualidade de nossa democracia?

Podemos aperfeiçoar os mecanismos que tornem o Congresso mais pró-ativo no processo político. Afinal, pode ser que um presidente decida governar com minoria. Ao presidente eleito cabe a decisão de como compor seu ministério. Ele pode querer compor apenas com seu partido, ou apenas com os partidos que fizeram parte de sua coalizão eleitoral, o que provavelmente o deixaria sem maioria no Legislativo. O ideal, neste caso, é que o Congresso, mesmo sendo oposição, tivesse a capacidade de definir sua própria agenda.

E como o senhor avalia o processo que muitos chamam de "judicialização" da política?

Percebo que há um grande aprendizado nessa questão. Se, por um lado, já temos toda uma experiência no jogo entre Executivo e Legislativo, a entrada mais forte do Judiciário é algo mais recente, advindo da Constituição de 1988, que definiu esse papel para o Supremo Tribunal Federal. Uma das funções deste aprendizado institucional é aperfeiçoar o sistema. Há algumas controvérsias importantes em relação a qual seria o papel do Judiciário nessa história. De fato, o Judiciário é um ator político. Os juízes nomeados o são pelo Executivo e têm suas inclinações; e, de fato, o Judiciário acaba decidindo sobre questões políticas importantes, com impactos políticos e econômicos importantes. O que precisa ser estabelecido, e isso ocorre entre Executivo e Legislativo, são os limites entre o que pode e o que não pode, em quais circunstâncias o Judiciário pode agir dessa forma.

Isso hoje não está claro?

Não. Hoje os ministros do Supremo entendem que podem estabelecer que uma consulta sobre algum tema seja importante, por meio de um estímulo a um partido ou ator político. Isso é lançado na imprensa, o partido faz o jogo, mas a posição do ministro já estava tomada. Neste ponto há confusão, sobreposição e extrapolação razoável no jogo entre os poderes. Temos que decidir se isso é aperfeiçoar a democracia ou não. Em alguns casos recentes, isso foi claro. A iniciativa de se regulamentar uma eleição, algo com impacto político relevante, foi de ministros do Supremo e não acho que isso seja o papel do tribunal.

Um dos instrumentos apontados como necessários para aperfeiçoar a institucionalidade brasileira é a reforma política, que o governo promete retomar nos primeiros meses de 2009. Como o senhor avalia as possibilidades da reforma vingar desta vez?

A ênfase da reforma é problemática. Por exemplo, discutimos questões de redistribuição de poderes, mas elas não estão contempladas na reforma, que é herdeira de uma discussão lá da década de 1990, como se os problemas do Brasil fossem problemas de governabilidade, de sistema eleitoral. Não há uma alteração possível no sistema eleitoral capaz de produzir os efeitos desejados. A ênfase deve ser o processo decisório e a distribuição de poder e não o sistema eleitoral, que, segundo minha avaliação, vai muito bem, obrigado. Outro problema é a expectativa de aprovação. Não houve mudança no cenário que me leve a pensar que a probabilidade de aprovar a reforma agora vai ser maior do que em outras tentativas.

Essa mudança não poderia ser um envolvimento maior do Executivo em sua aprovação?

O presidente tem dificuldade de se envolver diretamente porque a reforma contraria aliados importantes. Em tese, ele pode ser a favor. Mas intervir e forçar uma aprovação não seria prudente, para não afetar a relação com parceiros. Não é uma agenda decisiva para o governo, não é algo que o caracterize, com conteúdo econômico forte, que aloque recursos, regulamente setores econômicos. É uma matéria mais doutrinária, baseada em análises sobre desempenho de sistema político.

Um dos problemas parece ser a forma como o calendário eleitoral toma conta da agenda política. O senhor teme que, em 2009, haja antecipação da sucessão presidencial, o ano se transforme em pré-campanha e não seja dada devida atenção aos problemas do país?

Temo até que já esteja havendo isso. Uma politização da crise econômica, uma torcida para que ela seja administrada de outra maneira, uns exagerando seus efeitos negativos, outros os subestimando. E isso não só com a crise, mas com questões como a relação do país e nossas riquezas com países vizinhos. Estamos diante de desafios muito importantes e 2009 será um ano crucial. Antecipação e radicalização do processo político não vai ajudar. O presidente Lula não pode se reeleger, o que promete uma disputa mais acirrada e faz com que o jogo seja antecipado. Mas isso depende da forma pela qual o governo vai lidar com a crise.

A velha Câmara (1)

Coisas da Política
Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Como um presente de Natal aos meus possíveis leitores, decidi oferecer, neste e no próximo sábado, o regalo de um texto de Machado de Assis, colhido na mina da primorosa edição da Academia Brasileira de Letras do livro de robustas 327 páginas que resgata do esquecimento o "curso literário em sete conferências na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo", de 1915 a 1917, do escritor, acadêmico e um profundo conhecedor da vida e obra do solitário de Cosme Velho, Alfredo Pujol, falecido em 20 de maio de 1930.

Presente do meu amigo, jornalista e escritor Murilo Mello Filho. Com impecável página de apresentação do também escritor e acadêmico Alberto Venâncio Filho. Atirei-me à leitura com a ânsia de um leitor de mais de meio século, na terceira ou quarta releitura das suas Obras completas. E deparei-me, na página 257, da sexta conferência, com a crônica do jovem escritor sobre o seu hábito de freqüentar como ouvinte as sessões das câmaras. E que mais tarde, como jornalista político, cobriu durante anos o Senado, como registra na antológica crônica O velho Senado.

Mas não desperdicemos espaço. Vamos ao texto machadiano selecionado por Alfredo Pujol: "Um dos meus velhos hábitos é ir, no tempo das câmaras, passar as horas nas galerias. Quando não há câmaras, vou à municipal ou à intendência, ao júri, onde quer que possa fartar o meu amor dos negócios públicos, e mais particularmente da eloqüência humana. Nos intervalos, faço cobranças – ou qualquer serviço leve que possa ser interrompido sem dano, ou continuado por outro. Já se me têm oferecido bons empregos, largamente retribuídos, com a condição de não freqüentar as galerias das câmaras. Tenho-os recusado todos; nem por isso ando mais magro.

Nas galerias das câmaras ocupo sempre um lugar na primeira fila dos bancos; leva-se mais tempo a sair, mas como eu só saio no fim, e às vezes depois do fim, importa-me pouco essa dificuldade. A vantagem é enorme; tem-se um parapeito de pau, onde um homem pode encostar os braços e ficar a gosto. O chapéu atrapalhou-me muito no primeiro ano (1857), mas desde que me entendo furtaram um, meio novo, resolvi a questão definitivamente. Entro, ponho o chapéu no banco e sento-me em cima. Venham cá buscá-lo! Não me perguntem a que vem esta página dos meus hábitos. É ler, se queres. Talvez haja alguma conclusão. Tudo tem fim neste mundo. Eu vi concluir discursos que ainda me parece estar ouvindo.

Cada coisa tem uma hora própria, leitor feito às pressas. Na galeria, é meu costume dividir o tempo entre ouvir e dormir. Até certo ponto, velo sempre. Daí em diante, salvo rumor grande, apartes, tumulto, cerro os olhos e passo pelo sono. Há dias em que o guarda vem bater-me no ombro.

– Que é?

– Saia daí, já acabou.

Olho, não vejo ninguém, recomponho o chapéu e saio.

Na mesma crônica, Machado de Assis salta da Câmara para as suas reminiscências como cronista do Senado, como num ensaio para O velho Senado, que tem espaço cativo em todas as antologias. Voltemos ao texto machadiano:

"No Senado, nunca puder fazer a divisão exata, não porque lá falassem mal; ao contrário, falavam geralmente melhor que na outra Câmara. Mas não havia barulho. Tudo macio. O estilo era tão apurado que ainda me lembro de certo incidente que ali se deu, orando o finado Ferraz, um que fez a lei bancária de 1860. Creio que era então ministro da Guerra. E dizia, referindo-se a um senador: "Eu entendo, senhor presidente, que o nobre senador não entendeu o que disse o nobre ministro da Marinha, ou fingiu que não entendeu". O visconde de Abaeté, que era o presidente, acudiu logo: "A palavra fingiu acho que não é própria". E o Ferraz replicou: "Peço perdão a Vossa Excelência, retiro a palavra".

Ora, dêem lá interesse às discussões com estes passos de minuete! Eu, mal chegava ao Senado, estava com os anjos. Tumulto, saraivada grossa, caluniador para cá, caluniador para lá, eis o que pode manter o interesse de um debate. E que é a vida, senão uma troca de cachações?

"A República trouxe-me quatro desgostos extraordinários, um logo remediado, os outros três, não. O que ela mesma remediou foi a transferência das câmaras para o Palácio da Boa Vista. Muito político e muito bonito para quem anda com dinheiro no bolso; mas obrigar-me a pagar dois níqueis de passagem por dia, ou ir a pé, era um despropósito".

Acabou meu espaço. Sábado que vem, a segunda parte.

Roberto Freire critica medida provisória

DEU NO JB ONLINE

SÃO PAULO, 26 de dezembro de 2008 - O presidente do PPS, Roberto Freire, criticou hoje (26) a edição de medida provisória, que viabiliza os recursos para o Fundo Soberano do Brasil. A MP foi publicada no Diário Oficial da União de hoje. Segundo ele, a MP é inconstitucional e sua edição foi uma afronta aos Poderes Legislativo e Judiciário. ´O presidente Lula não tem respeito nenhum à Constituição e às instituições. Ele acha que por ter boa popularidade pode fazer o que bem quiser´, criticou Freire.

Segundo Roberto Freire, o Palácio do Planalto ignorou decisão do Congresso Nacional, que não destinou os recursos para o fundo. Freire afirmou, também, que o presidente desrespeita os poderes ao não reconhecer suas decisões. E lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já interpretou que medidas provisórias só podem ser baixadas pelo presidente ´em caso de relevância e urgência, e não podem ser usadas para tratar de diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares´.


Freire defendeu que a MP do Fundo Soberano seja objeto de questionamento no STF. Ele disse que está pronto para assinar o pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) juntamente com o PSDB. O partido, segundo o seu líder no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), examina entrar com Adin no STF contra a MP.

Congresso humilhado

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A medida provisória baixada ontem por Lula sobre o fundo soberano cumpre dois objetivos principais. Primeiro, dará imediatamente ao Palácio do Planalto R$ 14,2 bilhões para investir em obras de infra-estrutura. Segundo, humilhará o Congresso.

Uma proibição constitucional impede o governo de criar novos créditos no Orçamento por meio de medida provisória. O fundo soberano havia sido aprovado pelo Congresso na semana passada, mas ainda sem destinação de recursos. O governo começaria 2009 sem dinheiro para torrar nas obras destinadas a segurar um pouco a crise econômica -e a alavancar a candidatura de Dilma Rousseff.

Lula encontrou um artifício jurídico. Burlou o espírito da proibição constitucional. A MP baixada ontem não cria novos créditos, mas autoriza o Tesouro a emitir títulos cujo valor será depositado diretamente no fundo lulista.

Como MPs entram em vigor ao serem editadas, mesmo se for derrubada depois no Supremo Tribunal Federal, parte considerável do dinheiro já terá evaporado. Esse é um episódio sem mocinhos. A oposição equivoca-se ao estrangular o governo no momento em que são necessários recursos para conter a desaceleração da economia. Já o Planalto mostra seu habitual desprezo pelo Congresso ao patrocinar uma manobra jurídica no apagar das luzes do ano.

Lula tem maioria na Câmara e no Senado. Poderia ter aprovado os créditos para seu fundo dentro das normas constitucionais. Mas a articulação política incompetente do Planalto só defende com facilidade mulas-sem-cabeça como o aumento de vagas de vereadores. Nada de trabalhar duro na votação de uma medida polêmica. Pouco importa se é vital ou não para o país num momento como o atual. É mais fácil depois ganhar o debate na mão grande, editando uma MP.

Um grito de alerta

Moreira Mendes
Deputado Federal pelo PPS-RO
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O Brasil parece eternamente condenado a ostentar o título de "país do futuro". A denominação é pomposa e capaz de fortalecer arroubos retóricos dos que buscam argumentos para justificar falhas jamais corrigidas, mas, na prática, de nada serve. Nosso país dispõe de todas as condições exigidas para se firmar como potência mundial, em função de seus recursos naturais, de privilegiada extensão de terras agricultáveis e de um povo sempre disposto a se engajar no trabalho e nas ações produtivas necessárias ao desenvolvimento. Produzindo energia limpa, não poluente, no privilégio de incomparável rede hídrica, temos também energia de biomassa, num planeta em que as demais nações são castigadas por desastres naturais e por insanáveis limites físicos de seu próprio espaço geográfico.

Mas por que nos falta tudo – ou quase tudo – se dispomos das ferramentas exigidas para o nosso crescimento? Por que as políticas públicas exercidas ao longo da fundação de nosso Estado têm sido dirigidas para o enriquecimento de exploradores estrangeiros e práticas de corrupção, em detrimento do nosso povo.

Recentemente, relatório divulgado pela Unesco apontou o Brasil na condição de detentor da segunda maior taxa de repetência escolar na América Latina. Segundo o estudo, 500 mil crianças brasileiras, em idade escolar, estão fora das escolas, excluídas, portanto, do processo educacional formal.

É uma situação de extrema gravidade, que exibe o descaso a que vimos sendo submetidos pelas nossas autoridades. A questão educacional no Brasil exige de nossos representantes uma urgente tomada de posição, que, aliás, não tem mais como ser adiada.

Diante do impacto causado pelo Relatório da Unesco, lembrei-me do excelente trabalho de pesquisa realizado pelo padre Laércio Dias de Moura, falando sobre os problemas educacionais brasileiros, publicado no livro intitulado A educação católica no Brasil. Ali é exposta, com toda clareza, desatenção cultivada pelos colonizadores portugueses no trato da questão educacional brasileira. Constata-se, naquele trabalho, que o atual drama se origina desde a chegada de Cabral, à época do descobrimento, e o Estado brasileiro é o maior responsável pelo rumo danoso que se tomou.

A história educacional brasileira é um relato de analfabetismo crônico onde o Estado tem se mostrado omisso e insensível. E é preciso que se tomem medidas de correção imediata das gritantes deficiências, em trabalho de conscientização de pais, alunos e responsáveis por essa grande nação. Num mundo em que a evolução tecnológica requer aprendizado sofisticado e dentro do mais alto nível de apuração, não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar mais de 500 mil crianças em idade escolar, desviando-as para caminhos alternativos de dor e desespero.

Este é um trabalho de resgate interminável, que irá contemplar as atuais e futuras gerações. Um trabalho paciente que exige dedicação, doação e seriedade, cujo objetivo é a defesa permanente de nossas instituições e de nossa soberania, soberania esta que depende, mais do que nunca, da valorização da educação.