segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Da vitória à posse, economia degringolou

Fernando Canzian
EM WASHINGTON
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SOB NOVA DIREÇÃO / TEMPOS DIFÍCEIS

Presidente assume diante da mais grave e intricada crise da atual geração e diz que situação vai piorar antes de melhorar

Desemprego é o maior em 16 anos; bolha imobiliária deixou 2 milhões sem casa, e rombo em bancos pode chegar a US$ 2 trilhões

Só na semana passada, e em apenas três empresas, a economia norte-americana perdeu o equivalente a quase 10% de todas as vagas de trabalho decepadas em dezembro. No último mês de 2008, o desemprego nos EUA saltou para 7,2%, o maior percentual em 16 anos.General Eletric, Hertz e a Circuit City, gigante de eletrônicos que entrou em concordata em novembro e que agora quebrou de vez, anunciaram cortes de quase 50 mil pessoas entre a quinta e a sexta-feira.

Foi um início tenebroso para 2009 e para o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, que assume a Casa Branca amanhã. Entre a vitória de novembro e agora, infelizmente a economia americana só piorou.

"Mesmo com as medidas que vamos tomar, as coisas primeiro vão ficar piores antes de começarem a melhorar. Quero que todos sejam realistas em relação a isso", afirmou Obama antes de embarcar em uma viagem simbólica de trem para Washington no fim de semana.Milhares de empresas nos EUA estão sofrendo as consequências da mais grave e intrincada crise da atual geração. Uma crise na principal turbina da maior economia do mundo: o crédito ao consumo.

Nos últimos cinco anos, os EUA cresceram com força, sustentados por uma forte e irresponsável expansão do crédito. Ele foi largamente concedido a bons e maus pagadores, mas sem que os bancos exigissem garantias reais suficientes de quem tomava os empréstimos.Nesse período, os bancos ampliaram o endividamento dos americanos para algo equivalente a cerca de 150% do PIB (Produto Interno Bruto), ou mais de US$ 20 trilhões. Como comparação, o crédito no Brasil representa 40% do PIB.

Essa "bolha" de crédito estourou inicialmente no setor imobiliário, fazendo o valor das casas despencar juntamente com o poder de saldar as dívidas de quem as estava comprando. Quase 6 milhões de famílias perderam seus imóveis no país nos últimos três anos.

Com o aprofundamento da crise imobiliária no ano passado, 2009 começa com várias outras "bolhas" explodindo. Nos setores de crédito para veículos, nos cartões de crédito e nas lojas que financiam seus produtos aos consumidores.

Com essa avalanche de não-pagamentos de dívidas, reforçada por uma perda superior a 40% no dinheiro que os americanos tinham nas Bolsas, a inadimplência explodiu, abrindo imensos rombos nos bancos.

Tapando buracos

O governo de George W. Bush tentou tapar vários desses buracos arrancando uma linha oficial de US$ 350 bilhões do Congresso. Até agora, 257 bancos em 42 Estados receberam quase US$ 200 bilhões em injeções de dinheiro público. Cerca de 60% do dinheiro foi para sete gigantes, como Citigroup e Bank of America.

Não deu para o começo, e os bancos continuam ampliando seus rombos, que podem chegar a US$ 2 trilhões, o dobro do reconhecido até aqui. Só o Citigroup, um dos mais afetados por dívidas, já reconheceu perdas de US$ 90 bilhões.

Isso só reforça o ciclo vicioso dessa crise: os bancos deixaram de emprestar, as pessoas pararam de gastar e as empresas vendem menos. Com isso, passaram a demitir, levando as pessoas a gastar cada vez menos e a ter problemas para consumir e pagar dívidas -aumentando os rombos nos bancos.

"O que temos hoje é uma economia e um setor financeiro em deterioração se alimentando mutuamente e de maneira negativa", afirma Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional). "Isso pode ter um gosto amargo, mas será necessário colocar ainda mais dinheiro [público] nos bancos."

Esse parece ser exatamente o novo passo de Obama. Enquanto na semana passada a liderança de seu partido, o Democrata, vazou detalhes de um plano de US$ 825 bilhões aspirando manter e criar até 4 milhões de empregos, sua equipe financeira começou a alinhavar algo completamente inusitado: a criação de um banco estatal que poderá absorver todas as dívidas problemáticas dos bancos.

A expectativa é que, limpando as carteiras desses bancos das dívidas "tóxicas", eles voltem a emprestar dinheiro a empresas e consumidores, oxigenando a economia.

A conta desse trilionário socorro ao setor financeiro e do pacote de US$ 825 bilhões virá de uma ampliação do déficit público dos EUA. Antes das novas medidas, ele já estava projetado para atingir US$ 1,2 trilhão (ou 8,2% do PIB), o maior desde a Segunda Guerra.Um dos principais assessores de Obama, o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, afirmou recentemente que "nessa crise, fazer pouco representa um risco muito maior do que fazer demais".

Como reconhece Obama, a crise parece estar muito mais perto do começo do que do fim. Mas a grande dúvida é se mesmo "demais" será o suficiente.

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