quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A síndrome do presidente

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mais o presidente Lula parece ficar fora de si, mais autêntico ele se revela. Nos seus furiosos destampatórios, quando perde a "postura" - como reconheceu, alterado, a certa altura do seu discurso de 50 minutos para alguns milhares de prefeitos e acompanhantes reunidos em um centro de convenções de Brasília na terça-feira - é que ele expõe as suas "metamorfoses". Os 84% de aprovação popular deixaram-no totalmente despreocupado com a possibilidade de ser prejudicado por alguma bobagem que fale ou mesmo por alguma das patranhas a que costuma recorrer em seus discursos cotidianos. Aos 63 anos, duas vezes titular da República, Lula ainda conserva, entalada, uma profunda compulsão de desforra da ordem social que o fez comer o pão que o diabo amassou, antes que conseguisse dar a volta por cima como nenhum outro brasileiro que tivesse passado pelas mesmas adversidades.

Lula, a figura pública, com a sua excepcional inteligência e senso de realidade, aprendeu a se conciliar com (e a desfrutar de) um sistema que o Lula, retirante, engraxate e operário, jamais perdoará. A dupla personalidade tem menos que ver com esquerda e direita - se algo não mudou nele é o seu entranhado desdém pelas ideologias - do que com o apaziguamento íntimo dos desencontros entre o "antes" e o "depois" de sua singular biografia. E é por isso que Lula não é cínico quando toma a calculada decisão de se deixar transtornar para jogar as suas plateias contra as "elites" e a instituição que mais ama odiar - a imprensa. Nem por serem de caso pensado, para acentuar a construída polaridade entre ele e "os de cima", como gosta de dizer, as suas investidas deixam de externar o que de inextricável lhe vai pelo espírito. Simplificadamente, é a lógica de sua (aparente) incoerência.

Está para nascer o governante que não se queixe dos meios de comunicação. Mas, no caso de Lula, trata-se de uma obsessão - parte da sua síndrome. Olhe-se ao redor e não se encontrará um líder nacional que diga que a leitura dos jornais lhe dá azia. Mesmo o ex-presidente Bush, que tem em comum com Lula o desprazer de ler, temperou com elogios à imprensa a confissão de que não se informava pelos diários, mas pelos assessores que os digeriam para ele. Foi, portanto, um ponto absolutamente fora da curva - quem sabe por ter achado que passou dos limites com a sua teoria gástrica do jornalismo - a sua surpreendente barretada à mídia, há dias.

"É preciso parar com essa mania de dizer que, porque a imprensa deu, é porque é contra o governo, porque não gosta do governo", admoestou sabe-se lá quem. "Se a imprensa deu e o fato aconteceu, em vez de a gente reclamar, tem de consertar."

Deve ter-lhe custado a retratação. Não surpreende, pois, que o verdadeiro Lula tenha voltado com tudo contra a mídia no grande comício político que foi o Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas. Ele disse que acordou "virado" com o noticiário sobre o pacote de bondades com que o governo os presenteou, a começar do escandaloso parcelamento, em até 20 anos, das dívidas das prefeituras com o INSS, beneficiando até aquelas que fizeram acordo com a Previdência em 2004 e não pagaram as prestações devidas. Foram "insinuações grotescas", atacou. Não foram nem uma coisa nem outra. A imprensa não insinuou nada, mas, sim, associou as bondades à promoção da candidata de Lula à sua sucessão, Dilma Rousseff. E não há nada de artificial no nexo, como ele próprio fez questão de explicar às mulheres dos prefeitos em reunião depois do comício com seus maridos, ao justificar a candidatura Dilma com os exemplos de Michele Bachelet, no Chile, e Cristina Kirchner, na Argentina.

Lula se disse triste "porque estão abusando da minha inteligência". Abusa da inteligência alheia o presidente que tenta tapar o sol com a peneira, negando o que não cessa de fazer, como fez no encontro com os prefeitos, quando, previsivelmente, elogiou a "mãe do PAC" (que subiu ao palco ao seu lado) e, sem mais aquela, soltou uma patranha direta contra o governador-presidenciável José Serra. Triste, no episódio, foi Lula negar que teria chegado aonde chegou sem a liberdade de imprensa, como não se cansava de lembrar. Agora, da nova "metamorfose" sai a versão de que "nunca fui eleito porque a imprensa brasileira ajudou", mas "porque o povo quis". Só que, antes disso, a imprensa apresentou Lula ao País e cobriu exaustivamente o seu percurso - no estrito cumprimento do seu dever de informar.

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