segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Os EUA não eram os culpados?

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Os últimos números mostram que a queda na atividade econômica, no último trimestre de 2008, foi extremamente forte nos países ricos da zona do euro e nos asiáticos. Na verdade, muito mais forte que nos EUA.

Quanto ao futuro próximo, análises do FMI sugerem que a recessão será mais profunda nos europeus e asiáticos do que nos EUA. E, finalmente, que os EUA devem se recuperar mais rapidamente que os outros países ricos.

Não era para ser o contrário?

Quando a crise começou, parecia que era "apenas" dos EUA, mais exatamente do modelo de capitalismo americano, mais aberto, menos regulamentado. Governantes dos países da zona do euro e asiáticos, com seus modelos de maior intervenção estatal, apressaram-se em recriminar os colegas americanos. "Parece que os professores estão com alguns problemas", comentou o primeiro-ministro da China. "A era do laissez-faire acabou", decretaram os presidentes do Brasil, Lula, e da França, Nicolas Sarkozy. Ambos diziam que seus países estavam relativamente bem protegidos.

Não era bem assim. A crise avançou, atingiu a todos e mostrou-se mais virulenta ainda fora dos EUA. Mesmo assim, todos continuaram a pôr a culpa no modelo americano, que teria contaminado os demais. É fácil fixar a culpa dos excessos financeiros de Wall Street e da falta de regulamentação pelo governo americano. Até Allan Greenspan acha que algo saiu muito errado com o sistema financeiro.

Mas os problemas não ficam por aí. A crise atingiu a economia real do mundo todo. E como foi isso? Os americanos, de novo - diz, por exemplo, o argumento chinês. É um argumento que traz certo rancor, algo mais ou menos assim: então a China aceita seu papel de exportador na globalização, sacrifica os consumidores nacionais para gerar excedentes de exportação e, quando está tudo funcionando bem, o "grande consumidor" - o americano, é lógico - simplesmente quebra e desaparece dos shoppings?

Lembram-se do varejo de antigamente, pequenas lojas, sempre operadas pelos seus donos? Lembram-se de como o vendedor ficava furioso com o freguês que não comprava nada? É como os chineses - e todos os asiáticos do modelo exportador - parecem estar se sentindo.

Números justificam essa bronca. No último trimestre de 2008, a China cresceu praticamente zero, um desastre para um país acostumado a taxas anuais de expansão acima dos 10%. As exportações caíram pela primeira vez na história moderna. E o Japão, precursor do modelo exportador? No último trimestre do ano passado, o produto caiu a uma taxa anualizada de 10%. Sabem o que é isso, encolher 10%? E as exportações de dezembro foram nada menos que 35% menores do que as do mesmo mês de 2007.

Quase tudo porque os americanos, excessivamente endividados e tendo perdido a riqueza que estava na bolha financeira, reduziram drasticamente os gastos.

Tudo se passa como se os asiáticos tivessem sido obrigados a assumir esse papel. Não foram, é claro. Eles apenas perceberam, muitos anos atrás, que esse era o melhor atalho para crescer rapidamente e, sim, enriquecer. Com aqueles salários baixos? É a justa pergunta.

Mas salários baixos numa fábrica de Barbies ainda era melhor que a miséria da zona rural. E depois, olhando para a frente, sempre havia o exemplo do próprio Japão: começou do mesmo modo, apenas exportador, com salários de fome e, pouco a pouco, à medida que o país ia ganhando dinheiro, foi mudando para um modelo que incluiu salários mais altos, mais consumo, mais bem-estar.

Mas não houve tempo para a China e os demais asiáticos. (Houve, em boa parte, para a Coreia do Sul, que continua exportadora, mas com um padrão de vida mais perto dos ricos.)

Que fazer? Se a recuperação dos EUA e do Ocidente rico e consumidor demorar, a China e os demais terão de começar a mudar o modelo desde já. Em outras palavras, criar mecanismos para aumentar a renda e o consumo internos e tornar a economia mais balanceada. Ou seja, eles precisam aproximar mais seu modelo do... americano! Essa crise é surpreendente todo dia.

Metrô de Serra no PAC de Dilma - O governo federal incluiu no PAC um investimento de R$ 1,9 bilhão no Metrô de São Paulo, por entender que se trata de verba federal. Eis os detalhes: R$ 1,6 bilhão corresponde a um empréstimo do BNDES. Como o BNDES é federal - tal é o argumento -, pode-se dizer que se trata de dinheiro de Brasília e, pois, o Metrô pode ser incluído no PAC. Os outros R$ 300 milhões correspondem a um repasse de Brasília à companhia paulista que constrói o metrô. Logo, é PAC de novo.

Mas, olhando bem os dados, a história sai um pouco diferente. O empréstimo do BNDES é mais que antigo. É do início dos anos 90 (governo Fleury!) e vem sendo utilizado pelo governo paulista desde então. Incluir isso no PAC como investimento novo é, no mínimo, forçar a barra. Além disso, se todos os empréstimos da carteira do BNDES devem ser postos como "dinheiro de Brasília", então Lula e a ministra Dilma estão bobeando: o PAC pode ir a trilhões de reais, ficar maior que o plano de Barack Obama.

Finalmente, quanto ao repasse dos R$ 300 milhões, trata-se de uma espécie de devolução. Nas diversas transações entre os governos paulista e federal, ficou uma sobra de R$ 300 milhões a favor de São Paulo. Que foi destinada ao Metrô.

Tudo considerado, na eleição de 2010 haverá o metrô da Dilma e o metrô do Serra. Cada qual tentando convencer o eleitor.

Desde Jesus Cristo - O senador republicano Mitch McConnell encontrou uma boa maneira de mostrar que o presidente Obama quer gastar muito dinheiro. Disse: "Se você tivesse começado no dia em que Jesus Cristo nasceu e tivesse gasto US$ 1 milhão por dia, não dava o Plano Obama." Pode fazer as contas: 2008 anos vezes 365 dias dá exatos US$ 732,92 bilhões.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário