domingo, 8 de março de 2009

Jobim e os búfalos

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Os Estados Unidos eram o potencial &quotinimigo principal&quot. A eleição de Barack Obama, porém, transforma essa preocupação numa espécie de delírio


No começo da semana passada, vestido para a guerra, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, depois de voar duas horas em aviões da FAB, visitou o Pelotão de Fronteira de Ipiranga, na divisa com a Colômbia, acompanhado do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike Mullen, e sua comitiva. A visita teve por objetivo dar aos militares ianques uma visão geral da estrutura de Defesa brasileira na Amazônia. Mullen é o segundo homem na hierarquia militar dos Estados Unidos.

Amazônia

Ciceroneados pelo comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro, os militares americanos conheceram os problemas de logística e as principais armas brasileiras para o combate nas selvas e nas fronteiras: soldados de origem indígena e búfalos. Sim, búfalos, perfeitamente adaptados ao terreno, depois de pesquisas com outros animais de cargas, como cavalos, jegues e mulas. Eles conseguem transportar o equivalente ao seu peso, e podem tracionar o dobro. Um búfalo adulto se alimenta da própria selva e carrega a comida consumida por 10 combatentes durante uma semana. Isso significa autonomia operacional para uma patrulha ou pequeno grupo de artilharia por igual período.

Participaram da comitiva o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, os comandantes da Marinha, almirante-de-Esquadra Júlio Soares de Moura Neto; do Exército, general-de-exército Enzo Martins Peri; e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro-do-ar Juniti Saito. Em sua palestra, o general Heleno destacou que a região não é para o mais forte, “é do mais sóbrio e inteligente, que pode durar mais na ação”. Detalhe: os búfalos foram usados pelos vietcongs na Guerra do Vietnã.

Heleno, aquele general que protestou por causa da demarcação em terras contínuas da reserva indígena Raposa-Serrra do Sol, é considerado oficial brilhante e exerce liderança na tropa. Defende o deslocamento dos principais efetivos das Forças para a Amazônia e também pensa que o Brasil não deve subestimar os históricos interesses “anglo-saxões” na região. Talvez por isso, a fronteira escolhida para a visita tenha sido a daColômbia, cuja aliança militar com os Estados Unidos é estratégica, por causa das FARC e do narcotráfico, e não a da Venezuela, do nosso histriônico vizinho Hugo Chávez. Por trás do eufemismo de que o “inimigo pode ser qualquer um” do Plano de Defesa Nacional do governo Lula, está a ideia de que os Estados Unidos têm olho grande na Amazônia. O Exército treina soldados-índios e cria búfalos porque sabe que nem a Marinha nem a Aeronáutica teriam condições de enfrentar uma improvável agressão norte-americana. Sem poder de dissuasão, a única alternativa militar seria a guerra de guerrilhas contra uma eventual força de ocupação, principalmente na Amazônia. Parece ideia de jerico, mas os militares acham que tudo pode acontecer daqui a 50 anos, com o esgotamento de reservas de petróleo, manganês, urânio, nióbio e outros minerais estratégicos cobiçados pelos Estados Unidos.

O Rubicão

O ministro Jobim é considerado o primeiro ministro da Defesa de fato pela linha-dura do Exército. Homem de Estado, foi o subrelator da atual Constituição brasileira e presidente do Supremo Tribunal Federal. Se voltar para a advocacia amanhã, terá o crédito de deixar como legado, juntamente com o ministro Mangabeira Unger, um Plano de Defesa digno desse nome, visando fortalecer a indústria bélica nacional e construir um relativo “poder de dissuasão”. Nos bastidores, Jobim compartilha as mesmas preocupações nacionalistas de nossos militares. Mas o Plano foi elaborado num cenário de deriva à esquerda da América Sul, em confronto com a belicosa política externa do ex-presidente Bush. Os Estados Unidos eram o potencial “inimigo principal”. A eleição de Barack Obama, porém, transforma essa preocupação numa espécie de delírio ultranacionalista.

É aí que surgem novas divergências em relação ao Plano de Defesa, principalmente por causa da crise econômica, envolvendo a autonomia dos comandos e as prioridades para o reaparelhamento das Forças Armadas. Jobim resolveu afirmar o Poder Civil e subordinar o Exército, a Aeronáutica e a Marinha ao Estado-Maior Conjunto da Defesa, a quem caberia elaborar o orçamento, estabelecer as prioridades para o reaparelhamento militar e liberar recursos para os projetos e licitações aprovados. O Alto Comando do Exército não aceita a mudança, quer manter o orçamento próprio. Quem lidera a rebelião é o comandante Militar do Leste, general-de-exército Luiz Cesário da Silveira Filho, um remanescente da antiga linha-dura do regime militar.

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