quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

presidente e a mídia

Ruy Fabiano
Jornalista
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Em recente fala, Lula revelou que não lê jornais. Faz-lhe mal ao fígado. Disse que se informa por meio do ministro da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins. Acha que os jornais distorcem a realidade, mostrando-a em cores sinistras.

Mesmo assim, jura que vê na liberdade de imprensa um fundamento democrático intocável. O paradoxo não deixa de ser curioso: um bem que gera o mal. Não é de hoje que Lula e PT mantêm relações esquizofrênicas com a mídia. Ambos lhe devem a projeção que têm. São frutos da liberdade de imprensa.

Sem a “mídia burguesa” e “privada”, que tanto abominam, não teriam ascendido ao patamar em que estão. Se, ao tempo em que Lula projetou-se como líder sindical, nos anos 1980, vigesse o modelo de mídia que o PT proclama ideal — a estatal —, a sociedade brasileira sequer teria tomado conhecimento da existência daquele sindicalismo que emergia no ABC paulista.

Se dependesse da boa vontade de quem geria o Estado brasileiro naquela oportunidade — o regime militar —, Lula jamais sairia do anonimato. Quem o fez conhecido, vocalizando sua luta e de seus correligionários, foi exatamente a mídia burguesa e privada — a mesma que o PT, hoje no poder, quer ver pelas costas.

Foi essa mídia, com todos os seus múltiplos defeitos e fragilidades, que enfrentou a censura, denunciou torturas e mortes nos subterrâneos do regime militar e permitiu que a sociedade brasileira não sucumbisse inteiramente ao arbítrio.

Foi pelas frestas que conseguiu manter abertas que novidades políticas como Lula e PT vieram à tona, se estabeleceram e chegaram ao poder máximo do país. Isso não é juízo de valor — é história.

Há alguns meses, a Executiva do PT reuniu-se e, no pleno exercício de sua amnésia política, desancou a “mídia privada”. Disse que é “instrumento e Estado-Maior” de uma campanha da “direita” para desestabilizar o governo Lula. Campanha golpista, claro. E conclamou a militância a reagir a essa “nova ofensiva”.

A “mídia golpista” deu amplo espaço ao manifesto, que, no entanto, não resiste a uma depuração ginasiana. Antes de mais nada, o partido insiste no truque retórico — e intelectualmente desonesto — de que o mundo atual se divide entre direita e esquerda. E o que é pior: que o governo Lula estaria à esquerda. A afirmação é risível. Basta conferir alianças, equipe e políticas econômica e monetária em curso — e, acima de tudo, afirmações reiteradas do próprio presidente da República em sentido contrário.

Em diversas oportunidades, Lula afirmou que “jamais” foi de esquerda. Chegou uma vez a gracejar: “Não sou de esquerda; sou torneiro-mecânico”. Numa solenidade, em dezembro de 2007, disse que esquerda e maturidade não combinam.

A frase literal é: “Se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema”. Considerou isso — a direitização do esquerdista — fator de “evolução da espécie humana”, colocando compulsoriamente fora desse processo, entre outros, macróbios respeitabilíssimos (e confessadamente comunas) como Oscar Niemeyer (101 anos) e José Saramago (87 anos).

Portanto, soa ridículo, num governo que tem em sua base de apoio políticos de todos os naipes, da esquerda à direita, fisiológicos e ideológicos, falar em “conspiração da direita”.

Troque-se a expressão direita por “esquerda” ou “subversivo” e compare-se o texto daquela resolução da Executiva do PT com as ordens do dia dos tempos do regime militar: é a mesma retórica, a mesma indigência mental e estilística. Idem as manifestações recorrentes de Lula. A caça de ontem transmutou-se em caçador.

A imprensa brasileira está longe da perfeição. Carece mesmo de exercícios mais constantes e consistentes de autocrítica. Reflete as fragilidades da sociedade que vocaliza e vive a crise de transição que o advento de novas tecnologias da informação lhe impôs.

Daí, porém, a ser “Estado-Maior de uma ofensiva da direita”, como sustentou a Executiva do PT, vai uma distância maior que a que separa os redatores do manifesto da realidade. A mídia brasileira não é homogênea. É plural. Nela figuram, nos seus extremos, antigovernistas e governistas. Padecem da mesma patologia, mas estão longe de predominar.

A maioria acompanha perplexa o apocalipse em gotas, que é a realidade contemporânea de nosso país e de nosso planeta. Há limitações, má-fé e até idealismo. Conspiração, porém, não. Seria necessária uma competência que não temos. Nem nós nem o país. Felizmente.

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