quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Política de risco

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. É surpreendente a popularidade ser mantida apesar de a crise estar se aprofundando desde outubro do ano passado. Estamos vendo os números oficiais saindo cada vez piores, queda da produção industrial recorde em dezembro, desemprego aumentando, o país entrando claramente em um período recessivo desde o último trimestre de 2008. Era esperável, seria razoável, que a popularidade do presidente decaísse, mesmo que não fortemente. Mas, ao contrário, está subindo, parece não ter limites.
É um fato político relevante e demonstra que, fora qualquer outro tipo de qualidade que possa ter, a capacidade de se comunicar de Lula com o público é admirável, de passar para ele um interesse genuíno em resolver os problemas, evitar que o pior aconteça.

Mesmo que esteja tomando medidas equivocadas - e está -, mesmo que tenha dito muita bobagem, como aquela história da "marolinha", ele consegue passar para a sociedade uma imagem de homem público empenhado na solução dos problemas, uma dedicação para resolver os problemas, que parecem bastar, pelo momento, para a maioria da população.

É isso o que as pesquisas de opinião refletem. As pessoas tendem a acreditar nele, tendem a gostar dele. Mas, analisando os detalhes da pesquisa, vemos que os entrevistados já percebem que existe uma crise no ar. Boa parte declara ter medo de perder o emprego, muitos já têm conhecimento de pessoas em seu entorno que foram demitidas.

Isso significa que até este momento as pessoas estão comprando sem discutir a promessa do presidente Lula de que a situação econômica está ruim, mas vai melhorar, porque o Brasil é um dos países mais bem preparados, se não o mais preparado, para enfrentá-la.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a dizer, num arroubo pouco técnico, que, se o resto do mundo tivesse tomado as medidas que o Brasil tomou, o mundo não entraria em uma crise tão séria. O que parece piada vindo de um dos maiores críticos do Proer, o programa de reestruturação do sistema bancário brasileiro adotado no governo de Fernando Henrique.

Essa confiança exacerbada no presidente Lula e nas medidas que seu governo vem tomando diante da crise internacional tem uma outra face, porém. Se a situação econômica se deteriorar como está sendo previsto, com o PIB crescendo perto de 2% ou menos, ou tendo até mesmo crescimento negativo como já especulam alguns analistas, as consequências no desemprego serão muito grandes, e o dia-a-dia do cidadão acabará sendo afetado diretamente.

Nesse caso, será natural que essa expectativa em relação a Lula piore também, em consequência da frustração da sociedade, que hoje apoia, em maciça maioria, o seu governo e a sua ação pessoal.

Nossa experiência com frustrações da sociedade é vasta, desde o Plano Cruzado, que levou o então presidente Sarney do céu ao inferno em poucos meses, com o sucesso efêmero tendo sido comemorado nas ruas pela população, e o fracasso levando a uma reação contrária na mesma intensidade, até a desvalorização do Real em 1999, que quebrou o encanto que fizera com que o então presidente Fernando Henrique fosse reeleito no primeiro turno um mês antes.

O perigo de o presidente Lula passar à população a expectativa de que a crise não será tão grave, ou que, mesmo grave, ele está a postos para evitar os danos para o Brasil, é justamente a reversão no caso de as coisas não acontecerem como ele está prometendo. Esse é o risco político da maneira que ele escolheu para tratar a crise.

Começou minimizando-a, até mesmo fazendo piada com sua gravidade - "Crise ? Que crise? Pergunta para o Bush" -, para chegar a dizer, ontem, que tudo indica que a crise é maior do que a registrada em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York e uma depressão econômica que levou mais de uma década para ser superada, com a Segunda Guerra Mundial sendo, para muitos analistas, a responsável por essa superação, por ter colocado a economia americana para funcionar a todo vapor.

Ao lado da retórica de palanque de Lula, há também os projetos de palanque que, se criam a falsa impressão de que muita coisa está sendo feita, podem acabar se revelando ineficientes para ajudar a sair da crise. Ontem, a ministra do Planejamento Dilma Rousseff fez um balanço do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o carro-chefe de sua campanha para se firmar como candidata petista à sucessão de Lula, e mostrou como o governo está tendo dificuldades de gestão na implantação do programa.

O aumento anunciado de R$455 bilhões, na verdade abrange investimentos do setor privado e das estatais planejados, mas sem garantias de execução, e um período que vai além das tamancas da era Lula.

Apenas R$142 bilhões desse montante estão previstos para obras até 2010, e a maior parte do aumento, R$313 bilhões, fica para o sucessor de Lula, a quem caberá verificar a viabilidade e a conveniência das obras. O PAC agora trilionário, no entanto, depende muito pouco do governo, que no ano passado só conseguiu gastar 60% do orçamento previsto para as obras de sua responsabilidade direta.

Entre os principais projetos incluídos no PAC reformulado está o crédito para a Petrobras explorar petróleo na camada do pré-sal. Mas, como o preço do barril do petróleo está em queda no mercado internacional, é difícil encontrar justificativa para investimentos tão substanciais em um período de crise, uma política na contramão das grandes empresas internacionais, que estão cortando custos e contendo investimentos.

Os especialistas acham que o anúncio de investimento de U$174 bilhões até 2013 não passa de um golpe de marketing, para manter a expectativa de futuro glorioso. O próprio presidente da Petrobras já admitiu que cerca de 35% dos investimentos podem ser cortados se não encontrarem financiamentos. Até o momento, o maior financiador da Petrobras chama-se BNDES.

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