sábado, 10 de janeiro de 2009

Proposta inócua e inconsistente

José Francisco Siqueira Neto
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


OS DIREITOS trabalhistas não causam desemprego tampouco sua redução ou flexibilização evita o desemprego. Não há registro histórico de atividades empresariais frustradas em razão do direito do trabalho. A variação dos indicadores do desemprego depende fundamentalmente do crescimento e do desenvolvimento econômico.

O direito do trabalho funciona, de um lado, como via de inclusão social e de sustentação das condições mínimas para o relacionamento e a convivência social civilizada; de outro lado, pela negociação coletiva de trabalho, como instrumento de distribuição de renda e de ajuste específico e determinado das condições de trabalho.

As relações de trabalho, portanto, são reguladas mediante a combinação de políticas públicas para o trabalho e de ajustes privados de natureza coletiva. Eventuais desvios dos acertos privados, invariavelmente, implicam custos sociais mais altos para a preservação das políticas públicas.

A crise mundial, que apresenta reflexos no Brasil, além de propiciar farta distribuição de recursos públicos ao setor privado pelas mais variadas modalidades, possibilitou a formação de um ambiente propício à especulação prognóstica e a disseminação de análises referidas em dados imprecisos, que outra coisa não fazem senão aumentar a insegurança e, com isso, possibilitar, por meio da livre associação de ideias, a retomada do elo perdido da agenda política de um passado recente de triste memória.

Agora, a pauta que tentam fixar é a do incentivo à utilização generalizada e descontextualizada da redução da jornada de trabalho com redução de salários.

Essa alternativa é assegurada pelo ordenamento jurídico nacional. É só comprovar a sua necessidade, convencer os sindicatos e não utilizá-la de forma dissimulada para perpetrar fraude trabalhista que a redução será considerada juridicamente perfeita.

O ponto é este. Onde termina a necessidade e começa a oportunidade?Mesmo para aqueles setores atingidos pela crise, a dimensão e o impacto dela não são uniformes.

Desse modo, tentar generalizar procedimentos essencialmente excepcionais e temporários é, para dizer o menos, a exaltação da improvisação como regra de conduta.A inconsistência da proposta é o seu caráter generalista e subsidiário.

Nenhum dos seus proponentes acredita que a medida, por si só, amenizará o desemprego. Trata-se de um movimento secundário. O principal é o conjunto de medidas a cargo do governo (redução de impostos, alongamento dos prazos para pagamento dos tributos, pagamento do crédito do ICMS para as empresas exportadoras, redução dos juros).

Não há o menor sentido em adotar medidas que não influem no centro dinâmico do processo, não resolvem os problemas de curto prazo e desorganizam as relações de trabalho no médio e longo prazo.

Não há uma saída mágica. É preciso paciência e criatividade para encontrar as medidas mais adequadas para cada situação. Nada que sindicalistas e empresários criativos e comprometidos com o país não consigam.

O governo pode e deve ajudar no sustento de políticas concertadas, com o compromisso futuro dos envolvidos. Há espaço para a articulação de financiamentos de empregos com a participação estatal, que, afinal, são mais baratos e produtivos do que o pagamento do seguro desemprego e dos programas de requalificação profissional.

De outra parte, não deixa de ser um tremendo paradoxo que, no mesmo processo em que o Estado aporta recursos fabulosos para garantir as empresas, seja tolerada a restrição de direitos elementares de cidadania. Do ponto de vista econômico, o movimento é inócuo e oneroso, e, do ponto de vista ético, deplorável.

É chegada a hora da participação dos atores sociais. Nesses momentos é que temos a dimensão da importância de sindicatos, sindicalistas e empresários representativos e competentes o suficiente para não caírem na tentação do discurso fácil, que sempre apresenta a mesma solução para todo e qualquer tipo de problema.

José Francisco Siqueira Neto, 49, advogado, mestre (PUC-SP) e doutor (USP) em direito, é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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