quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Muito além do panfleto

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não é um debate na acepção da palavra. Nem uma discussão. Para o primeiro faltam as ideias e, para a segunda, há carência de contraditório. Chamemos, então, de palco o ambiente em que evoluem os candidatos às presidências da Câmara e do Senado.

É um cenário, com paredes falsas onde nada tem consistência nem conteúdo. O principal candidato ao comando da Câmara, deputado Michel Temer, informa que tem “propostas sérias de reestruturação da Casa”.

Quais? Ontem deu notícia de uma delas: “Vou acabar com essa história de baixo clero e alto clero.” Igualdade na fraternidade, pois.

O principal candidato ao comando do Senado, senador Tião Viana, divulgou uma carta de duas páginas e meia em que uma única vez diz direta e objetivamente a palavra “proponho”. O quê?

“Construirmos o Legislativo do tempo presente.” Como?

Mediante a adoção de uma “agenda ousadamente positiva”. Com qual finalidade?

“Sobrepor-se à agenda da crise e impedir que o Parlamento fique a reboque dos acontecimentos.” Uma locomotiva em ritmo de Brasil grande, presumidamente.

E assim, em tom de panfletagem eleitoral, se desenrolam as preliminares das eleições de fevereiro. Concepções genéricas sobre a afirmação da “altivez” do Legislativo, chavões sobre a “judicialização” da política não atendem “as crescentes demandas da sociedade em torno de um Congresso Nacional afirmativo e propositivo”, como o senador Viana considera necessário em sua carta aos eleitores da corporação.

Atendem, quando muito, ao que demanda a performance dos candidatos na batalha do voto a voto, a fim de se compor o cenário com algo mais que os acertos interpartidários, estes sim as reais referências na troca de comando do Parlamento.

A preocupação dos personagens é a de arregimentar apoios ao custo que for. Inclusive o da compostura. Como faz o Executivo em relação ao Legislativo, que incorpora o pior e não presta atenção no melhor dos outros dois Poderes. Ao contrário, ataca o ativismo do Judiciário no lugar de buscar ser tão ou mais ativo.

O presidente da República tem 37 ministérios e milhares de cargos de confiança à disposição para lotear na formação de sua maioria parlamentar. Aos presidentes da Câmara e do Senado cabem duas dezenas de cargos das Mesas Diretoras para entregar aos partidos ali representados e, assim, tentar obter a maioria dos votos dos colegas.

Antigamente a coisa não era assim tão escancarada. Hoje, no caso da Câmara principalmente, faz-se a divisão de maneira desabrida, sem pejo: é a primeira secretaria para um partido, a segunda para outro, as suplências para os menos cotados, as vice-presidências para os mais importantes e está feita a receita.

Se resulta em boa coisa, não interessa. Exatamente como a lógica do Executivo: arma-se a maioria, mas não necessariamente se faz um bom uso dela. Se Michel Temer assegura a vitória com essa prática de loteamento, não é o que está em questão. Pode até perder como vários outros candidatos “do poder” já perderam.

Lamentável é o processo. Este por si só já consolida a degradação do Poder Legislativo e invalida quaisquer manifestações contra alegadas injustiças de avaliação cometidas contra a instituição.

Não existe maior prova da degenerescência que o ambiente na antessala da escolha dos novos presidentes das duas Casas do Congresso Nacional.

Faz algum sentido um candidato a presidir a Câmara dos Deputados abraçar a causa da extinção do “baixo clero e do alto clero?” Nenhum, a não ser como exercício de demagogia. E autorreferida, como se o Congresso fosse um grêmio recreativo e não a entidade de representação popular com todas as responsabilidades públicas inerentes a este papel.

Viana, Temer, Aldo Rebelo, Garibaldi Alves e todo o plantel de candidatos dispõem de uma gama de assuntos para ser abordados que passam pelo aprimoramento do processo legislativo e vão muito além do panfleto.

Isonomia

Se não é eticamente adequado que um presidente de partido acumule essa função com a chefia de um ministério - conforme indicam a regras da Comissão de Ética Pública da Presidência da República -, não é aconselhável também que um político presida ao mesmo tempo um partido e a Câmara dos Deputados.

O conceito de conflito de interesses (mesmo presumido) é o mesmo. Daí o plano inicial, já abandonado, de o presidente do PMDB, Michel Temer, se licenciar do posto caso venha a se eleger presidente da Câmara.

Temer é um jurista e desses bastante referidos no formalismo, várias vezes cotado para o cargo de ministro da Justiça. Por essas e muitas outras mais, certamente saberia muito bem ao paladar geral, e ao decoro legislativo em particular, a retomada da ideia original do afastamento.

Mais não seja como medida preventiva a eventuais questionamentos de conduta.

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