terça-feira, 31 de março de 2009

FRASE DO DIA

“O período transcorrido da promulgação do AI-5 até agora foi marcado, politicamente, pelo avanço do processo de fascistização do país. Para levar avante seu programa antinacional, antidemocrático e antipopular, o regime criado pelo golpe de 64 vem, sucessivamente, a partir do AI-1, restringindo as liberdades civis, concentrando o poder nas mãos de uma minoria militar e usando o arbítrio e o terror como métodos de governo para dar solução aos problemas políticos na ordem do dia. Isso não constitui, evidentemente, um traço peculiar à modalidade brasileira do fascismo.

Aqui, como em todas as partes, ele se caracteriza por surgir e definir-se, antes de tudo, como um ataque violento, armado, contra as organizações e instituições democráticas, em geral, e contra as associações de trabalhadores, em particular.”

(Da Resolução Política do Comitê Estadual da Guanabara do PCB – março de 1970)

A crise é do governo Lula

Sérgio Guerra
DEU EM O GLOBO

Mudou o presidente dos Estados Unidos, o do Brasil continua o mesmo. Há poucos meses o presidente Lula dizia: “A crise é do Bush.” Agora foi a Obama pedir providências com a mesmíssima intenção: convencer os brasileiros e talvez a si mesmo que a culpa não é dele.

Se fosse só uma questão de culpas, podíamos nos sentar e esperar o juízo da história. O problema é que o subtexto do “não me culpem” é “não me cobrem mais providências”.

Aí parece demais.

Vamos começar pelas culpas intransferíveis, para cobrar as providências que o governo do PT deve ao país. Porque desculpas sinceras, já sabemos, eles devem, mas não vão pedir nunca. Não pediram pelo “mensalão”. Por que iriam se abalar agora? A culpa de Lula e seu governo não foi a de ter provocado a crise mundial, obviamente, mas eles cometeram dois erros fatais: escancararam as portas do Brasil para a crise e reagiram tarde e mal quando ela chegou.

Primeiro, nos anos de bonança com que foram contemplados, aproveitaram a superabundância de capital externo e o forte aumento da demanda e dos preços das nossas matérias-primas exportadas, não para investir em educação, saúde e infraestrutura, como o país precisa tanto.

Em vez disso, patrocinaram uma verdadeira farra de juros astronômicos para os banqueiros e especuladores; a farra de importações alavancadas pelo câmbio superapreciado; a farra dos gastos de custeio, dos salários inflacionados e dos cabides de emprego para os companheiros na máquina federal. E ainda empurraram muitas empresas produtivas para a armadilha de um hedge cambial insensato, versão cabocla das pirâmides especulativas que arruinaram milhares de empresas e milhões de famílias americanas.

Mesmo dia nteda aceleração da crise, nos meses que antecederam a quebrado Lehman Brothers, o Brasil continuou subindo os juros dos títulos públicos, base da pirâmide dos juros privados siderais e fonte de gastos e déficit públicos.

Erro de economia e subordinação ao capital financeiro, que não é de responsabilidade apenas do Banco Central, mas do governo e do presidente.

Esse erro — na verdade uma sequência espantosa de erros — explica por que a crise está batendo mais forte no Brasil do que na maioria dos países, como os dados do PIB e do emprego começam a mostrar.

Segundo, quando a crise apontou no horizonte, reagiram com as bravatas de sempre. Palanque, propaganda, piadinhas e pesquisas. Pesquisas, diga-se de passagem, que refletem a popularidade do presidente no espelho retrovisor (com os primeiros sinais de desgaste), enquanto o muro da frustração cresce à sua frente. Mas a inconsequência, num quadro desses, e partindo de quem parte, tem consequências.

Do ponto de observação privilegiado em que se encontram, o mínimo que o presidente e seus auxiliares tinham obrigação de fazer era ver o tsunami chegar e tocar o alarme. Em vez disso, chamaram o povo para a praia — ou para as compras.

Em suma, esbaldaramse feito a cigarra da fábula no verão. E mentem feito Pinnochio na chegada do inverno. Tripudiam sobre a verdade ao repetir sem descanso nem pudor o conto do PAC. Não deixa de ser um verdadeiro escárnio com o país falar-se em “aceleração do crescimento” quando o PIB desaba desse jeito. “Aceleração” de 5% ao ano para zero? Mas não se dão por achados e já estão no palanque inaugurando casas de vento.

E o pior: enquanto enganam, perdem tempo quando o país mais precisa de verdade e coragem para tomar as duras decisões que poderiam, talvez, amortecer o tombo econômico nacional e amenizar o sofrimento da crise.

Com verdade e coragem, já deveriam ter revertido o que ainda der para reverter da gastança desatinada que promoveram. Já deveriam ter alinhado os juros básicos do Brasil com os do resto do mundo. Já deveriam ter implantado mecanismos que avalizassem o crédito para as pequenas e médias empresas. Já deveriam ter refeito em moeda nacional os créditos perdidos no mercado internacional pelos exportadores. Já deveriam ter começado uma verdadeira parceria com os governos estaduais e prefeituras que têm capacidade gerencial e financeira para acelerar efetivamente os investimentos.

Com pirotecnias e paliativos, prolongam a agonia e aprofundam o buraco aos seus pés, arrastando um país inteiro com eles! Os Estados Unidos tiveram ao menos a sorte de poder trocar de comando quando a crise bateu à porta.

O Brasil terá de agüentar mais dois anos desse não governo. Haja fé na democracia e paciência.

Sérgio Guerra é senador (PE) e presidente nacional do PSDB.

Bolhas, paradigmas e arquiteturas

Lourdes Sola
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A perspectiva de uma desaceleração econômica maior do que foi antecipada pelo governo desarmou de vez sua estratégia de comunicação política, que de ofensiva passa a defensiva. De um só golpe as cifras desautorizam os "diagnósticos" e a qualidade técnica dos discursos que compunham o quadro otimista - as reações espertas do tipo "o problema é do Bush", a metáfora da "marolinha" e a imprudência de reiterar uma taxa de crescimento implausível para 2009.

Estourada a bolha otimista, as incertezas do cenário econômico impõem sobriedade e coerência ao governo e a seus críticos. Afetam os cálculos eleitorais e abrem espaço para uma revisão dos cálculos políticos de longo prazo, ou seja, para as estratégias a partir das quais se constroem (e reconstroem) a imagem e a tradição dos partidos entre outras instituições. Dessa perspectiva, a variável relevante é a construção de uma agenda pública viável, que organize as respostas ao novo cenário político-econômico. Mas a eficácia de uma agenda propositiva depende também de sua forma de apresentação e de seu timing, portanto, da estratégia de comunicação política.

Nem governo nem oposições se preparam para tanto, porque não superam os termos em que se dá a concorrência eleitoral. Estão pautados pela dominância midiática do presidente Lula e pelo uso intensivo dos recursos políticos à sua disposição. Quando muito invoca-se uma "mudança de paradigma" - (mal) entendida como a volta à prevalência do Estado sobre o mercado - toda vez que estão em pauta questões como disciplina fiscal, qualidade dos gastos e o sistema de privilégios incrustados no Estado.

A falta de empenho de uns e outros na construção de uma agenda propositiva tem uma explicação: os termos por onde passa o debate sobre ela já mudaram, mas os mapas cognitivos continuam defasados, por conveniência, rigidez ou ideologia. A crise global, de fato, ilumina uma mudança na equação Estado-mercado, mas não há como inferir a natureza do "novo paradigma" - expressão que denota um sistema estável e sustentável. Ironicamente, trata-se de uma metáfora equivalente àquela de "arquitetura financeira", ainda cultivada pelos ideólogos do mercado e arautos da desregulação financeira radical. Uma metáfora que serviu para assegurar que o sistema pós-Bretton Woods (1972-2008) - por definição, instável e movediço, um "não-sistema" - tinha as qualidades de um bom edifício: solidez, funcionalidade e, se possível, elegância. Deu no que deu.

O cenário político-econômico global impõe uma mudança de perspectiva, sim, mas a partir de um diagnóstico sensível aos contextos e às trajetórias específicas. A nossa estará pautada por duas grandes transformações: pela forma de inserção do Brasil no sistema internacional e pela nova forma que adquire o conflito distributivo no novo cenário econômico.

As novas formas de inserção do Brasil no sistema internacional incluem, mas não se esgotam na invulnerabilidade comparativa a choques externos. Derivam de uma mudança no eixo do poder econômico global, com destaque para dois dos demais Brics, a China e a Índia, cuja ascensão se explica também por suas respectivas trajetórias de integração à economia global. No caso do Brasil, ela é um subproduto de dois processos que pautaram a agenda pública nos anos 90. Por um lado, a integração à economia global por meio da liberalização gradativa do comércio internacional e do sistema financeiro, que, somados à política seletiva de privatizações, redundaram numa mudança significativa na equação Estado-mercado, a favor do segundo termo. Por outro lado, a construção gradual e negociada de um sistema institucional moderno de regulação e de supervisão financeira - que explica o baixo risco de uma crise bancária entre nós - reflete o papel disciplinador do Estado como poder público, nessa esfera específica. Esses são desdobramentos que o presidente Lula se empenha em valorizar aos olhos do G-20 e do presidente Obama, embora inseparáveis da herança bendita. Dessa perspectiva há espaço para otimismos, desde que se reconheça o seguinte: tais mudanças estruturais explicam porque o Brasil tem interesse direto na "globalização". A rejeição do protecionismo (dos ricos) a ser reiterada na cúpula do G-20 não é marola, tem bases em interesses socioeconômicos já consolidados e corresponde ao interesse nacional.

Numa democracia de massas o consumidor-eleitor tem duas vozes, que não falam no mesmo tom. O consumidor já acusou o golpe e redefine seus hábitos. As reações do consumidor-eleitor dependerão das estratégias de persuasão empregadas pelas forças políticas em jogo e da credibilidade das instituições a partir das quais essas forças se manifestam (em queda livre no Legislativo). A frustração e a incerteza típicas dos tempos de vacas magras levarão nosso ator a ser mais atento a dois desdobramentos: aos mecanismos da corrupção e aos sistemas de privilégio articulados em torno do Estado. Minha aposta é que, junto ao crescimento, a questão distributiva ocupará o centro do palco político, sob nova roupagem. Para além da desigualdade da renda e da inclusão social - que é também inclusão no mercado consumidor, aqui como na China -, o foco deverá incidir também sobre a redistribuição de penalidades e de privilégios que se articulam em torno do Estado. A opinião pública estará mais sensível aos outros ingredientes que compõem a justiça distributiva: aos mecanismos de prestação de contas que o sistema político deixa de oferecer, às reivindicações de maior igualdade perante a lei e ante o Leão. As respostas a essa nova sensibilidade podem redundar em aprimoramento das instituições ou em caça às bruxas, que já é o grande risco dessa oportunidade.

Lourdes Sola, professora da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências, é presidente da Associação Internacional de Ciência Política, do conselho diretor da Global Development Network, da International Institute for Democracy and Electoral Assistance e do Instituto Internacional de Ciências Sociais

Com a crise, popularidade de Lula cai

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Pesquisa do Sensus mostra queda de 10 pontos percentuais na avaliação do governo

BRASÍLIA. Os reflexos da crise global na economia brasileira provocaram abalo na avaliação do governo e na aprovação do desempenho pessoal do presidente Lula. A avaliação do governo sofreu uma queda de dez pontos percentuais em março, segundo a pesquisa do Instituto Sensus encomendada pela Confederação Nacional de Transportes (CNT) e divulgada ontem. O índice positivo passou de 72,5%, registrado em janeiro, para 62,4%, agora. Já a queda na aprovação pessoal de Lula foi de oito pontos no mesmo período, passando de 84% para 76,2%. E a desaprovação subiu de 12,2% para 19,9%. A pesquisa foi feita entre 23 e 27 de março, com dois mil eleitores em 136 municípios de 24 estados. A margem de erro é de três pontos percentuais.

O levantamento confirma que a queda de popularidade está diretamente relacionada à crise.

Em dezembro, quando os efeitos da crise ainda não eram fortemente sentidos no país, 38,5% dos entrevistados pelo Sensus disseram que a situação do emprego piorara. Agora, esse percentual é de 54,5%. E os otimistas, que consideram que houve melhora na geração de empregos, diminuíram: de 32,7% em janeiro para 20,9% em março.

Na pesquisa, 38,7% dos entrevistados afirmaram que conhecem alguém que perdeu o emprego devido à crise, e outros 24,8% souberam de pessoas que ficaram desempregadas. Outros 34,9% disseram não conhecer ninguém nessa situação.

A pesquisa mostra que, hoje, 44,8% têm receio de perder seu emprego caso a crise se agrave. Em janeiro, esse índice era de 43,8%.

Outro dado que reflete a preocupação da população trata da renda mensal nos últimos seis meses. Para 32,6 %, a renda diminuiu nesse período — em janeiro, o índice era de 23,2%. A renda ficou igual para 40,3%, contra 49,3% em janeiro.

Entre os que dizem que a renda aumentou, houve leve oscilação: de 25,3% para 24,6%. Mesmo assim, 40,1% afirmaram que o Brasil está lidando adequadamente com a crise econômica, enquanto 26,5% disseram o contrário.

— Está claro que a avaliação do emprego e da renda influenciaram na popularidade do governo.
Houve uma queda significativa no desempenho do governo Lula, embora a aprovação permaneça alta. Esses números mostram que voltamos aos patamares anteriores à crise financeira — observou o cientista político Ricardo Guedes, do instituto Sensus.

Serra lidera nas intenções de voto para 2010

Os dados da pesquisa para a sucessão presidencial de 2010 apontam uma polarização entre o o governador paulista José Serra (PSDB), pré-candidato do PSDB, e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), nome do presidente Lula. Serra lidera com folga em todos os cenários em que aparece, tendo crescido três pontos percentuais entre janeiro e março.

Dilma também cresceu no período e, pela primeira vez, está à frente do governador Aécio Neves (PSDB-MG), numa eventual disputa com ele no segundo turno. Ela também supera Aécio na pesquisa espontânea, quando os nomes não são sugeridos.

No primeiro cenário, Serra lidera com 45,7% das intenções de voto (eram 42,8% em janeiro), enquanto Dilma subiu de 13,5% para 16,3%. A vereadora Heloísa Helena (PSOL) oscilou de 11,2% para 11%. Quando Serra é substituído por Aécio, há empate técnico entre o mineiro (22%) e a petista (19,9%). Como candidato governista, Ciro Gomes (PSB-CE) fica em segundo lugar, com 14,9%. Serra tem 43,1% e Heloísa, 12,8%.

Nas simulações de segundo turno, Serra ganharia com folga, se a eleição fosse hoje. Teria 53,5% dos votos, numa disputa com Dilma, que ficaria com 21,3%. Mas, se o candidato tucano fosse Aécio, Dilma levaria vantagem, numa disputa acirrada: 29,1% contra 28,3% do tucano. Em janeiro, Aécio aparecia com 30,4% das intenções de voto, contra 23,9% de Dilma.

Na pesquisa espontânea, ela também é mais lembrada do que Aécio (2,9%), ficando em terceiro lugar, com 3,6%, atrás de Serra, com 8,8%, e de Lula, com 16,2%. Outro dado que chamou atenção é que, apesar da queda de popularidade, cresceu a capacidade de Lula de transferir votos: 21,5% disseram que votariam em um candidato apoiado pelo presidente.

Em dezembro, eram 15,6%.

Alma do negócio

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O aumento do índice de intenções de voto da ministra Dilma Rousseff (29%) para a Presidência da República no confronto com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (28%), é a notícia nova que traz o instituto Sensus em relação às pesquisas do Ibope e Datafolha, divulgadas na semana passada.

As três registraram a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva, bem como a redução da confiabilidade no desempenho do governo.

Todas confirmam a dianteira ainda folgada do governador de São Paulo, José Serra, na disputa presidencial de 2010 e também ratificam as manifestações espontâneas de preferência pelo presidente Lula, se fosse candidato.

É um cenário difícil de ser transposto para a realidade futura e tomado como verdade absoluta, porque muitas de suas variantes são hipotéticas. Umas prováveis, algumas possíveis, outras meras conjecturas sobre o inexequível, como a candidatura Lula citada por 16% dos consultados.

Nesse quadro das lembranças não induzidas, Serra cai dos 45,7%, quando a escolha é feita em lista de potenciais concorrentes, para 8,8%. Dilma fica com 3,6% e Aécio com 2,9%. Em matéria de escolha eleitoral propriamente dita, esses dados não significam nada, mas dizem muito a respeito do trabalho de divulgação de um pretendente a candidato.

Se 16% citam Lula sabendo que não estará na disputa, fazem isso porque é o nome que lhes vêm à mente em primeiro lugar, é o personagem mais presente na cena nacional. A mesma lógica pode se aplicar à evolução dos índices de Dilma, uma evidência da eficácia da ofensiva posta em prática pelo governo desde fevereiro de 2008, quando do batizado da "mãe do PAC".

Abstraindo juízo de valor sobre os métodos e a desigualdade dos instrumentos, está demonstrado o quanto, também na política, a propaganda é a alma do negócio.

Aécio Neves está na vida pública há mais de 20 anos, foi presidente da Câmara dos Deputados, é neto do fiador da transição democrática, cumpre o segundo mandato como governador do segundo colégio eleitoral do País, há um ano circula como presumido pretendente a presidente.

É bem visto no empresariado, cobiçado por partidos políticos, nos últimos meses reforçou e explicitou as investidas para se apresentar como alternativa de poder, tem estampa e juventude, inegável "appeal" e vocação à cortesia. Tanto esforço e atributos, porém, não o fazem andar para frente nas pesquisas.

Nem de maneira substancial para baixo. Ficou ali, andando meio de lado, enquanto a ministra Dilma, que nunca disputou um voto, não chegaria entre as dez primeiras em concurso de miss simpatia, não encarna grandes simbologias, não tem traquejo político, depende do capital eleitoral de outrem, conseguiu entrar no rumo de uma trajetória ascendente.

É, na percepção de uma parcela crescente, a imagem e semelhança do presidente Lula. Ainda não se trata de saber - por impossível - se com isso poderia se eleger, mas de constatar que conseguiu obter uma marca. Dilma é Lula e ponto.

Serra é o obstinado que perdeu uma vez a Presidência, retomou a trilha via prefeitura, tentou disputar outra vez sem sucesso, contornou o obstáculo elegendo-se governador e agora se empenha em definitivo para chegar lá. Serra, portanto, simboliza algo facilmente reconhecível pelo eleitorado.

Heloísa Helena é reduto dos utópicos e radicais, sucessora de Lula na representação do combate a isso "tudo que está aí".

Já o governador Aécio até agora não conseguiu se enquadrar em um perfil: fala para Minas como redentor do peso político do Estado, mas para o restante do eleitorado não se apresenta com características marcadas que agradem ou desagradem, muito antes pelo contrário.

É visto como aliado de Lula, é tido como adversário de Serra, avança e recua, movimenta-se, mas não dá o norte ao eleitor, o que traduz uma estratégia de propaganda ineficaz. Ou, então, revela uma vontade apenas relativa de realmente se candidatar agora à Presidência.

Voo cego

O delegado Paulo Lacerda, ex-diretor-geral da Polícia Federal, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência, hoje lotado na Embaixada do Brasil em Portugal, deu a um grande amigo a seguinte definição do delegado Protógenes Queiroz:

"É um investigador muito bom, mas tem de ser monitorado de perto. Se ficar quatro dias solto, por conta própria, sai voando, investiga do presidente dos Estados Unidos às relações de poder na Austrália."

Dilmo


O presidente da Câmara, Michel Temer, sabe da falta de unidade do PMDB para aderir oficialmente a alguma candidatura, mas está mesmo com vontade de ser vice de Dilma Rousseff. Pelo sim pelo não, sondou o ministro Geddel Vieira Lima sobre seus planos de ocupar a vaga.

Saiu a conversa com passe livre para investir.

Sem proteção

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Mesmo tendo sido gerada no centro do sistema econômico internacional pelos “brancos de olhos azuis”, ou justamente por isso, a crise resultará em um “generalizado, profundo e prolongado” efeito negativo na economia da América Latina, sem distinção de países ou de quanto esta ou aquela economia está ligada aos mercados internacionais, o grau de abertura das economias ou suas condições macroeconômicas iniciais. Estas são as conclusões de um estudo dos economistas Ramón Pineda, Esteban Perez e Daniel Titelman, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que descartam a possibilidade de algum país estar mais bem preparado para enfrentar a crise, dada sua magnitude sem precedentes e os recentes resultados macroeconômicos da região.

O trabalho analisa o comportamento econômico de 17 países da região: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. As crises acompanhadas foram as da dívida externa (198083); a de instituições de empréstimos e poupança (198791); a mexicana (1994-95); a da Rússia (1997-99), e a da Argentina (2001-2002).

Segundo o estudo, as evidências mostram que o impacto das crises financeiras está relacionado fortemente com o grau em que as finanças externas ficam escassas e caras, e a magnitude da interrupção dos canais de comércio externo.

As evidências atuais, dizem os economistas, não permitem imaginar que os efeitos da crise serão diferentes daqueles que atingiram seriamente a região no passado.

Mais uma vez, dizem, as condições externas estão batendo forte na região.

O fluxo de financiamentos privados para a América Latina está experimentando um declínio em 2008 (US$ 184 bilhões em 2007 contra US$ 89 bilhões in 2008), e uma contração maior é esperada para este ano, quando deve cair para US$ 43 bilhões. O comércio internacional, por sua vez, deve cair mais de 2% em relação ao ano passado.

Uma análise do comportamento do PIB per capita nas crises anteriores mostra que a região teve uma queda média entre 1,2%, durante a crise argentina, e 12,6%, durante a crise da dívida.

Comportamento similar teve o investimento, com uma queda que variou entre 13,7% na crise mexicana e 46,6% na crise da dívida.

A média de redução do fluxo de financiamentos foi de 2,7% do PIB, durante a crise de empréstimos e poupança, e 8,4%, durante a crise da dívida, enquanto a contração média das exportações foi de 4,1% durante a crise mexicana e 38,2% durante a crise da dívida.

Desde o segundo semestre de 2008, o fluxo de capitais privados está decaindo em uma média de 2% do PIB da região. O comércio internacional também está previsto para cair mais de 2% durante este ano.

As evidências também mostram, segundo o estudo, que, nas ocasiões anteriores de crise, a piora das condições externas é acompanhada pela contração da atividade econômica em muitos países da região, pelo mesmo período de tempo.

Já tendo sido superada a fase em que se acreditava que poderia haver um descolamento das economias regionais em relação à crise global, agora se discute até que ponto os governos da região terão condições de adotar uma política contra-cíclica para evitar os efeitos da crise.

O estudo admite que a melhora nas condições econômicas internas nos últimos seis anos, incluindo uma posição fiscal mais equilibrada, a redução da dívida externa, o controle da inflação e a acumulação de reservas internacionais por alguns países da região, estão ajudando alguns países a financiar essas políticas.

O Brasil, segundo o estudo, é um dos países que menos dedicaram recursos a estas políticas contracíclicas: enquanto colocamos 1% do PIB nessas políticas, a Argentina colocou 5,7%; a Bolívia 1,9%; o Chile 2,2%; a Colômbia 4,2%; a Costa Rica 0,7%; a Guatemala 0,8%, Honduras 0.6%; o México 0,6%; e o Peru 2,4%.

No entanto, para os economistas da Cepal, não obstante os esforços para mitigar os efeitos da crise, esses devem ser insuficientes para evitar a estagnação ou mesmo a contração da atividade econômica da região, devido ao caráter sistêmico da crise atual, além da sua magnitude incomparável.

O estudo mostra que, desde os anos 80 do século passado, a crise se abate sobre a região de uma maneira generalizada, profunda e prolongada, independentemente das especificidades de cada país.

As consequências econômicas negativas e o acesso restrito aos financiamentos externos são comuns a vários países da região, a despeito da heterogeneidade das economias.

Uma das facetas dessa crise é o aumento da remessa de lucros e dividendos pelas empresas estrangeiras para cobrir dívidas no exterior, especialmente as empresas dos Estados Unidos. As empresas automobilísticas, por exemplo, têm ótimo desempenho aqui e o governo ajuda a manter seus lucros com a redução de impostos. Ao mesmo tempo, elas aumentam a remessa de lucros para suas sedes.

O ex-ministro José Dirceu, reforçado politicamente no papel de um dos articuladores da campanha presidencial da ministra Dilma Roussef, denunciou outro dia em seu blog a remessa para o exterior de US$ 33,8 bilhões em lucros e dividendos. Dirceu está errado ao pedir um maior controle do capital estrangeiro, e ao afirmar que esses investimentos não ajudam na produção, são meramente especulativos.

Mas saída maciça de capitais é verdade, tanto que, no ano passado, estávamos remetendo de volta para os Estados Unidos muito mais capitais do que a China, quando há muito mais capital americano na China do que no Brasil. O que indicaria que a confiança na economia brasileira não é tão grande quanto alardeia o governo.

Ciro embaralha campo governista

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Ciro Gomes já foi o candidato de Lula à Presidência da República. Isso foi em 2005, época de mensalão, quando a popularidade do presidente andava pelas tabelas e ele pensou em não concorrer à reeleição, no ano seguinte. O que o PSB quer agora é que Ciro seja uma opção a mais do campo governista no primeiro turno das eleições de 2010, e nada indica que o deputado cearense possa estar em algum palanque de oposição ao presidente.

Ciro tem afinidades com o governador mineiro Aécio Neves, mas à esta altura do jogo sucessório ninguém imagina que eles possam estar coligados no próximo ano, até porque é pouco provável que Aécio seja o candidato do PSDB ou que ele venha a trocar de partido para disputar a eleição. Ciro faz gestos para Aécio por cálculo político.

Ele joga na divisão dos tucanos, ao insistir que eles têm um candidato com mais condições de compor com outras forças políticas que o governador José Serra (SP), e faz acenos seguidos para Minas Gerais, o terceiro maior colégio eleitoral do país. Incensar Aécio também é discurso para Minas.

Ciro voltou com vontade ao jogo eleitoral, uma reclamação recorrente do PSB que o sentia um tanto "apático" no processo. O próprio Ciro reconhece que passou por uma fase pessoal difícil, mas que está pronto para avançar no projeto do PSB: convencer Lula e o PT que polarizar desde agora com José Serra embute um risco de derrota para o tucano. Duas candidaturas, por outro lado, assegurariam a passagem de um dos nomes governistas para a etapa seguinte, com possibilidades de composições no segundo turno.

O PSB recorre a três exemplos, nas duas últimas eleições, para ilustrar o acerto da estratégia de dois ou mais candidatos do campo governista. Um caso de sucesso e dois de insucessos. O primeiro é a eleição de Eduardo Campos para o governo de Pernambuco, em 2006, quando a base saiu com dois candidatos e, no segundo turno, PSB e PT se uniram contra a coligação PMDB-PFL.

Já em São Paulo e no Rio Grande do Norte, em 2008, ocorreu o contrário. Em São Paulo capital, o Palácio do Planalto pressionou para a retirada da candidatura do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) em favor de Marta Suplicy, as oposições se uniram, a eleição foi para o segundo turno, mas ficou sem gás na fase decisiva da disputa eleitoral, pois já não tinha mais espaço por onde compor e ampliar. Em Natal, a candidata única Fátima Bezerra (PT) nem passou de fase.

Lula já conversou com o governador Eduardo Campos, que detém o controle do PSB. Está prevista agora uma reunião do presidente com a Executiva Nacional do partido e, mais tarde, uma conversa individual com Ciro. Enquanto isso, o deputado mantém a agenda de viagens.

Sábado Ciro esteve em Manaus, a convite da federação local da indústria. Na sequência deve ir a Cuiabá (MT), Juiz de Fora (MG), Porto Alegre (RS) e Rio Branco (AC)

Nessas viagens, quando é questionado sobre sua vontade política para concorrer, Ciro costuma dizer que foi "candidato pelo PPS quando o PPS tinha dois deputados e um senador". Agora está num partido que tem 30 deputados (29, para ser exato), três governadores estaduais e dois senadores, além de uma conjuntura que considera mais favorável que as de 1998 e 2002, quando foi candidato a presidente. Ou seja, não está "fazendo fita". Mas também costuma ressaltar que só vai ser candidato dentro de um projeto coletivo.

Segundo o raciocínio exposto por Ciro, a candidatura do tucano José Serra já bateu no teto, ficará por volta dos 41% e, depois, só vai para baixo. Ele acredita que Dilma Rousseff, a candidata de Lula, atinge facilmente os 25% nas pesquisas - resultado do prestígio de Lula e o PT, juntos, combinados. Quando ganhar a visibilidade que Dilma atualmente dispõe, quando for para a campanha, Ciro, que já anda na frente da ministra da Casa Civil, acredita que vai crescer ainda mais. Sobretudo porque terá um discurso forte sobre a crise.

"É claro que muita água vai rolar debaixo dessa ponte até a decisão final", diz o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF). "Agora, nós do PSB temos claro o entendimento que para a continuidade e o aprofundamento do projeto político do presidente Lula é preciso que alguém da base do governo ganhe a eleição - A melhor tática é nos termos mais de uma candidatura da base. Eu não tenho a menor dúvida disso".

"Trata-se de um candidato de continuidade política, mas não necessariamente de continuidade do projeto de governo", diz o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, numa evidente referência à política econômica e financeira.

Duas medidas

Há um tsunami se "agigantando vindo em direção do PT", diz um especialista nos assuntos da sigla. Trata-se da questão da refiliação de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro petista que pretende sair candidato a deputado federal por Goiás. O problema todo é que chegou ao PT informação segundo a qual Lula considera que isso é um tiro no pé. Mexer neste assunto, agora, poderia causar complicações desnecessárias para a candidatura Dilma Rousseff.

Ocorre que, por outro lado, o PT vê o ex-ministro José Dirceu atuar com desenvoltura nas composições regionais para fechar a aliança com o PMDB. A pedido de Lula. O mesmo José Dirceu que, em outras épocas, foi vetado por Tarso Genro para compor a direção nacional do partido.

Então há muito muxoxo e ranger de dentes, especialmente entre as pessoas atingidas pelo mensalão e outros escândalos do PT. O choro é que Lula não teria o direito de exercitar duas políticas: vetar Delúbio e dar missões políticas para Dirceu. Um "protesto silencioso" de quem acha que está sendo usado por debaixo dos panos: ninguém quer que eles apareçam, mas precisam deles para controlar o partido.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

OS OLHOS DO SOL (poema)

Graziela Melo (1/4/1938)

Os olhos
Do sol
São vermelhos
Embriagados
De luz

Não são
Verdes
Nem azuis

Inflamados

Ofuscantes

É o olhar
Que me seduz!!!

Rio de Janeiro, 30/ 03/2009

As ressalvas do desrespeito

Mercio Pereira
Antropólogo e ex-Presidente da FUNAI

As ressalvas do STF aqui analisadas neste Blog e numeradas como 17, 19 e 20, constituem a forca, a guilhotina, ou o garrote com o qual se decidiu dar cabo do processo de demarcação de terras indígenas e, ao mesmo tempo, fazer regredir a política e a tradição indigenista rondoniana para o século XIX.

As demais ressalvas contidas na decisão final do STF, ao término da votação sobre a legitimidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, constituem o cadafalso sobre o qual se instalou a mencionada forca, ou guilhotina, ou garrote.

São ressalvas que definem proibições e restrições do usufruto das riquezas da terra indígena por parte dos índios, determinando a presença inconsultável de forças policiais e militares, bem como do Instituto Chico Mendes.

Os índios não poderão, por exemplo, daqui por diante, fazer uma pequena faiscação de ouro ou alguma pedra preciosa (sem falar em diamantes, Deus me livre!) em suas terras, a não ser que tenha uma licença de garimpagem. Isso era permitido pelo Estatuto do Índio desde 1973. Não poderão mais entrar ou fazer uso (digamos caçar um tatu) em suas terras se elas também se constituírem parques ou reservas biológicas ou florestais, sem permissão explícita do Instituto Chico Mendes, nova instituição que se desmembrou do IBAMA. (Chico Mendes bem que estaria se remoendo em seu túmulo diante dessa norma restritiva imposta aos índios!)

Abrir uma rodovia atravessando uma terra indígena?? Moleza! Agora nem precisa comunicar aos índios, quando mais pedir-lhes permissão, ao menos aconxambrar as coisas! Haja estradas e rodovias a serem feitas pela Amazônia afora. Agora sai a rodovia que querem fazer atravessando a Ilha de Bananal, pois não?! E os índios não terão direito a um mínimo ressarcimento, um simples controle de passagem, um mísero pedágio pelas consequências ambientais e étnicas que advirão dessas estradas.

A segurança das terras indígenas contra invasores fazendeiros, mineradores, madeireiros e pequenos posseiros, caçadores e pescadores sempre esteve a cargo dos próprios indígenas, da Funai (que nem tem poder de polícia, mas os seus funcionários muitas vezes encaram situações perigosas), da Polícia Federal, do IBAMA (que tem poder de polícia) e, por fim, do Exército brasileiro.

Essa segurança tem sido no grosso positiva. Ao contrário dos alarmes das Ongs e do CIMI, somente uma porcentagem pequena das terras indígenas demarcadas e homologadas sofrem invasões; grande parte das invadidas por madeireiros, garimpeiros ou arrendatários o estão por anuência pecuniária com algumas lideranças indígenas mais ousadas e ambiciosas, que passam por cima do sentimento geral do seu próprio povo.

Mesmo assim, terras indígenas são de fato invadidas parcialmente, porém há muito mais terras ameaçadas de serem invadidas. A presença ostensiva das forças acima mencionadas, inclusive a mística protetora dos índios, é fundamental para garantir a segurança das terras indígenas e refrear as ambições de invasores.

Quando há decisão de expulsar invasores de uma determinada terra indígena, com frequência a Polícia Federal e o IBAMA estão a postos para auxiliar as equipes da Funai. Eu mesmo, como presidente da Funai, ordenei tais expedições em diversas terras indígenas, como as do Alto Guamá e Kayapó, no Pará, Arariboia, no Maranhão, Roosevelt e Urueuauau, em Rondônia, Yanomami, em Roraima, Panará e Mekragnoti, no Mato Grosso -- das que eu me lembre. Algumas delas vem sofrendo o retorno de invasores, como no Alto Guamá e na Yanomami -- e aí só com força policial muito forte é que os invasores serão expulsos.

Por sua vez, a segurança de nossas fronteiras sempre esteve a cargo de nossas Forças Armadas, em especial ao Exército. Há batalhões e pelotões do Exército em diversas terras indígenas do Amazonas. Essa presença é essencial para a proteção e segurança do Brasil, sem dúvida alguma. Só a presença do Exército já é importante para que não haja invasores de fora, nem de dentro. Vi isso claramente na região do Alto Rio Negro, em Yauareté.

O relacionamento das Forças Armadas com os povos indígenas tem sido pautado pela tradição do indigenismo rondoniano. Aliás, Rondon sendo um militar positivista não poderia deixar de incutir em seus pares e subordinados a visão que o consagrou de que os índios devem ser respeitados como povos autônomos, suas terras devem ser invioláveis, e, quando se precisar atravessar uma terra indígena, os índios terão que ser consultados sobre isso. O indigenismo rondoniano antecipa em muitos anos a Convenção 169, da OIT, que recomenda a consulta e o consentimento livre e informado dos índios em relação a projetos e ações que os afetem de algum modo.

Eis que, daqui por diante, num retrocesso ímpar, pelas ressalvas 5, 6 e 7, não se precisa mais consultar aos índios sobre essas e outras questões. O Exército não precisa mais consultar os índios sobre manobras militares realizadas em terras indígenas, não precisa mais nem avisá-los sobre suas ações. Por que não?

Considerando tudo isso, o conjunto das 20 ressalvas do STF veio emoldurado por um estranho sentimento de vingança figadal que trata os povos indígenas de uma forma desrespeitosa e, por que não dizer, atrasada e datada. Certamente que esse tipo de atitude, vindo da corte suprema do judiciário brasileiro não cabe no século XXI, no tempo após a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da Convenção 169/OIT, do próprio Estatuto do Índio e, sobretudo, da consagrada tradição rondoniana brasileira.

Regredimos ao século XIX, à legislação imperial em que as províncias comandavam a aplicação da política indigenista, em que a Igreja Católica enviava missionários para "catequisar" com vistas a "civilizar" os índios, a trazê-los para a ingerência miúda e perniciosa do Estado e dos seus entes federativos.

A corte suprema do judiciário brasileiro declarar que os índios não precisam ser consultados sobre a conveniência ou não de se construir uma estrada, uma hidrelétrica, uma linha de transmissão elétrica ou um prédio público em suas terras, ou uma missão militar mais contundente ou complexa -- é algo que não se via há muitos anos.

O desrespeito é evidente. Porém, pior do que o envólucro é o seu conteúdo. Muito pior são as ressalvas 17, 19 e 20.

Quanto tempo levará enquanto essas restrições produzam efeito antes de serem revogadas? Não sabemos. Por enquanto seus efeitos vão ser sentidos imediatamente. Dose cavalar para estancar o processo de demarcação de terras dos índios Guarani, Terena, Kaingang e outros.

Numa análise conjuntural, fica evidente que o STF produziu tais ressalvas de modo figadal como reação ao alarme criado pelas Ongs e pelo CIMI, nos últimos anos, de que o Brasil estaria levando os seus povos indígenas ao desespero, à miséria e à humilhação. A presença de Ongs internacionais em terras indígenas, a paúra amazônica, o sentimento de auto-depreciação do brasileiro elevaram os problemas indígenas a um patamar de alarme inacreditável. Não bastaram as vozes mais equilibradas, entre as quais eu modestamente me incluo. O fato é que o STF ditou novas regras e fez disso uma tragédia da política indigenista brasileira. Essa tragédia tem diagnóstico, estrutura e destino. A soberba das Ongs, do CIMI e do Ministério Público é vingada pelo STF.

Os índios perderam. A tradição indigenista rondoniana perdeu.

E pensar que tudo isso poderia ter sido evitado se prevalecesse a tradição indigenista rondoniana.

O retrocesso do presidente

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mais de uma vez o presidente Lula comentou que a crise lhe faz bem: renovou o seu espírito de luta e deu-lhe uma agenda de que se ocupar, quebrando a rotina de um mandato que já não o confrontaria com grandes desafios. "É uma boa provocação", disse ao jornalista americano Fareed Zakaria, numa entrevista para a rede CNN, gravada em Washington há duas semanas, depois de seu encontro com o presidente Barack Obama, e levada ao ar domingo último. A emissão coincidiu com uma certa marola na imprensa e nos sites jornalísticos dos EUA por conta de sua tirada, dias antes, sobre a responsabilidade pela crise de "gente branca, de olhos azuis", diante de um constrangido Gordon Brown, o primeiro-ministro inglês, de passagem por Brasília.

De fato, a crise tonifica o presidente e o torna ainda mais loquaz do que de hábito, na expectativa de que a sua voz será uma das mais ouvidas na conferência de líderes dos países do G-20, depois de amanhã, em Londres. Em fase de aquecimento, nesses dias de intenso tráfego aéreo de chefes de governo, ele esteve sábado em Viña del Mar, no Chile, para o encerramento da Cúpula de Governos Progressistas, e chegou ontem a Doha, no Catar, para o encontro entre governantes árabes e sul-americanos. Mas, conquanto estimule o seu estrelismo, a crise não tem sido boa conselheira para Lula. Seja pelas ideias que desenvolve, seja pelo histrionismo em que as acondiciona, além da soberba que o leva a dar conselhos públicos a Obama ("ele não tem que se preocupar tanto com a guerra do Iraque") e a se gabar de que teria lhe dito que "não tem o direito de cometer erros" - na entrevista à CNN.

Nessa oportunidade, por sinal, ele não mediu palavras para se autovalorizar como uma figura única entre todas as demais que estarão no palco do G-20. Com um quê de exibicionismo, por paradoxal que pareça, invocou a penúria de suas origens, descrevendo-a com crueza de detalhes, e o ano e meio em que esteve desempregado para afirmar que conhece o mundo do trabalho "mais do que qualquer um". A admiração que ele merece por ter superado as adversidades já de todos conhecidas fica arranhada pelo espetáculo confrangedor da jactância e da exploração da própria biografia para revestir de uma autoridade incontrastável - de todo descabida - a sua pregação afinal esquemática sobre as causas e as saídas para a crise.

Quando culpa por ela os países desenvolvidos - "vocês têm mais responsabilidade do que nós, pois sempre as locomotivas têm mais responsabilidades do que os vagões", disse em Viña del Mar, dirigindo-se a Gordon Brown e ao vice-presidente americano, Joseph Biden -, desconsidera o fato elementar de que as locomotivas também foram responsáveis por conduzir o mundo a um inédito período de prosperidade, do qual o Brasil, sob seu governo, foi um dos maiores beneficiados. E faz uma confusão monumental quando apresenta a sua receita para revitalizar a economia. Ela se resume a duas palavras a que parece atribuir poderes mágicos: "Estado forte."

Não há dúvida de que a falta de regulação foi o fator singular mais decisivo do colapso de um sistema financeiro entregue à ganância desenfreada, onipotência e irresponsabilidade. Não menos evidente é o papel do Estado (e, por extensão, das instituições multilaterais) na reconstrução das estruturas falidas, para destravar os fluxos de crédito e do comércio mundial.

É disso que tratará o G-20, embora sejam marcadas as diferenças entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, de um lado, e a União Europeia, de outro, sobre o ativismo do Estado. Mas o presidente confunde uma questão de grau (o alcance da intervenção estatal saneadora e reguladora) com uma questão de substância (a primazia do mercado como motor da economia).

Para ele, só o Estado seria capaz de fornecer "respostas economicamente coerentes, mas sobretudo responsáveis", aos problemas globais. Na realidade, e a história já deixou isso cristalinamente claro, ao Estado cabe induzir os agentes econômicos a dar essas respostas e não se substituir a eles ou ser o seu "tutor", como quer Lula. A crise o faz retroceder. Na entrevista à CNN declarou-se "socialista". Há pouco mais de dois anos dizia que, se uma pessoa idosa é esquerdista, "é porque está com problema".

Lula no Chile

EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tão perniciosa quanto o ultramercadismo, que lançou a economia global nesta crise, é a ideologia do "governo forte"

NÃO É sempre que uma cúpula com chefes de Estado produz um atrito do porte do "Por qué no te callas", desferido pelo rei da Espanha contra o presidente da Venezuela no fim de 2007. No mais das vezes, o clima desses encontros transcorre entre o previsível e o soporífero.

Não fugiu do padrão a reunião entre líderes da chamada "governança progressista" -políticos de centro-esquerda que repaginaram o termo original, Terceira Via-, ocorrida neste fim de semana em Viña del Mar, no Chile. O modo de pregações para convertidos só foi ameaçado por um leve incômodo envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice dos EUA, Joe Biden.

O americano pareceu retrucar a defesa, feita pouco antes pelo brasileiro, de um "Estado forte".

"Não devemos exagerar", afirmou Biden, "os mercados livres ainda precisam funcionar". Logo a seguir, glosou célebre "boutade" da política americana: "Precisamos é salvar os mercados dos livre-mercadistas" -a frase original, atribuída a Franklin Roosevelt, fala em preservar o capitalismo dos capitalistas.

Tudo não passou, provavelmente, de mal-entendido. A expressão "Estado forte" tem conotação negativa na sociedade americana e até mesmo uma administração inclinada ao intervencionismo, como a Obama, evita empregá-la. Se Lula tivesse saltado o termo e partido para a explicação que deu a seguir -um "Estado democrático, socialmente controlado e eficiente na prestação de serviços"-, não teria havido dissonância.

Fora das platitudes dos discursos protocolares, entretanto, autoridades do governo Lula dão sinais de que não entenderam as características desta crise e seus impactos na região. Um dia antes da intervenção do presidente, no mesmo Chile, um assessor do Planalto fez elogios ao populismo sul-americano, incorporado em governos como os de Chávez, na Venezuela, Morales, na Bolívia, e Correa, no Equador.

Eis aí, despidos de eufemismos, exemplos acabados de "Estado forte": centralização crescente de poder e arbítrio, parasitismo das fontes locais de renda, repúdio ao capital externo. Tamanha "fortaleza" enfrenta agora os desafios do subdesenvolvimento institucional: o efeito da queda na renda das exportações não tem como ser temperado com políticas antirrecessivas -e, num quadro institucional rarefeito, da crise econômica se passa facilmente à trepidação política.

Tão perniciosa quanto o ultramercadismo que, descontrolado, lançou a economia global numa derrocada vertiginosa é a ideologia do "governo forte". As intervenções estatais em curso, embora vultosas, serão vistas num futuro próximo como episódio excepcional numa trajetória secular de progresso material, assegurado pelo funcionamento dos mercados.Ignorar essa perspectiva seria um erro estratégico -quanto mais para um país como o Brasil, que necessita ampliar a penetração de instituições de mercado em setores ainda atrasados de sua economia.

A culpa dos inocentes

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Na terça-feira, 17 de março, a Rosekranz Foundation promoveu, em Nova York, um debate denominado "Blame Washington more than Wall Street for the Financial Crisis". Como o leitor há de perceber, a forma de apresentação do tema já aponta o dedo indicador para os senhores de Washington - aí incluídos o Federal Reserve, o Congresso e o Executivo. Seriam eles os "culpados" pela construção do castelo de cartas que começou a desabar em meados de 2007?

Participaram do conclave, entre outros, o historiador de Harvard Niall Ferguson, o economista Nouriel Roubini, o jornalista do New York Times Alex Berenson e Byron Wien, ex-executivo do Morgan Stanley. A audiência, formada por 700 cidadãos nova-iorquinos, votou antes e depois do debate. No primeiro escrutínio, Washington bateu Wall Street com 42% dos votos contra 30% e 28% de indecisos. No segundo, a coisa piorou para Washington. A culpabilidade do governo foi atestada por 60% dos votos.

O jornalista Alex Berenson discordou da forma pela qual o tema foi apresentado: "Washington-versus-Wall Street é uma falsa dicotomia porque os bancos tornaram-se tão poderosos na esfera financeira que disseram a Washington: se a regulamentação for restritiva, vamos cair fora, criar empregos no exterior e não haverá regulamentação sobre o nada". Niall Ferguson, o historiador, iniciou sua intervenção com uma diatribe contra Washington. Levantou a plateia ao revelar que a seguradora AIG gastou em 2008 US$ 9,7 milhões em ações de lobby no governo federal. As campanhas eleitorais dos presidentes da Comissão de Finanças e o presidente da Comissão de Bancos do Senado foram os maiores beneficiários da grana.

A observação de Berenson e a notícia de Ferguson nos remetem - perdão pelo eufemismo - ao peculiar caráter "liberal" (no sentido europeu) do Estado americano, desde a sua constituição. Nas últimas décadas do Século XIX e no início do Século XX, as práticas financeiras especulativas e os sucessivos episódios de deflação de preços se desenvolveram à sombra de um Estado cúmplice da concorrência darwinista. A ausência de um banco central até 1913 permitiu a eclosão de episódios de liquidação selvagem de ativos que se sucederam na missão de destruir a riqueza do "público", impulsionar a centralização do capital e consolidar o assim chamado capitalismo trustificado. O surgimento e o desenvolvimento da grande corporação americana e de sua capacidade competitiva tiveram o apoio do Estado. Mais tarde, esse apoio seria decisivo no movimento de transnacionalização dos bancos e das empresas americanas.

Na América, a vulnerabilidade do poder político diante dos interesses privados, agora "descoberta" pelos críticos da crise, está no DNA das relações entre Estado, sociedade e economia. Os chamados movimentos "populistas" e "progressistas", débeis nos períodos de euforia, ressurgem vigorosos nos momentos de crise econômica e social. São esperanças, tão efêmeras quanto recorrentes, de interromper o contubérnio entre os grandes negócios e o Estado. A Era Progressiva do começo do Século XX foi um episódio de rebelião "democrática" dos pequenos proprietários, dos novos profissionais liberais e das massas trabalhadoras contra o poder dos bancos e das grandes corporações. "Os progressistas" - escreve Sean Cashman - em America Ascendant, queriam limitar o poder do big business, tornar o sistema político mais representativo e ampliar o papel do governo na proteção do interesse público e na melhoria das péssimas condições sociais e de pobreza.

Tais pretensões foram retomadas e aprofundadas com o New Deal. Desta vez, ficou exposta a fratura entre a "classe financeira" de Wall Street, as exigências da indústria e os interesses da grande maioria da população - fortemente atingida pela depressão. No New Deal, o poder e o prestígio de Wall Street chegaram ao fundo do poço, como atestam as seguidas manifestações iradas contra a ganância dos banqueiros.

A memória dos anos 20 e 30 do Século XX norteou o imaginário dos governos que emergiram da tragédia social e econômica da Grande Depressão e da Segunda Guerra. Na esfera da finança e do crédito, as desordens do entre-guerras estimularam a imposição de regras de bom comportamento aos bancos e às demais instituições financeiras. Durou pouco. Na posteridade dos 30 anos gloriosos, os senhores de Wall Street e de Washington cuidaram de restaurar o império da finança desregrada.

Nos mandatos republicanos de Reagan e de Bush father & sons a promiscuidade era escancarada: difícil dizer se estávamos diante de um governo eleito ou de um escritório de corretagem. Mas os ex-presidentes republicanos não eram exceções: o democrata Clinton protagonizou a façanha de impor os interesses da alta finança americana em todo o mundo, com o aplauso e o apoio entusiasmado dos endinheirados do planeta. Por essas e outras, William Greider, o editor de economia da revista americana "The Nation" pegou no nervo: a crise de "credibilidade" que ora derruba os mercados e trava o crédito não é fruto de malfeitorias isoladas, mas o resultado lógico do contubérnio entre governos cúmplices e negócios espertos. Numa audiência sobre o pacote trilhonário de resgate dos bancos e assemelhados, o republicano Maxine Waters perguntou a Tim Geithner por que, em ocasiões como essa, está sempre interrogando um aluno da Goldman Sachs.

Ao enclausurar as razões da crise na tola dicotomia Washington versus Wall Street, o debate promovido pela Rozenkraz é um exemplo do retrocesso da consciência humana para formas de expressão que o filósofo vietnamita Tran Duc Tao chamou de sincréticas ("nenê sofá sentado").

A formas sincréticas antecedem, na gênese da consciência, a frase capaz de conectar sujeito, verbo e predicado e dar sentido aos substantivos diferenciados. Há quem afirme, como Hanna Arendt, que a degeneração da sociedade dos indivíduos na sociedade de massas produziu a degradação das formas de compreensão do mundo mais abrangentes, próprias da primeira modernidade. As simplificações agressivamente binárias e retrógradas são típicas do pensamento midiático e "internético" contemporâneos, uma forma de dominação eficaz que espezinha o projeto de autonomia do cidadão.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo , ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

A pescaria de Lula no G20

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Lula jogou a isca, e Joe Biden, vice de Obama, mordeu.

Foi assim: no primeiro de dois discursos na 6ª Cúpula de Líderes Progressistas, no sábado, no Chile, Lula cobrou: "O mundo paga o preço de uma aventura irresponsável dos que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino". Defendeu um "Estado forte" e acusou "os mercados".

Em seguida, Biden discordou: "Nós não devemos exagerar. O livre mercado ainda precisa estar apto a funcionar. A mim parece que nós devemos é salvar os mercados dos "livre-mercadistas"".

De volta ao microfone, Lula engordou a isca. Jogou fora o seu texto e, de improviso, foi ainda mais contundente, responsabilizando os países ricos pela crise e cobrando que eles recuperem o crédito e a confiança internas para deixar de prejudicar os outros. Irônico, foi no fígado: "Não queremos que comece a cair primeiro-ministro e presidente pelo mundo afora".

Ao mesmo tempo em que atacava EUA e Europa, pais da crise, Lula defendeu enfaticamente a América Latina. O que o mundo desenvolvido condena como puro populismo, ele classificou de "uma onda de democracia popular".

Atingiu dois objetivos: 1) uma nítida polarização entre ele, pelos emergentes, e Biden, representando os EUA: 2) transformar a cúpula de oito líderes do Chile numa prévia do G20, na quinta, em Londres. Antes de voltar ao Brasil, ele avisou que são todos muy amigos, mas "falam línguas diferentes". Deixou claro que manterá o discurso do Chile, contra o endeusamento dos mercados e a favor de mais Estado, mais regulação, mais equilíbrio mundial, mais integração entre nações e mais inclusão social.

Megalomania à parte, tem tudo para ser destaque no G20. Dentro, por falar pelos emergentes e pelos pobres. E fora por estar em sintonia com o grito de guerra de centenas ou milhares de manifestantes: "As pessoas em primeiro lugar!".

Escolhas erradas

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A resposta do governo à crise continua tendo os mesmos defeitos: alguns setores são beneficiados, e não toda a economia, e os incentivos são dados sem qualquer contrapartida. Os automóveis, produto para classe média e ricos, têm renúncia fiscal; os trabalhadores das montadoras terão garantia do emprego, mas os do setor sucroalcooleiro não têm nem a garantia das leis trabalhistas.

Nos Estados Unidos, a ajuda às montadoras foi dada com contrapartida ambiental.

Aqui, nada foi pedido às montadoras, exceto manter o emprego dos funcionários, o que cria uma distorção na economia: todos os brasileiros podem ser demitidos, exceto os trabalhadores do setor automobilístico e os funcionários públicos.

Ontem foi o dia dos carros, aqui e nos EUA. Lá, o presidente da General Motors caiu porque o governo recusou o plano, feito pela antiga direção, de ajuste e adaptação às exigências para receber a ajuda do governo.

Não quero comparar a ajuda lá, que são bilhões diretos do contribuinte para os cofres das montadoras, e a renúncia fiscal aqui, mas apenas insistir que essa é uma ótima oportunidade para induzir mudanças nas escolhas das empresas.

O novo presidente da GM terá 60 dias para apresentar um novo plano, mas já começou avisando que os novos carros serão diferentes.

Frederick Henderson disse que a montadora está uma ou duas gerações atrás em tecnologia verde para carros e que a empresa vai aprender a ganhar dinheiro com carros leves, e não apenas SUVs. Outra exigência é a de um ajuste fiscal na empresa, que vai separar ativos bons e passivos difíceis de serem digeridos, como o fundo de pensão dos funcionários.

Tudo lá é diferente, mas o importante é ver a postura dos governos: na ajuda aos setores industriais, a administração Obama tem pedido contrapartida. O governo Lula prorrogou a redução de IPI para carros e caminhões pedindo, apenas, a manutenção do emprego. Vale lembrar que as fabricantes de caminhões não cumpriram a exigência do Conama de produzir, a partir do começo de 2009, apenas caminhões com motores adaptados ao diesel limpo. Depois de sete anos de demora, elas disseram que não estavam preparadas e tiveram mais três anos de prazo para entregar aqui o que já entregam em outros países há anos. Esta, por exemplo, poderia ter sido uma contrapartida.

A falta completa de preocupação ambiental do governo Lula é tão impressionante que ontem eles reduziram para zero o IPI para chuveiro elétrico, altamente consumidor de energia, e que tem sido abandonado em outros países. Chuveiro elétrico já tinha tido uma redução de IPI e agora foi zerado junto com outros materiais de construção convencionais, como cimento e tijolo. O Ministério do Meio Ambiente havia pedido que fosse equalizado o imposto do chuveiro (que era de 5%) com o de placas para aquecimento solar (que paga 18%). Ontem, o MMA disse que a decisão “ainda não foi tomada” e continua sendo analisada “pela Fazenda e a Casa Civil”.

Ontem, o Codefat autorizou o Banco do Brasil a prorrogar por mais dois anos o pagamento da dívida rural na linha FAT Giro Rural. A dívida é de R$ 4 bilhões e a primeira parcela começaria a ser paga hoje. O agronegócio está conseguindo um pacote de ajuda para os setores sucroalcooleiro e de produção de carne, campeões em flagrante de trabalho escravo. A pecuária tem relação direta com o desmatamento da Amazônia. O BNDES vai fazer uma clássica operação hospital, dando R$ 200 milhões para um frigorífico quebrado, que tem abatedouros em área de desmatamento.

Em nenhuma ajuda foi negociada qualquer mudança de conduta, seja na relação com os trabalhadores, seja no respeito ao meio ambiente. Tudo se passa como se o governo brasileiro não fosse deste planeta.

A relação veículo/habitante no Brasil, segundo a Anfavea, é de um veículo para cada oito habitantes.

Isso é a média geral, levando em conta a população brasileira e a frota considerada pela Anfavea, de 25,5 milhões.

Só para comparar, esta mesma densidade nos EUA é de um veículo para cada 1,2 habitante, no Japão é de um veículo para cada 1,7 habitante, no México é de um para 4,7 pessoas, na Argentina é de um carro para 5,2 habitantes, todos dados da Anfavea.

O censo 2000 disse que 54,4 milhões de brasileiros moravam em domicílios que tinham um ou mais carros, o que naquela época representava 32% da população.

Imaginando que esse percentual tenha crescido um pouco, porque as vendas de veículos cresceram — apesar de a maioria dos novos carros ter sido comprada pelas mesmas famílias que tinham carros antes, alguns novos entraram no mercado —, mesmo assim, quem tem carro é a classe média e daí para cima. Os dois dados mostram que os motorizados não chegam a 40% da população. Sendo que os que compram carros zero são exatamente os que têm maior renda.

O governo fez uma medida que vai beneficiar apenas a classe média e os ricos, protegeu os trabalhadores apenas das montadoras, ajuda o agronegócio sem fazer exigência de mudança de conduta. Está perdendo a chance de mudança aberta pela crise.

Puedo escribir los versos

Poema de Pablo Neruda
Paco Ibáñez
Vale a pena ver o video

Clique o link abaixo


http://www.youtube.com/watch?v=ql02iduDKrg


Puedo escribir los versos
Poema de Pablo Neruda
Joan Manuel Serrat
Vale a pena ver o video

Clique o link abaixo

http://www.youtube.com/watch?v=usbKrOIewLo


segunda-feira, 30 de março de 2009

Uma interpretação racista da crise

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


De modo que, agora, já se sabe. Essa crise que prejudica tanta gente no mundo inteiro foi provocada por banqueiros brancos de olhos azuis. Então, a solução parece simples: basta prendê-los todos e a crise estará debelada.

Mas, peraí... segundo a revista Time, entre os 25 banqueiros, dirigentes das instituições que maior responsabilidade tiveram pela crise, havia dois negros: o ex-presidente da Merrill Lynch Stan O?Neal e o ex-presidente Frank Raines, da Fannie Mae. Esta, a maior carregadora de créditos podres que o governo americano tem de resgatar.

Então, é preciso prender alguns banqueiros negros.

Mas nosso presidente foi além, diante de um perplexo Gordon Brown, primeiro-ministro da Inglaterra, e, respondendo à pergunta de um jornalista sobre se sua declaração não tinha "um viés ideológico", saiu-se com essa estrambótica justificativa: "Como não conheço nenhum banqueiro negro..."

Isso, realmente, é de pasmar. Lula foi mais de uma vez à África, e eu sei, por ter visto nas várias assembleias gerais do Fundo Monetário Internacional (FMI) que cobri para este jornal, que as delegações africanas são integradas, muitas delas quase que totalmente, por banqueiros negros - cobertos, aliás, por aqueles elegantíssimos e belíssimos trajes de seus países. Então, ou Lula é muito distraído, ou nunca conheceu, de fato, nenhum banqueiro africano na África, ou os banqueiros africanos nunca deram bola para suas visitas, não compareceram às cerimônias nem foram apresentados ao visitante.

Mas, o pior, nesse surto de disparates, num homem que projetou uma imagem internacional de grande sensatez, não só pela forma com que conduziu a economia brasileira no seu governo, como pela oratória que usa nos palcos internacionais ao apresentar propostas que, embora de difícil realização, ninguém pode deixar de ouvir com seriedade, é justamente o efeito sobre a boa imagem de Lula como dirigente sério.

Na próxima quinta-feira reúne-se em Londres o G-20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, do qual o Brasil faz parte. A reunião é para tentar encontrar alguma fórmula viável de exorcizar a assombração financeira que tomou conta do planeta, que deixa os banqueiros brancos ou negros de cabelo em pé, as empresas sem crédito, os governos sem liquidez (alguns, do Leste Europeu, como a Rumânia, já estão morrendo de sede e já tiveram que recorrer ao FMI) e os governantes feito baratas tontas. Lula estará lá. É até um convidado especial. Recebeu carta do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e de Gordon Brown, exortando-o a comparecer e apresentar propostas. Por quê? Porque é importante ouvir um dirigente que tirou seu país das armadilhas da dívida externa sem comprometer o seu crescimento econômico.

O mundo rico está interessado em ouvir Lula. Não mais por causa da sua história pessoal de menino pobre que chegou à Presidência da República. Mas por causa da aura de bom senso que conquistou, de afabilidade, de bom articulador político, de jeitoso no encaminhamento de coisas sérias e difíceis. No entanto, depois dessa patacoada em Brasília, à qual a imprensa internacional deu grande destaque, com que espírito será recepcionado? Mas, então, pensarão alguns, esse homem de quem esperamos boas sugestões acha mesmo que a culpa da crise é de "banqueiros brancos de olhos azuis"? Simples assim?

Instado a comentar o que Lula declarara, Gordon Brown disse que "não culparia indivíduos, particularmente". E nada mais acrescentou.

Desajeitadamente, o presidente Lula pode ter prejudicado sua credibilidade e desmontado o palanque internacional que a reunião do G-20 lhe propicia - ele que parece querer postular a liderança da Internacional Socialista depois de entregar o governo. Sem falar que poderia ter ocorrido algo horrível. Ainda bem que o local era uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto, onde os jornalistas costumam ser polidos. Fosse em outro país, onde jornalistas até atiram sapatos em presidentes quando não gostam do que ouvem, Lula poderia ser constrangido por perguntas muito mais desafiadoras e desagradáveis do que "o senhor não acha que sua declaração tem um preconceito ideológico?" E até por algum repórter malcriado saindo da sala aos gritos de que não tinha tempo para ouvir bobagens.Uma cena destas, nas TVs, derruba a imagem de qualquer dignatário.

O problema maior é que Lula, obcecado em promover a ministra Dilma, parece se descuidar.

Deixa de atender à sua proverbial sensatez e atende ao alvitre de quem não tem nem um átimo do seu tirocínio - um ministro da Fazenda que diariamente enche os jornais com declarações que viram tema de piadas no cafezinho das entidades de classe e nos meios financeiros; um ministro da Justiça que diariamente nos brinda com conceitos jurisprudenciais ofensivos à inteligência até dos rábulas do passado, quanto mais dos melhores juristas do presente; procuradores, promotores, delegados e juízes que se empenham mais em tentar purificar o capitalismo do que em prender e condenar assaltantes e assassinos de fato, e cuja inépcia processualística acaba por fazer dos presumíveis bandidos de colarinho branco - inocentados nos tribunais superiores - apenas vítimas de perseguição política.

Nesse processo de insidiosa infiltração da desgovernança num governo prestigioso, pode estar sendo irremediavelmente minada a possibilidade de Lula firmar-se como estadista no plano internacional e de assim colocar o Brasil numa posição realmente condizente com sua estatura econômica e social. Mas, se ele próprio se entrega a uma oratória meramente chistosa, boa para arengar as massas, mas inútil para impressionar dignatários, acabará confirmando o que seus muitos adversários acham: que está apenas deslumbrado consigo mesmo.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

As superpoderosas

Da coluna de Ancelmo Góis
DEU EM O GLOBO

O mundo vive o período da História com mais mulheres no poder. Elas são 18,4% dos parlamentares de todos os países, num crescimento de 8% na última década.

O Brasil (vexame!) está abaixo da média: 9% na Câmara e 12,3% no Senado.

A conclusão está no relatório bianual da Unifem, o órgão da ONU para as mulheres, que será lançado hoje.

Brancos e negros

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Quando o presidente Lula afirmou que a crise foi criada por brancos de olhos azuis não estava querendo dizer que todos os banqueiros do mundo rico são brancos de olhos azuis. Pelo menos parecia apenas uma figura de expressão.

Mas, cobrado, Lula acrescentou que não conhecia nenhum banqueiro negro. Aí é uma baita falta de informação, sobretudo porque um banqueirão negro, Stanley O?Neal, era uma das estrelas de Wall Street e foi considerado um dos principais responsáveis pela crise. Tanto que perdeu o emprego de presidente (CEO) do Merrill Lynch.

Além disso, está no cargo de presidente do Citigroup o indiano Vikram Pandit, que está longe de ser branco.

Mas deixemos isso de lado. Na verdade, o que importa é a tese sustentada por Lula e que pode ser assim resumida: os pobres são sempre vítimas da globalização; os ricos se beneficiaram da globalização e criaram a crise; e agora os ricos passam a conta para os pobres, fazendo com que a crise seja maior para estes lados - e a expressão "pobres" aqui resume países, pessoas, negros, índios e todas as minorias.

De tudo isso, a única coisa certa é que a crise começou no coração do sistema, em Wall Street, nos Estados Unidos, e no mundo rico. O resto é falso.

O Brasil, por exemplo, se beneficiou largamente da globalização recente.

Nossas exportações saltaram de US$ 60 bilhões em 2002 para quase US$ 200 bilhões no ano passado. No período 2006/08, as empresas brasileiras levantaram nada menos que R$ 430 bilhões com a emissão de ações, debêntures, notas promissórias e recebíveis.

A maior parte desse dinheiro veio de fora, lá da ciranda financeira, e foi aplicada em usinas de açúcar e álcool, exploração de petróleo, construção de casas, financiamento de automóveis e por aí foi, gerando renda e emprego.

De outro lado, a crise é muito mais severa no mundo desenvolvido. Praticamente todos os países ricos estão em recessão, há desemprego e perda de renda. Lá é tsunami, como disse o próprio Lula, acrescentando que a coisa por aqui seria uma "marolinha".

Naquele momento, quando se tratava de afastar o espectro da crise, Lula defendia tese exatamente contrária: a crise era dos ricos e lá ficaria. Agora que a crise chegou aqui e não é marolinha, e agora que os índices de popularidade dão os primeiros sinais de perda, a estratégia do presidente é corrigir essa mancada com um discurso que transfere toda a responsabilidade para os ricos.

Claro, portanto, que foi um discurso para fins internos. A mensagem: nós aqui fizemos e estamos fazendo tudo direitinho, mas esses brancos estão estragando tudo e querem nos impor um desastre. Ou seja, um culpado externo.

Funciona para fins de propaganda, mas não para governar. Mesmo que a crise venha de fora, o impacto aqui, maior ou menor, depende das ações do governo.

No que se refere à política externa, a acusação aos brancos de olhos azuis não ajuda em nada uma diplomacia que pretende firmar o Brasil como protagonista das medidas globais para a solução da crise.

Tudo considerado, é um mau sinal para a reunião do G-20 - grupo que reúne os países mais ricos do mundo e economias emergentes -, em Londres, no início de abril. Se esse é o discurso brasileiro, está claro que daí não sai nada.

Por exemplo: como combinar isso com o discurso contra o protecionismo e, pois, por mais globalização?

Perda de tempo - Discutir, neste momento, uma nova regulação para o sistema financeiro mundial, incluindo a criação de uma nova moeda para substituir o dólar, é um enorme desvio de tarefa.

Ouvi outro dia, não me lembro mais onde, uma ótima frase: é como dizer ao paciente que está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que ele precisa parar de fumar. Se o G-20 se concentrar nisso, pode esquecer.

Solução para os ricos - Um dos motores da economia mundial tem sido a relação entre Estados Unidos, o shopping center do mundo, e China, a fábrica do mundo. Alguns acrescentam: e a Índia, o call center.

Muitos economistas sustentam que se trata de um desequilíbrio fatal, pois exige que o país rico gaste mais do que tem para que o sistema funcione. Ao mesmo tempo, esse país rico fica endividado e acaba sendo financiado pelos países exportadores, especialmente a China, com os dólares que ganharam vendendo para os Estados Unidos.

Para desfazer esse sistema, é preciso que os ricos americanos gastem menos e poupem mais. Tudo bem. Já são ricos, cresceram bastante, o padrão de vida é elevado, o consumo de alimentos é alto e não custa nada apertar um pouco o cinto.

Mas e os outros que dependem de vender para os Estados Unidos e para os países ricos em geral?

Vão vender menos, claro, e, portanto, gerar menos empregos e renda. Mas esses países emergentes precisam crescer aceleradamente.

Bom, dizem os economistas, basta que esses países, hoje poupadores, passem a gastar mais internamente.

Mas são pobres, não há como substituir o consumidor americano. Ou seja, esse tipo de conversa leva a uma estabilização nos países ricos e perda de crescimento nos emergentes.

Digam, por favor - Do economista e ex-secretário do Trabalho do governo Clinton Robert Reich à revista Newsweek, de 13 de outubro do ano passado: "O que ainda existe são dois tipos de capitalismo: o capitalismo autoritário, como na China e em Cingapura; e o capitalismo democrático, como nos Estados Unidos e na Europa. Se alguém aí tem uma ideia melhor, estou certo de que o mundo adoraria ouvi-la."

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

Legalidade, moralidade e eficiência

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em sua coluna no Valor, alguns dias atrás (20, 21 e 22 de março), Claudia Safatle comentava o parecer do procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, que serviu de fundamento à absolvição, pela Justiça Federal, de autoridades do governo Fernando Henrique Cardoso acusadas de improbidade administrativa no processo de privatização da Telebrás. O parecer destaca que a atuação estatal "não deve mais ser balizada apenas pelos critérios de legalidade, de moralidade e de impessoalidade", mas também "pelos princípios da eficiência e da economicidade", com a ênfase na "produtividade" e na "obtenção de resultados". O foco da coluna é a preocupação com as implicações para a renovação mais ou menos urgente de concessões em diversas áreas (setor elétrico, ferrovias, internet) de uma decisão afirmativa da Justiça baseada nessa nova leitura "eficiente" dos preceitos constitucionais relevantes - "nova" não obstante o fato de que a emenda constitucional 19/98 já inclui, no artigo 37, menção explícita à eficiência entre os princípios a serem obedecidos pela administração pública, em seus diversos níveis, ao lado dos de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Mesmo no nível técnico da administração como campo especial de estudo e reflexão, a questão da eficiência é objeto de grandes confusões, particularmente em suas relações com a burocracia. A tendência recente, em que Lucas Furtado se insere (tal como Bresser Pereira em sua passagem pelo Ministério da Reforma do Estado), tem sido a de contrapor uma administração "gerencial", vista como ágil e eficiente, à administração "burocrática" supostamente emperrada e estúpida, de acordo com o sentido que a expressão burocracia veio a adquirir coloquialmente e em que a adesão ritualista aos meios perde de vista os fins. Em certo sentido, é banal, naturalmente, a necessidade de lutar contra a distorção ritualista e buscar a eficiência. Mas o gerencialismo "reinventador do Estado" esquece que a burocracia é essencial à organização político-administrativa racional, ou à implantação do princípio "racional-legal" de que falava Max Weber.

Mais que isso, porém, o apego a normas legais universalistas e impessoais é condição indispensável da operação de um Estado democrático. Como tenho às vezes ressaltado aqui, se a eficiência supõe fins não problemáticos a serem alcançados através da manipulação mais expedita possível dos meios disponíveis, a própria definição da democracia envolve tomar como problemáticos os fins: a democracia reconhece que os fins são múltiplos e com frequência antagônicos, em correspondência com a multiplicidade dos atores sociopolíticos e de seus interesses, e que a grande tarefa do Estado democrático é justamente a de conciliar institucionalmente os fins diversos, num processo orientado por normas imparciais e que será por força, em alguma medida, moroso e complicado. E o desafio é o de como acomodar o desiderato banal de maximizar a eficiência nesse quadro de exigências democráticas - sem falar de que a referência à eficiência remete ela mesma à questão também complicada da acuidade na avaliação cognitiva ou intelectual da situação em que se trata de agir e das percepções variáveis quanto às relações entre meios e fins.

De qualquer modo, a Justiça é o instrumento por excelência a garantir o caráter democrático daquele processo perene de conciliação. Nessa perspectiva, é difícil ver o que poderemos ter a ganhar com alterações legais (como a da emenda 19/98) ou reinterpretações constitucionais que introduzam a possibilidade de jogar com considerações de moralidade e mesmo legalidade em nome de equívocas alegações de eficiência (apesar de formulações inevitavelmente matizadas que colocam a eficiência "ao lado" de outros princípios). Se tomamos a privatização que foi objeto da recente decisão judicial, por exemplo, os fatos conhecidos a respeito tornam patente a manipulação em que se empenharam as autoridades acusadas. Dizer isso não envolve necessariamente questionar a nobreza da motivação dessas autoridades: a manipulação que as gravações ilegais evidenciam é reconhecida mesmo por inequívocos simpatizantes políticos das pessoas agora absolvidas, com a alegação de que a manipulação "no limite da irresponsabilidade" era motivada pelo interesse de tornar mais competitiva a disputa pela concessão e, assim, pela atenção, realísticamente orientada, para o interesse público.

Mas, ainda que se preservem gradações, é fácil apontar o paralelismo dessa maneira de ver as coisas com certo maquiavelismo de araque em que a presumida justificação dos meios pelos fins, na cabeça de lideranças ideologicamente autocomplacentes, resultou há pouco no desastre do mensalão. E que fazer, por exemplo, com a questão de graus de eficiência? O fato de um grupo desqualificado pelos manipuladores ter obtido a concessão deveria ser tomado como indicando que seria necessário manipular mais? Se a Justiça pode rechaçar a acusação de improbidade em nome da busca de eficiência não deveria também ponderar a ineficiência relativa e talvez puni-la?

Não custa reforçar as preocupações que Claudia Safatle salienta quanto às consequências da situação legal produzida para os negócios futuros. Mas há, a meu ver, confusões e perigos maiores numa Justiça que ouviu cantar o galo da "eficiência" e se empenha desajeitadamente em equilibrá-la com legalidade e moralidade.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Um Estado forte

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Sai nos próximos dias o valor torrado pelo governo Lula em publicidade em 2008. A cifra ficará perto de R$ 1 bilhão. Os gastos em patrocínio federal no ano passado já foram divulgados: bateram em R$ 918 milhões.

Dois buracos negros ainda persistem nessa área. Não se sabe o volume aplicado em publicidade legal (publicação de balanços) nem o custo de produção das peças publicitárias. Esse último é um segredo nunca revelado pelo governo nem pelas agências acostumadas a mamar nas tetas generosas de Brasília.

A estimativa para as despesas com publicidade não conhecidas gira em torno de R$ 250 milhões a R$ 350 milhões por ano.

Tudo considerado, a administração federal consome anualmente, por baixo, R$ 2,2 bilhões com ações de propaganda e marketing. É dinheiro em qualquer lugar do mundo. A Unilever (dona de marcas como Kibon, Omo e Dove) gastou R$ 1,75 bilhão com propaganda no ano passado no Brasil.

É positivo o governo Lula divulgar, mesmo parcialmente, seus gastos publicitários. Permite aos brasileiros se indagarem se o país melhora, torna-se mais desenvolvido, quando a Petrobras patrocina as camisas de futebol do Flamengo ou bancos estatais financiam corridas de rua. Ou se há ganho social quando o Planalto faz campanha na TV para estimular o consumo durante a atual crise econômica.

Lula esteve no Chile no fim de semana. Defendeu, mais uma vez, "um Estado forte". O cerca de R$ 1 bilhão de patrocínio estatal para cultura, esportes e outras áreas se insere nessa ideologia lulista.

Pode-se argumentar que, em muitos países industrializados, sobretudo europeus, o Estado financia a cultura. É verdade, mas em geral é dinheiro direto. Aqui, há a intermediação das estatais. Uma caixa preta da qual só conhecemos os valores totais, nunca os detalhes.

Tempo e paciência

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A medida para a compra de títulos podres nos EUA é inovadora e abre espaço para o próprio mercado atuar

O PROGRAMA anunciado na última semana pelo Tesouro americano, de subsídios aos investidores privados para que comprem títulos podres, está recebendo críticas fortes porque não resolveria o problema fundamental dos grandes bancos americanos, que é o da subcapitalização. Em vez de elogiarem o governo porque é uma ideia nova e bem estruturada do ponto de vista financeiro, representantes tanto da direita inteligente quanto da esquerda preocupada com a socialização das perdas protestaram.

Os primeiros reagiram negativamente porque, com essa medida, adiou-se a estatização dos bancos mais atingidos que julgam inevitável; os segundos, porque é mais um subsídio ao setor financeiro.

Estou de acordo com Alan Greenspan e a "The Economist", segundo os quais a estatização provisória dos principais bancos provavelmente será, afinal, a solução. A experiência de longa depressão do Japão por não haver adotado essa política quando estourou a bolha financeira, em 1990, é bem conhecida. Compreendo a indignação do cidadão comum americano ao ver o governo aplicar bilhões de dólares no salvamento dos bancos. Mas compreendo também a prudência de Obama em não decidir imediatamente pela estatização.

Ainda que a direita inteligente seja a principal apoiadora da política, a direita comum, que é muito grande nos EUA, vê nela o fantasma do "socialismo". Com a política de compra de ativos por fundos privados, um ativo valorizado por 100 (número-índice representando dólares) pelo mercado por meio do leilão será comprado pelo fundo que ganhar o leilão. Este investirá 7 de seu próprio dinheiro e receberá 86 como empréstimo do setor privado garantido pelo Tesouro, o qual, por sua vez, investirá os 7 complementares, tornando-se sócio da operação. Usando o velho provérbio italiano, "si non è vero, è bene trovato".

Em um momento em que precisamos urgentemente de novas ideias -não porque as velhas ideias como a da expansão da liquidez ou a da política fiscal expansiva não sejam boas, mas porque se demonstram insuficientes ou muito caras-, essa é uma bela ideia que usa do mercado para corrigir o próprio mercado.

Clóvis Rossi transcreveu em sua coluna (25/3) crítica do correspondente do "El País" nos Estados Unidos de que, "de algum modo, a cobiça (dos potenciais investidores) e a alavancagem (desta vez com fundos públicos), demonizados como culpados da crise financeira, convertem-se em receita para o resgate". O texto é bom, e a indignação, compreensível, mas não é apenas com indignação que resolveremos a crise. Havia um problema fundamental de precificar os ativos podres dos bancos, e a ideia do leilão resolve com propriedade esse problema.

O Estado é a garantia maior com a qual pode contar uma sociedade, mas, sempre que seu governo consegue contar com o mercado para resolver problemas, principalmente de precificação, é muito bom, porque, nesse caso, o mercado é a instância competente e porque, dessa forma, ele se reanima e se fortalece -algo de que está muito precisado.

É possível que essa nova medida não seja suficiente para resolver o problema da subcapitalização dos grandes bancos americanos e que a nacionalização de alguns deles se revele afinal inevitável, mas é uma medida inovadora que abre espaço para o próprio mercado atuar e, se não resolver todos, resolverá uma parte dos problemas. O presidente Obama está pedindo "tempo e paciência" das pessoas diante da crise. Esperemos fazendo figa para que dê certo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Até quando a desrazão agrária?

Zander Navarro
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Quem defende a política atual finge que não existiu a modernização da agricultura no Brasil e a formação de um importante setor agrícola


O IRRACIONALISMO que tem conduzido a reforma agrária no Brasil causa espanto. É tamanha a insensatez que lembra a frase de Mario Benedetti, que alertou: "Cuando el infierno son los otros, el paraíso no es uno mismo". Mas a atual administração não é paradisíaca e praticamente repete a anterior, e alguns desencontros são antigos.

Uma diferença marcante tem sido a sistemática interdição do debate nos anos mais recentes, utilizando-se, inclusive, do mecanismo de cooptação de pesquisadores por meio de consultorias, calando-os pela cumplicidade.

Antes tão loquazes, renderam-se ao reino do silêncio obsequioso. Parece que o governo comanda o consenso, somente quebrado quando organizações e grupos partidários, todos beneficiários do loteamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, encenam o jogo das "pressões". Mas estas se destinam, meramente, a enganar o distinto público e, como resultado, obter mais poder e recursos.

Trata-se de uma pantomina inacreditável que, futuramente, será esclarecida e, por certo, nos envergonhará. Há diversos ângulos, não sendo aqui possível apontar todos. Alguns são de crua obviedade. Por exemplo: reformas agrárias foram típicas dos anos 50 e 60, quando as sofridas condições da vida rural e a existência de governos autoritários justificaram tais esforços. Com raras exceções, os resultados foram desalentadores.

Posteriormente, com as ondas democratizantes e a intensa urbanização em todo o mundo, essa política desapareceu da agenda -o Brasil é, de fato, o único país que ainda a realiza.

A crise alimentar não produzirá o ressurgimento da reforma agrária, e sim o desenvolvimento de uma agricultura mais tecnificada, sem que a redistribuição da terra retorne à pauta, por óbvia falta de demanda social. No Brasil, sua execução é uma comédia, pois não enfrentamos os impasses reais e preferimos a omissão, em meio a fantasias religiosas e pedestres ideologias. Ou atiçando "lutas sociais" que só justificam a existência de algumas centenas de militantes que outra coisa não sabem fazer.

São inúmeros os aspectos problemáticos. O mais grave é que os que defendem a política atual fingem que não existiu a modernização da agricultura brasileira e a formação de um importante setor agrícola, que não cresce apenas aumentando a área plantada, como no passado dos latifúndios, mas é movido pela lógica capitalista do aumento da produtividade e da formação de lucro. Como reflete o Brasil pré-modernização, a legislação sobre a reforma agrária caducou e, como consequência, foi se tornando impossível o instrumento da desapropriação, porque sumiram os imóveis rurais enquadráveis nos critérios legais.

Qual é o resultado? Nos anos mais recentes, a ação governamental ficou encurralada em duas frentes. Aplicar a lei e desapropriar imóveis, mas quase exclusivamente no Norte, majoritariamente no Pará. Ali são graves as implicações ambientais, embora totalmente ignoradas, porque a meta só é difundir os grandes números, sempre acrescidos da observação mágica: "Assentamos mais do que FHC". A outra frente, nas demais regiões, restringe-se a comprar as propriedades à venda, mesmo que pagando caro, pois, nesse caso, o objetivo é apenas aplacar as pressões locais.

Nenhuma estratégia e inteligibilidade lógica, tudo ao acaso e ecoando a impressionante mediocridade de duas gestões de um ministério pilhado por militantes profissionais. Como o debate inexiste, restam a propaganda, a manipulação e a tibieza, pois ninguém tem coragem de enfrentar os absurdos reinantes. Quem irá modificar esse quadro?

Ninguém. Já estamos com a campanha presidencial em marcha e seria tolice mexer no vespeiro. Aguardemos o próximo governo, seja qual for.

Mas é urgente mudar a ação governamental, eliminando o esquizofrênico hibridismo institucional de dois ministérios para a mesma atividade econômica, extinguindo o Incra, cujo histórico é deplorável, e criando um único ministério para reformular radicalmente a política do setor.

Uma reforma agrária regionalizada, especialmente no Nordeste, talvez ainda faça sentido, mas a agricultura demanda, em nossos dias, sobretudo mais tecnologia e melhor manejo dos recursos naturais.

Quem sabe, isso feito, o Brasil finalmente acordará e, fruto da ciência, não de ideologias, concretizará uma de suas maiores potencialidades, sem paralelo no mundo, tornando-se o maior provedor sustentável de alimentos da humanidade.

Zander Navarro, 57, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra).