terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O doce e o risco de déficit externo

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Janeiro pode registrar déficit comercial; investimento externo de 2008 foi bom, mas minguou no final do ano

A BALANÇA comercial de janeiro por ora está deficitária. O Brasil mais importou bens do que os exportou, ficando no vermelho em US$ 645 milhões. Pode aparecer o primeiro déficit comercial desde 2001. Ontem soubemos também que o investimento estrangeiro direto (IED), investimento dito "na produção", foi recorde: US$ 45 bilhões. O que tem a ver lé com cré?

O saldo da balança comercial e o IED são alguns dos itens do balanço de pagamentos, uma espécie de enorme livro de caixa que registra todas as saídas e entradas de moeda forte (dólares) do país. Entradas e saídas têm de se equilibrar, grosso modo. Caso ocorra um déficit, se o país fica "no vermelho", a conta do déficit "cai", em última instância, nas reservas internacionais, os ativos em moeda forte no caixa do Banco Central. Se não há reservas bastantes, em tese o país "quebra" (e/ou sofre baita desvalorização cambial).

O saldo comercial e o IED vinham sendo fontes de recursos que contrabalançavam as contas em que o país é muito deficitário: remessas de lucros de empresas e investidores estrangeiros, pagamentos de juros, de serviços (como fretes, as viagens do cidadão, royalties etc.).

Não dá para estimar o que vai ser da balança com os dados de apenas um mês, que dirá de algumas semanas de janeiro. Mas o comércio mundial vai encolher em 2009. O IED no ano passado foi bom, mas não diz tudo sobre esta conta: o Brasil também investe no exterior, uma das principais novidades no balanço de pagamentos na era Lula. O saldo do IED (investimentos estrangeiros aqui menos o de brasileiros lá fora) foi de US$ 24 bilhões. Outra novidade é que a maior parte do déficit da conta de rendas agora se deve a remessa de lucros, e não de pagamento de juros (em especial da dívida externa do governo). Tais ineditismos criam incógnitas maiores sobre o futuro das contas externas do país.

O investimento estrangeiro direto tende a cair, num ambiente mundial recessivo. E o brasileiro também? Qual cai mais? As remessas de lucros das múltis instaladas aqui, pressão crescente no nosso balanço em 2008, também devem ser menores. Mas como fica a balança?

E daí? Daí que não é possível continuar crescendo como em 2008 em um ambiente mundial no qual vamos obter menos dólares para fechar nossas contas externas. Quanto menor for o "financiamento externo" (via investimentos "produtivos" ou aplicações financeiras e mesmo empréstimos), maior terá de ser o saldo comercial: exportar mais, importar menos. Consumir menos.

Não dá para comer o doce (consumir) e ficar com o doce (equilibrar as contas externas). É por isso que está quente o debate entre economistas do governo, em geral, e os de fora (os ditos "ortodoxos"). O governo Lula está certo em tentar não deixar a peteca do consumo e do PIB cair no chão. Mas, se exagerar na dose, pode provocar um excesso de consumo (dadas as condições de financiamento) e déficit, o que pode levar a uma desvalorização maior do real, talvez mais inflação (e juros maiores) ou, no limite, a coisa pior. Uma acomodação do consumo (em especial o do governo), em níveis menores, tende a permitir uma redução de juros e que o país volte a crescer de forma ordenada, em breve.

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