segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O Brasil em busca de um porviroscópio

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Vai ser melhor ou vai ser pior?

Vai ser bom ou vai ser ruim?

Principalmente hoje, que é quando 2009 de fato começa - depois das comilanças, bebelanças e festanças da passagem -, essas indagações estarão na cabeça de muitos. Claro que se referem ao ano presente, em comparação com o transposto.

Pode ser até que o Brasil inteiro esteja, hoje, em busca do porviroscópio - um acelerador do tempo - inventado pelo professor Benson (personagem de Monteiro Lobato) para divisar o futuro, possivelmente mais útil hoje do que quando foi escrito O Tempo Artificial.

Todavia, duas visões de futuro se podem ter mesmo sem o aparelho do sábio lobatiano: não há nenhuma possibilidade de um 2009 melhor do que 2008, do ponto de vista da economia. Haverá pessoas, empresas e países que terão um ano melhor, mesmo com a crise, pois sempre há quem lucre com uma boa crise. Aliás, parece certo que é exatamente nelas que as fortunas mudam de mãos. Mas, no geral, o ano não será melhor. Até porque 2008 foi muito acima da média. Então, até sem crise, dificilmente 2009 seria melhor.

A segunda visão garantida é que 2009 será um ano de excepcional desafio - para o mundo e para o Brasil. Desafio que tem um enunciado direto: evitar que a recessão econômica, já iniciada, ganhe alento e se prolongue por muito mais do que apenas um ano.

Esse não é um desafio para amadores. Nem para bons improvisadores.

O presidente Lula é amador em economia, mas excelente improvisador em política. Não se sabe se esta combinação é a mais adequada para enfrentar o desafio que agora se apresenta. Foi boa para lidar com o desafio da sucessão de Fernando Henrique Cardoso.

Ciente de que era amador em economia, Lula achou melhor deixar tudo mais ou menos como estava nessa área - e viu que isso era bom, pois colheu bons frutos da boa semeadura anterior, inclusive em termos de popularidade política. Neste terreno, da política, excelente improvisador que é, não apenas transformou a oposição em ninho de baratas tontas, que até agora não encontram nenhuma boa estratégia para enfrentá-lo, como se desviou com maestria dos torpedos do mensalão, passou ao largo das armações desastrosas de companheiros “aloprados”, deixou na poeira da estrada a esquerda mais radical do seu próprio partido - que até mudou de partido - e quebrou as pernas de um “capitão do time” que pretendia desbancá-lo e assumir a liderança dentro do partido: Dirceu, O Pensador!

Em suma, nem fogo inimigo, nem fogo amigo perfuraram, até hoje, a couraça do “metamorfose ambulante”, como ele mesmo já se definiu.

Mas o tiroteio de que escapou era disparado por pessoas, ou grupos de pessoas.

O desafio deste ano não é de pessoas, nem de grupo de pessoas, é da conjuntura, um inimigo difuso. Na verdade, nem é tiroteio, é ameaça de incêndio. Como foi, até certo ponto, no começo do seu mandato, quando empresários, nacionais e estrangeiros, vaticinavam medidas tresloucadas do novo presidente. Logo, porém, ele provou que não estava ali para experimentos heterodoxos. E, graças à sua boa estrela, a isso vieram se somar os bons ventos da economia internacional.

O ventos de agora são outros, muito desfavoráveis. Não só para Lula. Ele pode ter o consolo de pensar que Barak Obama estará mergulhado numa conjuntura ainda mais desfavorável. E está, mas apenas com a vantagem de não ter de pensar desde já na sucessão. Este é o principal problema de Lula, politicamente falando - pensar na sucessão. Que essa crise econômica internacional vai dar uma travada na economia brasileira, mesmo ele - otimista, mas não tolo -, no íntimo, já sabe. O que ele não sabe é se essa travada vai ser prolongada e duradoura o bastante para solapar a sua popularidade a ponto de prejudicar seus planos sucessórios.

Vejamos. São dois anos: 2009 e 2010. Muitos economistas veem boas coisas para Lula no porviroscópio. Dizem que o Brasil, bem preparado que está, não sentirá muito a crise; e que no segundo semestre deste ano ela já terá sido superada. Se estiverem certos, o desgaste da popularidade do presidente não será nada grave, pode nem acontecer, e ele terá tranquilidade para continuar empurrando, rumo às eleições de 2010, esse vagão de carga que escolheu (será?) para sua sucessão.

No entanto, essa crise começou de maneira tão furtiva e tem deixado os governos tão confusos que outros economistas a estimam muito mais duradoura do que apenas seis meses, e bem mais perturbadora para o emprego e a renda das famílias. Nesse caso, a popularidade do presidente pode se desgastar mais e mais depressa, e seu vagão descarrilar.

Mas essas são as incertezas vindas de fora.

Aqui dentro, a margem de manobra do governo é mais estreita e se resume à velha alternativa: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. As dificuldades de crédito podem ser episódicas, mas a falta de horizontes é que trava os investimentos das empresas. Para animá-las o governo aumenta gastos e diminui impostos, o que pode criar um buraco nas contas fiscais, além do que já desponta nas transações correntes do balanço de pagamentos - e que exigiria contrair a demanda doméstica, com risco de desemprego, em vista das dificuldades para exportar e para captar recursos externos.

Se a economia crescer menos, mas a inflação não aumentar, até que dá para ir levando o barco só com marolinha. Mas, como alertavam em artigo do jornal Valor os professores Pastore e Cristina Pinotti, para o real não sofrer maiores quedas e a inflação não disparar o governo deveria “evitar o crescimento do seu consumo e do consumo das famílias”.

Só que isso é péssima notícia para os interesses eleitorais do presidente e da sua candidata.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

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