terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Prática é mudar regra em ano eleitoral

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Está pronto o texto da reforma política do governo Lula. O ministro Tarso Genro (Justiça) pensava em enviar o projeto ao Congresso depois de amanhã ou na próxima semana. O presidente recomendou esperar a eleição para as Mesas do Senado e da Câmara. A proposta modifica três dezenas de artigos da lei eleitoral, acata sugestões para "retirar criminosos do processo político", mexe nas regras para a eleição de 2010, mas passa ao largo da questão da duração do mandato do presidente, assunto que monopolizou os primeiros debates da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

À primeira vista, o projeto do governo e aquele que começou a tramitar na Câmara no fim do ano passado nada têm a ver um com o outro. O projeto dos deputados é que trata do mandato presidencial e do fim da reeleição, assuntos sobre o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta e meia surpreende. Agora, por exemplo, o presidente afirma ser contrário ao fim da reeleição, depois de passar uma vida pregando o contrário (cabe dizer que seria difícil Lula se opor a uma instrução da qual se beneficiou). Ele insiste que é contra o terceiro mandato, mas na Venezuela defende o direito de Hugo Chávez de concorrer indefinidamente.

Os dois projetos devem se (con)fundir no Congresso. E o jogo do PT parece nebuloso.

No primeiro lance, tentou deixar aberta uma brecha para que o assunto ficasse sem regulamentação. PSDB e DEM reagiram por suspeitar que se tratava de uma manobra para criar um vácuo legal e permitir ao partido, se a relação de forças permitir, reivindicar o terceiro mandato para Lula. A reação nervosa do PT levou demistas e tucanos a concluir que suas suspeitas eram acertadas. Além disso, é mais ou menos consensual na Câmara que o fim da reeleição com a fixação de um - e apenas um - mandato de cinco anos não passa porque não interessa aos prefeitos e governadores que têm direito a disputar mais um período de governo.

O projeto governista é dividido em três "eixos". O primeiro leva o título de "Fortalecimento dos Partidos Políticos e Equilíbrio Eleitoral" e trata da lista fechada de votação e do financiamento público de campanha. O capítulo seguinte chama-se "Diminuição da Fragmentação Partidária". Cuida das coligações, da cláusula de desempenho e da fidelidade partidária. Por fim, o eixo "Redução da Criminalidade no processo Eleitoral" aborda os casos de inelegibilidades e cria um novo tipo de crime eleitoral, a "Captação Violenta de Sufrágio", e estabelece "novos parâmetros para o combate a condutas que comprometem o soberano direito ao voto".

O projeto, redigido após audiência pública, acolhe a interpretação de fidelidade partidária da Justiça Eleitoral, mas estabelece exceções para que os políticos possam mudar de partido sem perder o mandato. Uma é a filiação "visando à criação de novo partido político". Outra é a criação da "janela" pela qual os parlamentares podem saltar de um partido para o outro nos 30 dias anteriores ao término do prazo para a realização das convenções partidárias - ou seja, o mês de maio, de vez que o período das convenções para a escolha dos candidatos é de 1º a 30 de junho do ano da eleição.

O projeto também "estabelece que o prazo para filiação partidária para quem estiver no exercício do mandato se encerrará na data limite para a realização das convenções partidárias que escolherão os candidatos (30 de junho)". Na prática isso significa que um governador de Estado como Aécio Neves, de Minas Gerais, querendo ser candidato a presidente poderá trocar de legenda até 30 dias antes da eleição; mas um ministro como Henrique Meirelles ou Tarso Genro, que estão sem mandato eletivo, teriam de se filiar um ano antes.

"A proposta busca pôr fim ao "troca-troca" entre partidos que se dá, na maioria dos casos, por questões meramente fisiológicas", diz o texto preparado pelo Ministério da Justiça.

O capítulo sobre as coligações modifica regras previstas para as eleições de 2010. Uma delas diz respeito ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão destinado às coligações partidárias. O texto determina "que a coligação disporá, unicamente, do tempo de rádio e televisão destinado ao partido com o maior número de representantes na Câmara dos Deputados". Na prática, isso significa que se o PT capturar o PMDB para sua chapa, em 2010, o PSDB ficará em larga desvantagem no tempo de rádio e televisão - as duas siglas detêm as maiores bancadas e o maior tempo no horário eleitoral.

A maior parte das propostas do governo já está em discussão no Congresso. Algumas, com a mudança do sistema de votação para listas fechadas (o eleitor deixa de escolher um candidato para votar numa lista preparada pelos partidos) estiveram próximas de ser aprovadas na Câmara, mas foram barradas pela desconfiança de que beneficiariam o PT. Os partidos pequenos também resistem à cláusula de barreira, embora as condições exigidas para que essas siglas se viabilizem tenham sido reduzidas: um por cento dos votos válidos em eleição Câmara dos Deputados, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados com o mínimo de meio por cento do votos em cada (a antiga lei previa 5%).

Temas polêmicos é o que trata da inelegibilidade. O texto prevê que ficarão inelegíveis "os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão colegiada ou em decisão de primeira instância transitada em julgado por falta de recurso do réu, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem 3 (três) anos seguintes". O projeto afirma que isso "retira criminosos do processo político".

Com o projeto, Lula quer cumprir uma promessa de campanha, quando considerou prioritária a reforma política. Mas acha que o Congresso não se entenderá sobre o assunto. Pode ser. A prática em ano eleitoral, no entanto, tem sido mudar a regra do jogo.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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