sábado, 14 de fevereiro de 2009

Comandando a massa

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Uma coisa é indiscutível: poucos políticos entenderam tão bem o mecanismo da democracia de massas como o presidente Lula, o que não quer dizer que aja de maneira a não colocar em risco essa democracia. Qual um Chacrinha redivivo, vestindo a camisa de um time de futebol do interior, Lula vai balançando a pança e comandando a massa nos palanques. Os abusos que vem cometendo do alto de seus 84% de popularidade mostram que para ele não há limites legais.

Assim como esterilizou a política partidária dividindo a máquina do Estado entre 14 partidos que formam a mais heterogênea e anódina coalizão política da história brasileira; assim como neutralizou os movimentos sociais cooptando-os com verbas públicas e empregos, assim também vai Lula fazendo tábula rasa das leis para tentar eleger sua candidata, a ministra Dilma Rousseff.

Também o principal partido de oposição, o PSDB, caiu na armadilha montada pelo presidente Lula, que o imobilizou com acenos em direção ao governador de Minas, Aécio Neves, e insinuações de que não se incomodaria se o eleito na sua sucessão for o governador de São Paulo, José Serra, de quem se consideraria amigo.

O DEM é o mais coerente partido oposicionista, e partiu dele a iniciativa de reclamar na Justiça Eleitoral do uso da máquina pública nesta campanha antecipada. Mas não tem força política para ser protagonista na sucessão. O que não significa que seja um modelo de partido a ser seguido, haja vista o caso do castelão Edmar Moreira, cujos pecados são mais antigos do que faz supor o espanto e a indignação do DEM que o acolheu.

O fato é que o sucesso da estratégia para viabilizar a candidatura da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pegou a oposição desprevenida, e ela agora corre literalmente atrás do prejuízo, embora continue tendo os candidatos mais viáveis para a eleição de 2010.

Mas, enquanto o PT engoliu em seco a candidatura de Dilma, tirada do bolso do colete por Lula, e agora se une em torno dela, os tucanos não conseguem chegar a acordo quanto ao seu candidato, e se digladiam entre diversos grupos.

Mais difícil ainda para um partido de oposição, os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, temem encarar uma disputa com um presidente popular e quase brigam em público pela primazia de ser amigo dele. O PSDB age como se, para ser eleito presidente, o candidato tem que ser aceito por Lula. Lula, diferentemente, aumenta sua força política à medida que transforma um poste em uma candidata viável, numa atuação política ilegal, mas eficaz.

Num dos muitos comícios que tem feito pelo país, Lula cutucou o governador paulista José Serra ressaltando o absurdo de o estado mais rico da Federação ter uma taxa de 10% de analfabetos, para constrangimento do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do DEM, aliado dos tucanos.

Constatado o erro - São Paulo tem cerca de 4% de analfabetos - , a "acusação" foi retirada da versão oficial do discurso, mas não houve pedido de desculpas. Quem reagiu, indignado, foi o ex-ministro da Educação e hoje deputado federal Paulo Renato de Souza, que chamou a atitude de Lula de "covarde".

Serra, ao contrário, tirou a culpa de Lula e jogou-a no colo do ministro da Educação. Assim como quando quer criticar o governo, ataca o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pela manutenção da maior taxa real de juros do mundo, como se Lula nada tivesse com essa decisão.

Já o governador de Minas, Aécio Neves, vai a Brasília e faz questão de confraternizar com o maior partido de apoio ao governo, o PMDB, alimentando a especulação de que poderá trocar de legenda para disputar a eleição presidencial.

Em visita ao presidente Lula, que já defendeu publicamente sua adesão ao PMDB, Aécio fez questão de elogiar a ministra Dilma Rousseff.

A oposição está cometendo o mesmo erro de 2005, quando considerou que o presidente Lula estava ferido de morte com o escândalo do mensalão e sangraria em praça pública até ser derrotado na eleição de 2006 por qualquer tucano que se apresentasse ao eleitorado.

Na suposição de que o governo não tinha candidato viável dentro do PT, e que Lula não conseguiria fazer a transferência de sua popularidade para um "poste", os tucanos aguardavam a campanha de 2010 certos de que tinham tempo para acertos internos entre os dois governadores.

Ao contrário, a divisão só faz aumentar, e o PSDB emite sinais desencontrados sobre seu papel oposicionista. Na sucessão do Senado, ao contrário de apoiar a candidatura de Sarney, como fez o DEM, aliou-se ao PT, como se o senador Tião Viana representasse "a parte boa" do partido, ressuscitando o PT como representante da ética na política.

A estratégia correspondeu a um desejo dos que apoiam a candidatura de Serra, que com isso queria fortalecer seus laços com o PMDB da Câmara, representado pela candidatura de Michel Temer.

Já os seguidores de Aécio queriam o apoio a Sarney. Adiante, na escolha do líder na Câmara, mais uma vez dividiu-se o partido entre os apoiadores de Aécio, que manobraram para eleger o deputado José Aníbal, e os do governador Serra, que ameaçaram criar uma dissidência interna.

Pelo lado petista, o movimento é justamente o contrário. O antigo Campo Majoritário, que ainda obedece à liderança do ex-ministro José Dirceu, e o grupo liderado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, reagiram inicialmente à indicação de Dilma Rousseff como a candidata oficial do partido, mas logo compreenderam que o apoio de Lula seria essencial para qualquer candidatura vingar e se uniram em torno da imposição presidencial.

A escolha de Dilma pareceu inicialmente uma cartada fadada ao fracasso, mas aos poucos "a mãe do PAC" foi ganhando visibilidade e hoje já parece uma possibilidade real de candidatura.

A oposição, especialmente o PSDB, com receio de se opor a um presidente popular e sem ter alternativas para apresentar ao eleitorado, já que suas bandeiras foram assumidas por Lula, anda às tontas, e o máximo que consegue é imitar o governo federal. (Continua amanhã)

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