domingo, 25 de janeiro de 2009

No Brasil, renda da classe média terá uma perda maior

Liana Melo e Camila Nobrega
DEU EM O GLOBO

Para especialistas, inflação em baixa não conseguirá neutralizar redução do poder aquisitivo com desemprego

Ainda que a crise não tenha chegado com força total no mercado de trabalho, já começa a se criar um consenso entre os especialistas sobre a tese de que o desemprego em 2009 será maior que o do ano passado (7,9%), o que provocará um encolhimento da renda média do brasileiro. Para eles, os segmentos sociais mais atingidos serão os setores de classe média baixa até aquelas categorias profissionais que ganham até R$4 mil por mês. Os extremos da pirâmide social também serão afetados, mas de forma diametralmente oposta: enquanto os mais ricos tendem a perder riqueza; os mais pobres, sobretudo os beneficiados com transferências governamentais, tendem a ser menos prejudicados.

O economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio e da Opus Consultoria Empresarial, avalia que a renda no país sofrerá os efeitos de duas forças contrárias em 2009: de um lado, o desemprego em alta, e de outro, a inflação em baixa. Isto significa que é praticamente impossível se repetir, este ano, o fenômeno de 2008, quando os salários, segundo o IBGE, tiveram um aumento real de 3,4%. Apesar da crise financeira que se agravou no fim do ano, 2008 chegou ao fim com resultados recordes no que diz respeito à soma dos rendimentos médios mensais pagos aos trabalhadores: R$330,6 bilhões contra R$306,5 bilhões, de 2007.

- Os salários vão cair em termos reais em 2009 e o mercado de trabalho, que vinha num ritmo acelerado em 2008, tende a se desaquecer este ano - avalia Camargo, preferindo, no entanto, não fazer previsões sobre quando o valor real do salário começará a perseguir um viés de queda.

Inflação baixa protegerá salário dos mais pobres

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Cláudio Dedeca, especialista na área de trabalho e salários, aposta que o aumento já previsto do salário mínimo tende a proteger "movimentos de renda na base do mercado de trabalho". O aumento do salário mínimo previsto para este ano é de 11,6%, o que significa que o rendimento vai pular dos atuais R$415 para R$465, em março próximo. Em 2010, o mínimo será pago em fevereiro e a partir de 2011, sempre no mês de janeiro.

- O recuo da inflação será fundamental para proteger a renda dos mais pobres - comentou Dedeca, convencido de que a queda da inflação não terá força suficiente para proteger os trabalhadores de uma perda de poder aquisitivo.

Já para os empregados da indústria, o ano 2009 não será nada fácil. Desde o fim do ano passado, os empresários passaram a adotar uma postura mais rígida nas negociações e esta tendência de endurecimento deve se manter, e, até piorar, este ano. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, anunciou, recentemente, o fechamento de 654.946 vagas em dezembro último, o que representou o pior saldo - diferença entre contratações e demissões - para meses de dezembro, desde o início da série histórica, em 1992. O resultado é quase o dobro do resultado de igual período de 2007.

O engenheiro metalúrgico Arnaldo Félix, de 48 anos, está desempregado desde outubro último.
Ele trabalhava há três anos na Valesul Alumínio, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, mas foi demitido após a decisão da Vale de reduzir em 60% a produção da empresa. Imediatamente após o susto, Félix começou a procurar emprego, só que ainda não conseguiu nada. Lá se vão três meses da demissão e ele sequer deu entrada no pedido de seguro-desemprego. É que Félix tinha esperança de ficar desempregado por pouco tempo, já que é um trabalhador especializado:

- Eu ocupava um cargo de gerência e achava que poderia conseguir uma recolocação rápida no mercado de trabalho. Infelizmente, ainda estou procurando e não sei se conseguirei uma vaga com o mesmo patamar salarial.

O diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, concorda que o comportamento do mercado de trabalho já está mudando, sobretudo porque as empresas já começaram a reagir, algumas até preventivamente, contra futuras perdas, devido à crise financeira.

Dieese: um quarto do mercado formal encolheu

Demissões como as de Félix e a de Cipriano Batalha, que trabalhava numa empresa de pintura industrial, estão contribuindo para incrementar as estatísticas oficiais, que, segundo o Dieese, já mostram redução de um quarto do mercado formal de trabalho. Lúcio diz que a expectativa era a criação de 2,1 milhões de empregos com carteira em 2008, mas foi aberto apenas 1,4 milhão de vagas.

- Eu não esperava ser demitido. A empresa justificou as demissões alegando a crise financeira. Agora, preciso arranjar outro lugar para trabalhar - comentou Batalha, que, há dois anos trabalhava como pintor em plataformas de petróleo, em Macaé.

A atendente de telemarketing Tamara da Silva conta que, além dela, cerca de cem pessoas foram demitidas na empresa onde trabalhava no Rio. Tamara acredita que, em breve, estará empregada de novo:

- Vou começar a procurar, e pretendo arrumar algo melhor este ano.

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