quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O paradoxo de Davos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. O paradoxo de defender o livre mercado e o sistema capitalista e, ao mesmo tempo, admitir que somente uma vasta intervenção dos governos nacionais poderá tirar o mundo da crise sistêmica em que se encontra, é a marca dessa edição do Fórum Econômico Mundial. O que se vê aqui em Davos é uma imensa catarse, com temas como regulação do mercado financeiro, que já foram considerados tabus, agora sendo prioritários. Não há quem discuta a necessidade de maior transparência no mundo financeiro, ou de um controle regulador que devolva a confiança no mercado internacional. E todos estão convencidos de que, no momento, apenas os governos nacionais têm condições de sustentar o mercado financeiro e dar credibilidade ao sistema.

Mas foi George Soros, o megainvestidor, quem melhor definiu como os sustentáculos do sistema capitalista veem essa intervenção maciça dos governos na economia: "Os governos são péssimos agentes econômicos. Assim que tudo estiver normalizado, eles têm que sair de cena, deixando para as entidades privadas o papel de tocar a economia".

Para se ter uma ideia do ambiente em que o fórum se desenrola, basta verificar a pergunta mais frequente: quanto você perdeu até agora? Duas respostas são exemplares. O escritor brasileiro Paulo Coelho diz que não perdeu nada por que só aplica em renda fixa. Já o megainvestidor George Soros declarou-se feliz por estar conseguindo preservar o que tem e ficar "levemente positivo", o que, no atual "colapso", considera "digno de comemoração".
Foi, aliás, de Soros a melhor resposta sobre a crise. Não tem a menor importância saber quanto tempo ela vai durar, disse, mas "o que vamos fazer para sair dela". E ele deu duas ideias, polêmicas, mas pelo menos inovadoras. Uma sugestão de Soros é a formação de um imenso fundo, financiado pelos países desenvolvidos e controlado pelo FMI, a fim de restabelecer linhas de crédito para os países emergentes.

Para proporcionar solidez ao sistema bancário internacional, Soros propõe um imenso Proer. Ele se anunciou disposto a investir no que chamou de "bancos bons", que seriam aqueles livres dos investimentos podres, que ficariam nos "bancos ruins", que ficariam com os governos.
Os bancos, de maneira generalizada, defendem essa tese, que lhes garantiria a segurança necessária para restabelecerem o fluxo de crédito internacional. A "aversão ao risco" seria compensada por garantias governamentais.

Mas não foram as entidades privadas que provocaram esse "colapso"? Para um encontro que supostamente reúne as melhores cabeças e os líderes do sistema capitalista, não ter captado a crise que se avizinhava é uma lição de humildade que vem sendo cuidadosamente aproveitada este ano, com a admissão tardia, mas fundamental, de que o mercado por si só não é capaz de corrigir seus excessos.

Não se via tanto mea-culpa desde que, em outubro passado o ex-presidente do Banco Central americano Alan Greenspan, confrontado por um congressista americano, admitiu, "chocado", que o modo de vida capitalista não deu certo, e se disse "surpreso" de constatar que o mercado não conseguiu se autorregular, e que as pessoas não conseguiram trabalhar em seu próprio benefício, refreando os excessos do sistema financeiro.

Recebi do Ministro da Justiça, Tarso Genro, a seguinte mensagem: "Lendo tua coluna de do dia 27 último, verifico comentário sobre os dois boxeadores cubanos que deixaram a delegação do Pan. Estás correto ao lembrar que um deles finalmente conseguiu viver na Alemanha. Mas equivocado quando afirmas que "entreguei" os dois atletas a Cuba. À época do Pan, ambos deixaram a delegação justamente com a promessa de viver na Alemanha. Ficaram alguns dias em uma pequena praia do Rio, sem que o empresário que os procurara fizesse qualquer contato.

"Desiludidos, pediram a um pescador local que fizesse contato com a polícia, que os levou à Polícia Federal. Lá foram ouvidos por duas vezes, com o acompanhamento de advogado representante da OAB-RJ e de um procurador do Ministério Público do Rio.

"Nos dois depoimentos, afirmaram o desejo de volta a Cuba. Foi-lhes oferecido asilo, que recusaram. Tudo está registrado em documentação da Polícia Federal. Mas quero lembrar outros dois fatos: um treinador de handball (Rafael Capote) e um ciclista (Michel Fernandez Garcia) também deixaram a delegação cubana no Pan. Pediram refúgio no Comitê Nacional para os Refugiados, o que foi concedido.

"Mais recentemente, quatro músicos de um grupo cubano que se apresentava no Brasil também pediram refúgio no Conare. Hoje vivem em Recife. Naturalmente, a Embaixada de Cuba protestou, o que não impediu que mantivéssemos a decisão. E outra informação: há 123 cubanos vivendo no Brasil, sob refúgio político.

"Portanto, não posso concordar com tua afirmação, de que o governo brasileiro adotou "uma atitude ignóbil, tão marcada de ideologia que não merece discussão sobre soberania brasileira.

"Mais recentemente, já no governo Sarkozy, a França negou a extradição para a Itália da ex-brigadista Marina Petrella. Sem clamores por parte de seu país de origem. Finalmente, reitero: o que me levou a conceder refúgio a Cesare Battisti foi reconhecer que havia fundado temor de perseguição política, conforme preceitua a lei brasileira."

Registro a mensagem do Ministro da Justiça, mas continuo achando que considerar que há "fundado temor de perseguição política" num governo democrático como o da Itália, onde a livre imprensa existe e o Judiciário é um poder autônomo como deve ser nas democracias, é uma atitude política, e não técnica, do governo brasileiro, que nada tem a ver com a soberania do país.

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