terça-feira, 10 de março de 2009

A Satiagraha e seus sinais

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nada é simples nessa novela; não se sabe o que e o quanto esconde, e que foi a sua razão de ocorrer

CASO o ministro Gilmar Mendes ainda não tenha definido a nova acusação ao delegado Protógenes Queiroz como outra prova de que, no Brasil, vive-se um "Estado policial", há tempo para uma observação, modesta embora. O Estado policial é aquele em que a polícia prevalece sobre o Judiciário e, portanto, até sobre os tribunais mais altos, como o Supremo Tribunal Federal presidido pelo ministro Gilmar Mendes. Com isso, talvez não fique muito bem para o presidente do STF repetir tanto que vivemos em Estado policial, e para nós outros fica pior ainda, porque não se sabe o que pensar do Judiciário a que tanto temos prezado e quereríamos prezar.

(Receio cometer, nas linhas acima, uma impropriedade ao protocolo oficial. É que, ao saber da explicação de Lula para o seu tijolaço contra o governo e o MST -"o presidente do Supremo deu uma opinião pessoal"-, o ministro respondeu com um míssil didático para Lula e para todos nós: "Falei como presidente de um Poder", que assim ele se situa, e não como mero presidente do Supremo Tribunal Federal. O problema é que o jornalismo é dado a maus hábitos, e, se dermos de falar em presidente do Poder Judiciário, muito poucos identificarão aí o ministro Gilmar Mendes, o que seria muito injusto).

As observações imediatas sobre as novas acusações ao delegado estão feitas, o que não quer dizer que a maioria mereça adesão. Mas ainda se pode fazer ao menos uma a mais.Como parte do momento mais escandaloso da Operação Satiagraha, a Polícia Federal foi cobrada pelo tratamento discriminatório em benefício de uma só TV, quando das prisões. Em resposta aos protestos, o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, instaurou um procedimento para esclarecer responsabilidades na discriminação. Deu-se, porém, que a exibição posterior de cenas mais antigas da operação mostrou que os repórteres privilegiados eram parte ativa da Satiagraha, em função policialesca e não jornalística. Muito provavelmente por essa inesperada identificação, decorrente da gafe do câmera que se fotografou em um espelho, o procedimento esclarecedor deixou de proceder e de esclarecer.

E agora, não houve vazamento? Se houve, haverá procedimento esclarecedor ou até os espelhos sugerem evitar o risco? Da parte de "Veja", não há dívida alguma quanto a fontes, mas desse novo capítulo vêm impressões de mais um artifício esquisito.

A CPI dos Grampos requisitara (à Polícia Federal ou ao Ministério Público em São Paulo), há algumas semanas, cópia do encontrado no material apreendido de Protógenes Queiroz. Só o recebeu na quinta-feira, mas quando já ausentes os deputados que conduzem a CPI. Avisado da entrega por assessores, o presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba, mandou recolher o material ao cofre, tal como recebido, com todo rigor até a retomada dos trabalhos no início desta semana.

Cerca de 24 horas depois, "Veja" começa trazer o que apresenta como partes do mesmo material. Logo, o que cabe deduzir é só isto: ou alguém (alguns?) quis impedir o conhecimento do material pela CPI antes que o desse a uma publicação, no caso, "Veja"; ou quis que uma referência na Câmara à chegada do material, talvez uma bisbilhotada de alguns em fim de expediente, servisse depois como alegada pista de quem fornecera o material à publicação, assim cobrindo bem a procedência real.

Nada é simples nessa novela. Cada movimento na Satiagraha é uma razão a mais para perceber-se que não se trata de um caso limitado ao que transparece. Não se sabe o que e o quanto esconde, e que foi a sua razão de ocorrer.

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