quarta-feira, 11 de março de 2009

Tempos difíceis

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A tese antiga de que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso pode ser resumida na frase de James Carville, marqueteiro do ex-presidente americano Bill Clinton: "É a economia, estúpido". A economia determina o resultado político de uma eleição, a derrota ou a vitória de um candidato. Não há nada que indique que essa norma não seja válida no Brasil, ao contrário. Sempre que a economia está bem, o governo da ocasião tende a ser vitorioso. Lula foi derrotado duas vezes no primeiro turno pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tinha no Plano Real um instrumento eficaz de melhoria da vida dos cidadãos.

Por sua vez, Lula foi eleito duas vezes no rastro da promessa de mudança, quando a crise econômica dominou os dois últimos anos do governo tucano, e encontrou nos programas sociais, especialmente no Bolsa Família, instrumentos de manutenção do poder político.

O presidente Lula é um exemplo do reflexo do econômico no político, está com 84% de popularidade porque a economia vem melhorando ao longo de seu governo e, no ano passado, chegou a um ponto excepcional de crescimento perto de 7% ao ano.

O resultado foi a criação de milhões de empregos pela iniciativa privada, que o governo Lula habilmente tratava como uma vitória de suas políticas. Hoje, com a crise trazendo o desemprego, ele tenta se distanciar de seus efeitos.

Mas o fato é que, até setembro do ano passado, o ambiente econômico estava propício ao crescimento, à criação de riqueza. A política de aumentos reais do salário mínimo, embora seja causadora do aumento do déficit da Previdência devido à relação do mínimo com o aumento dos aposentados, e os programas sociais como o Bolsa Família ajudaram a aumentar o consumo interno, a melhorar a distribuição de renda.

A queda do PIB de 3,6% no último trimestre de 2008, puxando para baixo o PIB daquele ano, que mesmo assim acabou crescendo 5,1%, indica que o ano de 2009 será muito ruim para a economia brasileira.

Se antes da crise era tido como certo que o crescimento mínimo do país em 2009 seria de 2,5% apenas devido ao efeito estatístico do crescimento forte do ano anterior, a queda dos últimos meses de 2008 carregará um efeito negativo para a estatística deste ano equivalente a -1,5%.

As previsões agora são de crescimento próximo de zero para este ano, repetindo, de maneira até mais agravada, o que aconteceu em 2001, quando a economia brasileira crescia num ritmo de 6% ao ano e , com o apagão e os atentados terroristas nos Estados Unidos, o crescimento PIB ficou em 1,3%.

Há fatores que atenuarão esse encolhimento do PIB, como a inflação sob controle, os preços dos alimentos sem tendência de alta, e o aumento do salário mínimo, aquecendo mais um pouco a economia. Além disso, o Banco Central deve cortar os juros em níveis nunca antes vistos, o que pode estimular a economia.

Mas não é preciso ser um especialista para saber que uma taxa de crescimento próxima de zero representa menos empregos e redução da renda média dos cidadãos.

Tudo indica, portanto, que no final deste ano, o clima no país não será semelhante ao que existia até recentemente, e a popularidade do presidente deve ser afetada, o que veremos refletido nas pesquisas de opinião dentro de alguns meses.

A questão é saber se, com relação ao presidente Lula, é possível utilizar-se os mesmos parâmetros com que avaliamos os políticos de maneira geral. É sempre bom ter cautela quando se trata de fazer previsão política, ainda mais quando está em jogo um político diferenciado como Lula.

Não se sabe qual será a reação do povo brasileiro às consequências da crise econômica. Pode ser que haja uma grande frustração diante da postura do governo de minimizar o tamanho do problema, o que continuou-se fazendo ontem.

Para cada momento, o governo tem uma postura, mesmo que elas sejam diametralmente opostas. Quando a economia não conseguia deslanchar, crescendo menos do que a média do mundo, especialmente dos emergentes, o governo defendeu a tese de que não deveríamos nos comparar com os demais países, mas sim conosco mesmo.

Como se isso fosse possível em um mundo de economia globalizada, onde todos competem com todos pelos mercados.

Mesmo quando a economia brasileira crescia apenas mais do que a do Haiti, o governo Lula via motivos para comemorar. Agora, que tudo indica que o crescimento brasileiro, depois de dois anos seguidos em torno de 5%, terá interrompida essa evolução como consequência da crise internacional, o contágio da economia globalizada é ressaltado pelo governo, numa justificativa, aliás correta, de que o nosso crescimento foi interrompido por fatores externos, fora do controle do governo.

E o governo já prepara um discurso diametralmente oposto ao anterior. Ontem, o presidente Lula disse que, mesmo que o crescimento do país seja próximo de zero, será melhor do que o da maioria, inclusive dos países desenvolvidos, que terão uma recessão que ele ainda acredita que não chegará por essas bandas.

Pode ser que o presidente Lula consiga convencer a maioria da população de que a culpa pela crise não é de seu governo, mas dos países ricos, dos Estados Unidos, do neoliberalismo, seja lá do que for.

Mas, mesmo nesse caso, é improvável que ele consiga sustentar uma popularidade tão alta quanto a que obteve nas últimas pesquisas.

Mais que isso, a tarefa de transferir para a ministra Dilma Rousseff os votos necessários para que ela se torne uma candidata competitiva à sua sucessão ficará mais difícil do que já é, pois, se nos tempos das vacas gordas responsabilizá-la pelos êxitos da política econômica lhe dava respaldo político, no tempo das vacas magras, a economia será um ônus que ela carregará.

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