quarta-feira, 4 de março de 2009

Ganância

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Ao definir como "ganância excessiva" do PMDB a tentativa de um grupo do partido, encabeçado pelo ministro Edison Lobão, de mudar a direção do fundo de pensão Real Grandeza, dos funcionários de Furnas, o presidente Lula usou uma palavra muito em moda desde que a crise econômica tornou-se explícita, em meados de setembro, com a quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos. A frase "Greed is good" ("Ganância é bom") foi o lema dos especuladores financeiros dos anos 70 do século passado, e a ganância foi considerada pelo próprio presidente Barack Obama como um dos fortes motivos da crise econômica em que o mundo se debate.

Colocando a palavra na política brasileira, Lula estava revelando uma das razões da crise política que se arma como uma tempestade dentro de sua base aliada. A antecipação da campanha sucessória, articulada pelo próprio Lula com o objetivo de ter tempo para expor ao eleitorado sua escolhida, a ministra Dilma Rousseff, antecipou também a disputa pelos lugares de maior rentabilidade política na máquina do Estado, e PT e PMDB já se digladiam em público, sem pudores.

O castelo no interior de Minas Gerais tem 7.500 metros quadrados de área construída, 36 suítes, 18 salas, oito torres, 275 janelas, uma piscina com cascata, e está lá desde o início dos anos 90 do século passado, e pelo menos um presidente o visitou, Itamar Franco, em 1993.

O casarão de 900 metros quadrados de área construída está no Lago do Paranoá há 13 anos, e são incontáveis as autoridades da República que já estiveram lá.

Por que então somente agora o deputado federal Edmar Moreira e o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, perderam suas imunidades e acabaram tendo que renunciar aos cargos poderosos que ocupavam, e o deputado, além da Corregedoria, pode também perder o mandato que exerce com eleições consecutivas há anos?

No caso de Agaciel, é surpreendente que nunca houvesse causado espanto a suntuosidade de sua casa, que a certeza da impunidade permitiu até o exibicionismo de mandar fazer uma piscina em forma de taça, assim como, pelas mesmas razões - exibicionismo e impunidade -, um presidente do Banco do Brasil mandou fazer, durante a ditadura, uma piscina em forma de J, primeira letra de seu sobrenome.

Já o deputado Edmar Moreira teve a petulância de disputar um cargo que lhe traria junto a função de eventualmente julgar seus pares, só para avisar que ele não julgaria ninguém pelo defeito da amizade.

A exposição pública dos dois não significa, porém, que a impunidade tenha acabado. Há, sim, um momento favorável à contenção dos "gananciosos", embora eles ainda tenham arrogância suficiente para tentar chantagear seus opositores com ameaças de CPIs.

A dos fundos de pensão, proposta pelo deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio, é exemplar dessa postura desabrida de quem não teme uma punição, mesmo depois de ter tido sua manobra de tomar de assalto o fundo Real Grandeza frustrada pelo clamor público.

Cunha chega ao desplante de se dirigir indiretamente ao presidente da República, que criticara a "ganância" do PMDB, dizendo que a CPI iria mostrar "de quem é a ganância", a predizer uma briga de foice com o PT.

Todos esses desafios à sociedade acontecem porque, no diagnóstico perfeito do senador Pedro Simon, as pessoas envolvidas se sentem protegidas de uma punição. Esse mesmo deputado Eduardo Cunha já havia chantageado o governo com a CPMF, forçando a nomeação do ex-prefeito do Rio de Janeiro Luiz Paulo Conde para a presidência de Furnas, já de olho no controle do fundo de pensão.

Mas ele, assim como outros envolvidos em denúncias, não agiria de maneira tão aberta se seu partido, o inefável PMDB, não lhe desse suporte político, nomeando-o para dirigir comissões parlamentares que lidam com assuntos prioritários para o governo.

Assim como nomeia, o PMDB retira de comissões parlamentares os que não combinam com sua maneira de fazer política, como foi agora o caso do senador Jarbas Vasconcelos, destituído da Comissão de Constituição e Justiça do Senado depois de ter feito críticas ao espírito corrupto que domina o seu partido.

Sem coragem de promover um processo de expulsão de um dos senadores mais respeitados do país, e fundador do MDB, os que manobram o partido hoje em dia, como o senador Renan Calheiros, retaliam com o que sabem fazer de melhor, a pequena política.

Esse ambiente político, amortecido pelo fisiologismo e apodrecido pelo exercício do poder, sem outros objetivos que o controle do Estado para benefícios próprios, favorece o surgimento de aproveitadores de toda sorte, e não serve à formação de uma sociedade igualitária e justa.

O próprio presidente Lula, nos tempos em que o assunto ainda mobilizava suas energias políticas e era uma das bandeiras do PT, no programa de governo na campanha de 2002, coincidia no diagnóstico da situação quando apontava que a "prática de corruptos e corruptores na esfera do poder se dissemina pela sociedade, como exemplo negativo que vem de cima".

A situação, dizia Lula, exigia "uma intervenção enérgica pelo fim da impunidade" e requeria "ampla ação cultural educativa pela afirmação dos valores republicanos e democráticos em nossa vida política".

O trecho foi repetido ontem da tribuna do Senado pelo senador Jarbas Vasconcelos. Mas ele faz parte do passado pré-mensalão, que levou de roldão a fama de ético do PT e trouxe para dentro do governo o PMDB.

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