quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Até onde vai o PMDB

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A vitória pemedebista nas eleições para as duas Casas do Congresso Nacional já acendeu vivas discussões sobre o alcance que a eleição de Michel Temer e José Sarney pode ter para as ambições futuras da agremiação. Alguns já falam inclusive no possível lançamento de um postulante próprio do partido na próxima disputa presidencial, enquanto outros - mais comedidos - entendem que o partido se credenciou definitivamente para o posto de possível ocupante da candidatura vice-presidencial na chapa majoritária em plano nacional.

Há muito de evidentemente especulativo em toda essa discussão, mas se trata de uma especulação baseada no entendimento de que só pode ser muito poderoso um partido que possui as maiores bancadas nas duas Casas do Congresso, e os maiores números de governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores entre todas as legendas. Partindo de uma base como estas, o PMDB teria - em tese - enormes chances de eleger um candidato presidencial, pois a estrutura de poder que possui no país se constituiria numa ferramenta utilíssima em qualquer disputa eleitoral. Mas é neste ponto que se torna necessária uma análise mais detida.

Recorrendo a uma metáfora futebolística (bem ao gosto do presidente Lula), podemos dizer que o PMDB é como aqueles times muito fortes "no papel", mas que não necessariamente se saem bem dentro de campo. No caso do futebol, esta disjuntiva entre uma equipe teoricamente forte, mas efetivamente débil, explica-se pelo fato de que não são apenas as individualidades que formam um grande time, mas a articulação que se logra estabelecer entre elas. Por isto mesmo, equipes muitas vezes menos brilhantes em termos dos seus talentos individuais são aquelas que logram sucesso nas competições de que participam. Algo similar pode ser aplicado à análise da força dos partidos políticos: uma agremiação menos poderosa nos números (de postos de poder que ocupa) pode se mostrar mais competitiva eleitoralmente se consegue articular-se como uma organização dotada de maior coesão e capaz de oferecer alternativas atraentes ao eleitorado. Pois bem, o PMDB opera desta forma em três âmbitos: nas disputas municipais e estaduais, e dentro do Legislativo nacional, em disputas como a desta segunda-feira, pela presidência das duas Casas.

Já se tornou um lugar comum afirmar que o PMDB é uma federação de caciques regionais (ou estaduais). Isto é verdadeiro e explica porque o partido é tão competitivo nas eleições que disputa nos Estados e municípios: a liderança desses caciques faz com que haja PMDBs substancialmente coesos como organização dentro de cada Estado e, em decorrência, nos municípios. Isto permite à agremiação eleger governadores, deputados estaduais e prefeitos com desenvoltura, liderando o número de ocupantes desses cargos. O PMDB é forte no Rio, com Sérgio Cabral; no Paraná, com Requião; em Santa Catarina, com Luiz Henrique; em São Paulo, com Quércia e Temer, e assim por diante. Essas lideranças dão ao partido uma linha de ação clara dentro de seu Estado, fortalecendo-o.

No Congresso Nacional, a estrutura de poder institucional das lideranças partidárias (com base nos regimentos) e a vantagem que os membros do partido obtêm por agirem coesamente também logram sucesso, conferindo ao PMDB um comportamento razoavelmente disciplinado nas votações nominais (embora seja o menos disciplinado dos grandes partidos) e uma unidade de ação em momentos como o da escolha da presidência das Casas.

Entretanto, essa mesma consistência partidária não se verifica quando tomamos o PMDB como um partido nacional. Os mesmos caciques regionais que conferem unidade ao partido em seus Estados são aqueles que disputam poder entre si no plano nacional, enfraquecendo a agremiação. É bem verdade que esta disputa é hoje bem mais amena do que foi no passado, mas ela ainda subsiste em boa medida. Há alguns anos atrás, o governador do Paraná, Roberto Requião, chegou a criar um "Disque-Quércia", para que os cidadãos pudessem realizar denúncias de atos de corrupção de seu correligionário paulista. Hoje ambos já se entendem melhor. E é na eventual superação destes estranhamentos que reside a possibilidade do PMDB alçar voos mais altos a partir da formidável base organizacional de que dispõe ao longo do território nacional.

Vale lembrar que desde as eleições de 1994, quando Quércia amargou um vexatório quarto lugar nas eleições presidenciais, com menos de 5% dos votos, o PMDB não consegue emplacar uma candidatura própria. Ficou sem conseguir sequer se coligar a outros partidos nas eleições de 1998 e, em 2002, lançou a vice na chapa de José Serra, Rita Camata, para novamente não participar da disputa nacional nas eleições de 2006 - no que foi ajudado pela esdrúxula regra da verticalização das coligações. Portanto, não basta dispor da apreciável base política que tem o partido no país, nem sonhar alto a partir da bem-sucedida conquista das presidências do Congresso, para que o PMDB se torne um jogador temível nas próximas eleições. Talvez a legenda consiga "apenas" barganhar um apreciável posto de vice em alguma chapa presidencial nas eleições vindouras. Nos termos do deputado Eliseu Padilha: "O PMDB não tem candidato a presidente, mas é a grande noiva de 2010" (http://oglobo.globo.com, 03/02/2009).

E o dote oferecido por esta noiva apresenta características curiosas, que refletem o que é simultaneamente força e fraqueza do PMDB: um partido sem qualquer definição ideológica, podendo se aliar a quem quer que seja, e uma organização grande e bem estruturada país afora, porém incapaz de entabular um projeto nacional próprio. É por isto que o PMDB pode receber a qualquer um em suas fileiras, não tem porque punir quem quer que seja por indisciplina e é sempre cortejado por aqueles que necessitam dos recursos de que o partido pode dispor (incluído aí o tempo de televisão). Dificilmente, contudo, veremos o PMDB na posição de quem corteja aliados em prol do seu próprio projeto de poder; a não ser que surja algum demiurgo, capaz de unificá-lo em torno de si - algo improvável.

Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias

Nenhum comentário:

Postar um comentário