sexta-feira, 6 de março de 2009

Sodoma e Gomorra

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A economia que sairá desta crise será diferente da de hoje, mas como e quando isso acontecerá é impossível prever

PASSEI A semana do Carnaval nos Estados Unidos com meu filho Rick. Esse período de descanso permitiu-me assumir o papel de observador da crise financeira que ocorre na maior economia do mundo. Minhas leituras deixaram de estar focadas em relatórios técnicos ou veículos especializados em economia, abrindo espaço para os jornais e as revistas semanais. Esse novo posto de observação me fez conhecer as reações dos não-especialistas na descrição e nas análises dos fatos ligados à marcha da insensatez que ocorreu na chamada Wall Street.

Em uma sociedade em que a grande maioria acredita na supremacia dos agentes econômicos privados sobre o governo, os fatos que estão sendo agora fartamente descritos causam um impacto terrível. O americano comum aceitava que uma pequena minoria -para ele uma elite- auferisse ganhos extraordinários como uma prova da eficiência do sistema capitalista. Mesmo a falta de caráter de algumas estrelas famosas do mercado financeiro era aceita como parte do jogo. Basta recordar o personagem principal do filme "Wall Street - Poder e Cobiça", que tanto sucesso fez há alguns anos.

Mas os fatos revelados pelos jornais e pelos canais de televisão nos Estados Unidos chocam e revoltam. E a razão principal da revolta do americano médio é a de ter o governo que resgatar, com trilhões de dólares do Tesouro, empresas privadas. Mais ainda, em uma sociedade em que qualquer tentativa do governo em interferir na vida dos cidadãos é considerada socialismo, o que se vê hoje é absolutamente inaceitável. Para um observador atento, esse clima de decepção e revolta está presente no dia-a-dia da imprensa americana. Os detalhes escabrosos dos ganhos com bônus e outros instrumentos de participação nos lucros dos bancos americanos são inaceitáveis. De forma ainda discreta, os americanos começam a entender que a origem dessa farra do boi está no centro de sua ideologia. O desmonte do aparato regulatório e fiscalizador do sistema financeiro foi feito no pressuposto dessa luta entre o lado bom -o setor privado- contra o mau, representado pelo Estado.

Mas a decepção americana vai mais longe. Grandes estrelas do sistema produtivo como a General Motors, a Ford e a GE também estão mostrando uma fragilidade não conhecida. Ainda agora, a empresa que audita e fiscaliza os números da GM vem a público dizer que esse gigante não tem condições de sobreviver. Mesmo a empresa de seguros do ícone do capitalismo americano Warren Buffett -a Berkshire Hathaway- tem hoje um risco de crédito superior ao do Vietnã.

Mas o ídolo caído pela irresponsabilidade de seus dirigentes que mais me impressiona é a AIG, gigante do setor de seguros. Companhia de mais de cem anos de existência, líder mundial inconteste no grupo das chamadas empresas seguradoras, a AIG é hoje um zumbi que não pode quebrar. Várias instituições financeiras dependem de sua existência para não falirem de vez. O setor de seguros sempre foi considerado o mais conservador e mais regulado do mercado financeiro. Pois essa empresa representa hoje o caso mais típico do que aconteceu nos Estados Unidos nestes últimos tempos.

A economia que sairá desta crise -e isso vai ocorrer com certeza, dada a índole do povo americano- será completamente diferente da que conhecemos hoje. Mas como e quando isso acontecerá ainda é impossível prever.

Luiz Carlos Mendonça De Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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