quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

TARSO GENRO E A MÍDIA NEOLIBERAL

Caso Battisti e “caso Dreyfus”, nada a ver
Alberto Dines
DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA


O ministro da Justiça irritou-se novamente com a imprensa e resolveu acusá-la de neoliberal. Estava no Fórum Social Mundial de Belém, e contagiado pelo clima "alternativo" preferiu não comentar as críticas à sua decisão de conceder o status de refugiado ao militante italiano Cesare Battisti. "Falei tudo o que tinha que falar sobre Battisti. Está fora da minha jurisdição."

Manhoso, confundiu alhos com bugalhos e desancou a imprensa que crítica algumas indenizações pagas a vítimas da repressão durante a ditadura militar ("Tarso ataca a imprensa", O Globo, 31/1, pág. 3).

Nada a ver: a política de indenizações foi adotada ainda no primeiro governo FHC quando a Secretaria de Direitos Humanos estava subordinada ao Ministério da Justiça. A imprensa geralmente respeita os pareceres sobre as indenizações. Críticas ou gozações são inevitáveis, embora injustas, no caso de celebridades eventualmente agraciadas com vultosas reparações.

Terceiro voto

O ministro Tarso Genro tentou confundir as pesadas reclamações contra a maneira como desconsiderou o parecer do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados, que recomendou a recusa do status de refugiado a Cesare Battisti) com uma suposta campanha para condenar o ex-militante.

Como lhe faltam argumentos, recorre ao velho bordão ideológico. E antes que alguém lhe sopre a idéia de reviver o caso do capitão Alfred Dreyfus – um dos maiores erros judiciários da história – convém lembrar alguns fatos. O capitão do exército francês foi condenado em 1894 pela imprensa católica anti-semita francesa antes mesmo de julgado num tribunal militar. E foi reabilitado pela justiça graças à pressão da imprensa liberal-progressista do mundo inteiro (o nosso Ruy Barbosa foi um dos primeiros a escrever a seu favor).

Cesare Battisti foi julgado pela justiça do seu país que, até prova em contrário, é plenamente democrático. Erro judiciário, se houve, foi do ministro da Justiça que arvorou-se em juiz sem o devido processo.

Tarso Genro estava furioso naquele dia com o "furo" da Folha de S.Paulo ("Decisão do comitê contradiz todas as alegações de Tarso", 30/1, pág. A-4). O jornal fez um excelente trabalho investigativo e obteve o documento sigiloso de 16 páginas no qual os integrantes do Conare justificam a não concessão de asilo a Battisti.

O ministro recusava-se a divulgar o teor do documento porque dos três funcionários do governo que votaram contra Battisti, dois são subordinados seus, altos funcionários da pasta da Justiça (um deles secretário-executivo do ministério e o outro, delegado da Polícia Federal). O terceiro voto contra a concessão de asilo veio da representante do Ministério das Relações Exteriores.

Contraponto eficaz

Graças às revelações da Folha o STF soube da existência do documento e imediatamente requisitou uma cópia. A divulgação do placar no Conare deixa o ministro em péssima situação. Confrontou três abalizados técnicos do governo, divulgou sua decisão e escondeu o parecer que lhe era contrário. Apesar do seu republicanismo adotou uma posição claramente anti-republicana. E como não poderia investir contra a Folha, que cumpriu estritamente o seu papel, voltou-se contra a mídia "neoliberal".

Carta Capital não pode ser considerada uma publicação identificada com o neoliberalismo. Os artigos de Mino Carta e Walter Fanganiello Maierovich sobre o caso Battisti (edições de 28/1 e 4/2) não têm qualquer travo ideológico. Discutem o comportamento voluntarista e impulsivo do governo brasileiro numa complexa questão jurídica. Seu poder de persuasão advém justamente do fato de que não se trata de um veículo do establishment.

A entrevista de IstoÉ com Cesare Battisti na prisão da Papuda não pode ser considerada como manobra neoliberal para subverter os fatos. É justamente o contrário (ver, neste Observatório, "Entrevista reequilibra o noticiário").

A "grande mídia" (para usar a expressão empregada por Tarso Genro) está desde o início mais interessada na decisão a ser votada no plenário do STF pelos supremos magistrados do que na canetada do ministro da Justiça.

A sociedade brasileira aprendeu a respeitar as votações do STF, confia no seu saber jurídico e no seu senso de equilíbrio. O plenário do STF tem sido um eficaz contraponto ao generalizado simplismo vigente nas esferas oficiais.

Em compensação, a sociedade brasileira deixou de respeitar o Ministério da Justiça a partir do vergonhoso episódio do repatriamento dos boxeadores cubanos, Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, num avião cedido por Hugo Chávez durante os Jogos Panamericanos no Rio (agosto de 2007).

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