sexta-feira, 20 de março de 2009

O momento Gilmar-Mendes de Temer

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A decisão foi saudada pela ousadia. Que um presidente da Câmara, constitucionalista de formação e ocupante do cargo pela terceira vez, resolva rasgar a Carta para fazer andar a pauta legislativa mais travada dos últimos dez anos seja aclamado com eufemismo, é parte da liturgia da Casa. O problema agora, acatada a decisão pelo não menos arrojado Supremo Tribunal Federal, é como frear a desenvoltura - esta, sim, inequivocamente ousada - do partido de Michel Temer no Congresso Nacional.

Basta ver o que tem acontecido às medidas provisórias da crise. Duas delas tiveram a relatoria entregue à bancada do PMDB do Rio, com um longo prontuário de serviços prestados à nação. O mais recente deles foi a lambança produzida pelas quase 500 emendas - de todos os partidos - à Medida Provisória 449. Acatadas pelo relator, transformaram um projeto que visava ao perdão e escalonamento de pequenos débitos, na oficialização do calote para devedores de todos os tamanhos e quilates. No dicionário de eufemismos da capital federal, a MP recebeu a alcunha de "Refis da crise", mas poderia ser chamada de manual de recompensas ao mau contribuinte.

É compreensível que o PMDB de Temer e José Sarney queira sair das cordas em que foram colocados pelas benesses imorais do Congresso expostas à luz da briga política. Também é mais do que justificável que o Legislativo queira sair da condição de pau mandado do Executivo. Só não está claro como o partido que loteia postos-chave no Congresso pela ordem inversa de antecedentes de lisura possa comandar a pauta com aquilo que um empoeirado léxico brasiliense grafaria como espírito republicano.

O enfrentamento da crise econômica tem, sim, um sem número de projetos candentes que mereceriam apreciação ligeira do Congresso Nacional. A tragédia é que essa irresponsabilidade coletiva em que se transformaram as medidas provisórias, preserva, para o bem e para o mal, o poder de veto do presidente da República, prerrogativa que lhe é negada, por exemplo, quando o Congresso resolve emendar a Constituição.

É difícil imaginar o que pode vir de uma pauta desenfreada a um ano e meio da renovação dos mandatos parlamentares sob o comando absoluto do PMDB. Para lustrar suas biografias, é previsível que coloquem em votação a dita pauta moralizante, como as propostas de emenda à Constituição que impõem o voto aberto em processo de cassação de parlamentares e lhes restringe o foro privilegiado.

Na pauta da crise, pode ser que desencante o cadastro positivo, medida que mais serve ao discurso de missão cumprida, do que à efetiva queda de braço na derrubada dos juros. Se há algo que o sistema financeiro nacional não carece é de uma análise de risco mais sofisticada. Risco não há. O que falta é crédito.

É sintomático o quanto o Congresso está distante, por exemplo, de discussões como a que movimenta a cúpula econômica do governo em torno da mudança na remuneração da poupança.

A chamada comissão de crise do Senado está debruçada num relatório sobre spread bancário. A chance de que dele saia alguma proposta de real confrontação aos interesses do sistema financeiro nacional é proporcional à disposição dos senadores de abrir mão dos bancos como fiadores de seus mandatos.

O perigo mora nas possíveis tentativas de aprovação das reformas tributária e política. Como não interessa aos governadores, às voltas com receitas decrescentes e dívidas escorchantes, discutir a unificação do ICMS, uma reforma tributária, nesse momento, seria um balcão aberto às oportunidades de negócios envolvendo parlamentares carentes de estímulos à renovação de seus mandatos e empresas espremidas pela crise. Basta ver os descaminhos tomados pelo relatório da reforma tributária que está em tramitação na Câmara.

A reforma política, eterna panaceia dos impasses institucionais, também traz riscos imensos numa conjuntura de franca predominância pemedebista. A mudança mais inofensiva que pode resultar desse Congresso em movimento é um desnecessário financiamento público de campanhas ainda mais generoso do que o fundo partidário e o horário eleitoral gratuito já proporcionam.

Mas o risco maior é o de o PMDB deixar o mais aberto possível o prazo de filiação partidária de possíveis candidatos à Presidência da República. O eterno fiel da balança inflacionaria ainda mais seu preço na sucessão. Daí porque custa a acreditar que o Palácio do Planalto tenha decidido assistir a essa leitura da Constituição como uma "obra aberta", num momento Gilmar-Mendes de Michel Temer, de braços cruzados.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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