segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Onde o segredo?

Paulo Brossard
DEU NO ZERO HORA (RS)

Até as últimas horas do governo Bush, a crise mostrou que estava longe de amainar; dois dos maiores bancos americanos receberam injeções sesquipedais e aqui a marolinha se encarregou de alguns estragos nada desprezíveis no setor do emprego e de empresas, do agronegócio e dos fundos de pensão. Neste entretempo, o presidente da República se permitiu mais uma excursão por territórios bolivarianos, para interferir ostensivamente em assuntos internos da Bolívia e da Venezuela.

Os fatos foram amplamente noticiados. Segundo um dos nossos maiores jornais, “nos últimos dias, Lula travestiu-se de cabo eleitoral dos caciques bolivarianos. Foi à Bolívia dar um alento à campanha de Evo Morales para aprovar a sua Constituição. E completou o giro na Venezuela, onde declarou que ‘Chávez é jovem e aguenta um novo mandato’”.

Já era muito, mas não foi só. Relativamente àquela, cujo presidente tem sido muito agressivo em relação ao Brasil, não se limitou ao apoio em suas pretensões institucionais, mas deu-lhe forte apoio econômico, aumentando significativamente a quantidade do gás a importar; quanto à segunda, permitiu-se fazer considerações nunca vistas por parte dos nossos presidentes; dos melhores aos menos bons. Entrou a fundo na questão, como se não tratasse de assunto estritamente venezuelano.

Como é sabido, o coronel Chávez pretende eternizar-se no poder mercê da reeleição indefinida e o nosso presidente lhe deu apoio, explícito e cabal, chegando a argumentar com o ocorrido na Grã-Bretanha e na Alemanha, com Margaret Thatcher e Helmut Kohl, quando se trata de países parlamentaristas. E por aí se foi, como se estivesse em casa. A intimidade era de compadrio.

Não sei se o presidente brasileiro estaria lembrado de antecedentes venezuelanos a respeito. Compreende-se que o coronel Chávez busque manter-se vitaliciamente no poder, pois há precedente em sua terra. Faz um século, foi em 1908, que o general Juan Vicente Gómez assumiu o governo e só o deixou passados 27 anos, pela lei da morte, em 1935. Ele era então o decano e modelo dos ditadores sul-americanos, apelidado “o tirano dos Andes”. De modo que se pode compreender a expressa ou velada pretensão de Chávez à perpetuidade, mas não se pode entender como o presidente do Brasil, em cavacos fraternais, se intrometa em assuntos dessa peculiaridade nacional.

O certo é que Chávez já sofreu alguns insucessos eleitorais e que, imperando em seu país quando o petróleo nadava na casa dos US$ 150 agora mermou para US$ 50, e pode cair mais, de modo que o tempo não ajuda o caudilho.

Mas não foi só. O presidente da República passou da Venezuela ao Brasil e antecipou a inserção do nosso país à degradação institucional que, aliás, nunca imperou aqui. Isso terá sido por acaso ou falta de assunto? Ora, o presidente Luiz Inácio pode ser tudo, menos tolo e até hoje não fez declarações por fazer, gratuitamente ou para encher o tempo. É o caso de perguntar: onde o presidente quer chegar, o que ele pretende e o que está elucubrando? E isto me parece particularmente grave sob o ponto de vista nacional, que nos diz respeito.

P.S. – Deixe o leitor que eu saia desse assunto preocupante, para passar a outro agradável. Já leu o livro de Carlos Augusto Bisson, Moinhos de Vento. Histórias de um bairro de Porto Alegre? Vale a pena.

*Jurista, ministro aposentado do STF

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