sábado, 14 de março de 2009

DESPOTISMO FABRIL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O CASO DA EMBRAER

Luiz Werneck Vianna1
DEU NO BOLETIM CEDES/IUPERJ

O acento pessimista, a versão de que o Brasil perdeu a crença em si mesmo, incapaz de formular um destino de afirmação para seu povo, entregue à servidão voluntária aos mecanismos de mercado, parece se ter tornado uma nova moda entre intelectuais. De fato, há bons motivos para o desalento, sobretudo quando se atenta para a situação de degradação em que se encontra o sistema dos partidos e da representação política no país. Também não é animadora a distância que a sociedade civil mantém em relação à esfera pública, confiada quase que exclusivamente ao controle dos profissionais da política. Esta hora de crise mundial do sistema financeiro ainda mais generaliza o azedume na mídia e nos chamados formadores de opinião – não haveria mais lugar para as pretensões de mais um surto de modernização. A escalada da violência urbana e a sucessão de escândalos na “classe política” apenas confirmariam o diagnóstico de esgotamento das antigas promessas de se instituir, aqui,uma cultura e uma civilização originais.

O diagnóstico, a tal ponto se acha confundido com o senso comum, que os fortes sinais que o infirmam ou são ignorados ou têm sua interpretação rebaixada. A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região no caso da demissão de mais de quatro mil trabalhadores da Embraer de mandar, por medida liminar, suspender as rescisões contratuais, é um destes vigorosos sinais.

Em primeiro lugar, porque dá plena conseqüência aos princípios e aos direitos fundamentais estatuídos na Carta de 88 no mundo do mercado de trabalho, trazendo para a dimensão sistêmica da economia o valor ético “dignidade da pessoa humana”. São claros os termos da decisão ao mobilizar o texto constitucional: “o poder diretivo do empregador [...] não é absoluto, encontrando limites nos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana”, para, mais à frente, sentenciar que “a dignidade da pessoa humana é um valor superior que deverá presidir as relações humanas entre as quais as relações jurídico-trabalhistas”.

Em segundo lugar, pelo próprio contexto em que a decisão foi produzida, propício, diante da gravidade da crise econômico-financeira, a admitir exclusivamente argumentos e intervenções de caráter instrumental em detrimento de razões estranhas à lógica do mercado. A decisão judicial, porém, dirige-se a este mundo e às suas contingências, e não ao mundo da lua. E, nesse sentido, não desconhece que o mercado está submetido a leis próprias, e não tem como ser dirigido pela força de canetadas, embora deva operar em comunicação com os valores, práticas e instituições que lhe chegam de outras regiões do social. Assim, não vai se negar o caminho das demissões dos trabalhadores de empresas que perderam, ou estão perdendo, a sua viabilidade econômica, desde que a sua necessidade seja comprovada em um cenário de negociação sindical, em obediência ao que dizem as leis, em particular as de proteção do trabalho, e sob a arbitragem do poder judicial.

Em terceiro lugar, pela evidência de que o movimento sindical trouxe para si os fundamentos e os princípios da Carta de 88, e passa a provocar a ação do juiz a fim de arbitrar questões que transcendem a região do econômico-corporativo, na medida em que, quando suscita o valor da dignidade da pessoa humana, no interior de um confronto tradicionalmente interpretado como de natureza mercantil, envolve a sociedade inteira. E, finalmente, pela indicação de que há poderes, em nossas instituições republicanas, capazes de se por em sintonia com os comandos
constitucionais que nos orientam no sentido de criarmos uma sociedade mais justa.

Rio de Janeiro, 06 de março de 2009.

1 Professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e Coordenador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ).

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