terça-feira, 31 de março de 2009

Lula no Chile

EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tão perniciosa quanto o ultramercadismo, que lançou a economia global nesta crise, é a ideologia do "governo forte"

NÃO É sempre que uma cúpula com chefes de Estado produz um atrito do porte do "Por qué no te callas", desferido pelo rei da Espanha contra o presidente da Venezuela no fim de 2007. No mais das vezes, o clima desses encontros transcorre entre o previsível e o soporífero.

Não fugiu do padrão a reunião entre líderes da chamada "governança progressista" -políticos de centro-esquerda que repaginaram o termo original, Terceira Via-, ocorrida neste fim de semana em Viña del Mar, no Chile. O modo de pregações para convertidos só foi ameaçado por um leve incômodo envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice dos EUA, Joe Biden.

O americano pareceu retrucar a defesa, feita pouco antes pelo brasileiro, de um "Estado forte".

"Não devemos exagerar", afirmou Biden, "os mercados livres ainda precisam funcionar". Logo a seguir, glosou célebre "boutade" da política americana: "Precisamos é salvar os mercados dos livre-mercadistas" -a frase original, atribuída a Franklin Roosevelt, fala em preservar o capitalismo dos capitalistas.

Tudo não passou, provavelmente, de mal-entendido. A expressão "Estado forte" tem conotação negativa na sociedade americana e até mesmo uma administração inclinada ao intervencionismo, como a Obama, evita empregá-la. Se Lula tivesse saltado o termo e partido para a explicação que deu a seguir -um "Estado democrático, socialmente controlado e eficiente na prestação de serviços"-, não teria havido dissonância.

Fora das platitudes dos discursos protocolares, entretanto, autoridades do governo Lula dão sinais de que não entenderam as características desta crise e seus impactos na região. Um dia antes da intervenção do presidente, no mesmo Chile, um assessor do Planalto fez elogios ao populismo sul-americano, incorporado em governos como os de Chávez, na Venezuela, Morales, na Bolívia, e Correa, no Equador.

Eis aí, despidos de eufemismos, exemplos acabados de "Estado forte": centralização crescente de poder e arbítrio, parasitismo das fontes locais de renda, repúdio ao capital externo. Tamanha "fortaleza" enfrenta agora os desafios do subdesenvolvimento institucional: o efeito da queda na renda das exportações não tem como ser temperado com políticas antirrecessivas -e, num quadro institucional rarefeito, da crise econômica se passa facilmente à trepidação política.

Tão perniciosa quanto o ultramercadismo que, descontrolado, lançou a economia global numa derrocada vertiginosa é a ideologia do "governo forte". As intervenções estatais em curso, embora vultosas, serão vistas num futuro próximo como episódio excepcional numa trajetória secular de progresso material, assegurado pelo funcionamento dos mercados.Ignorar essa perspectiva seria um erro estratégico -quanto mais para um país como o Brasil, que necessita ampliar a penetração de instituições de mercado em setores ainda atrasados de sua economia.

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