quarta-feira, 4 de março de 2009

Democracia brasileira: raquítica ou vibrante?

Zander Navarro
Sociólogo, professor da UFRGS (Porto Alegre) e pesquisador visitante no Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento (IDS, Inglaterra))
DEU NA GAZETA MERCANTIL

O Brasil é democrático? Depende da lente usada. Comparando nações, algumas avaliações nos posicionam satisfatoriamente. A mais famosa, da norte-americana Freedom House, nos situa como um "país livre". Não é pouco, quando lembramos que em um tempo não tão distante era preciso pedir a benção, não ao bispo, mas a algum anônimo sargento, para qualquer iniciativa. Já o último Latinobarômetro, que perscruta os humores no continente, afirma que "os latino-americanos estão cada vez mais felizes e esperançosos em relação ao futuro". Mas o levantamento ocorreu antes do colapso da economia mundial. Além disto, a julgar pela excelência dos processos eleitorais, ou segundo a opinião dos brasileiros, indicada por pesquisas, não parece existir dúvidas sobre a qualidade de nossa democracia.

Mas os processos políticos, infelizmente, não são o que aparentam. A política é, por definição, a expressão suavizada de relações de poder e dominação mais entranhadas, ocultas para a maioria.

Portanto, aquela é uma pergunta relevante, e não apenas para acadêmicos ou beletristas.


Opondo-se aos conservadores, que reduzem a democracia a um simples modelo institucional destinado a realizar eleições e afastar governos impopulares, uma renovada noção de "democracia ampliada" seria o mais decisivo mecanismo político para a produção de uma sociedade melhor e mais justa.

Em ambientes mais fraternos, a pergunta acima poderia nos fazer galgar alguns níveis de civismo, um dos pilares do "ideal democrático". Não se confunde com o patriotismo, que é a plataforma usada por tantos governantes para transformar cidadãos em marionetes de seus interesses. O civismo, ao contrário, supõe que a maioria comanda informação e educação suficientes para construir a excelência cidadã, um comportamento que se estende além do interesse próprio.

Se não for assim, teremos sociedades brutalizadas, ou a síntese da selvageria hobbesiana. Mas, enraizado na prática social, o civismo conduz os cidadãos à pujança democrática, especialmente quando combinado com o restante da tríade, o plebeísmo (que inclui proporções crescentes de indivíduos na esfera da política e dos direitos) e o pluralismo, este último assegurando a tolerância à diversidade, em todos os sentidos. Raramente esses marcos fundadores existem simultaneamente, o que explica as diferenças democráticas entre os países. São infinitas as possibilidades, pois algumas sociedades serão mais includentes, ou plebéias, mas menos cívicas ou plurais, enquanto outras invertem os sinais.

No Brasil, a inclusão social anda a passos de tartaruga, e assim o plebeísmo tem ainda pouco peso em nossa trajetória democrática, por mais barulho que se faça em função de programas de caridade, como o Bolsa Família. Ainda que os níveis de pobreza venham caindo, a desigualdade social parece uma rocha irremovível. Portanto, mesmo que amplos setores sociais amealhem algumas migalhas adicionais em seus ganhos, as distâncias sociais ainda os deixarão marginalizados na estrutura social. Já o civismo também rasteja entre nós, e seria preciso exemplificar? É deplorável o comportamento cotidiano de quase todos, das elites aos mais pobres, quase ninguém se salva neste plano da construção democrática. E sem muito otimismo em relação ao futuro, porque são raríssimos os gestos inspiradores. Somada à impunidade, real ou imaginária, esta falta retarda a gestação dos padrões de coerção e cultura que moldem o civismo.

O que sobraria para afirmar a nossa democracia? Apenas a dimensão plural da vida política brasileira, esta sim, quase inigualável, com a facilidade para formar partidos, fundar associações e organizações de todos os tipos, além da presença da diversidade garantida em amplos espaços de participação social. Por este ângulo, nossa democracia é vibrante e forte. Mas uma democracia ampliada e com significado, que desenvolva suas múltiplas dimensões, esta é ainda um objeto de desejo, quase inalcançável em tempo previsível.

kicker: O que sobraria para afirmar a nossa democracia? Apenas a dimensão plural da vida política brasileira

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