segunda-feira, 27 de abril de 2009

A batalha das previsões

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo Lula não gostou nem um pouco do relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que prevê uma recessão forte para o Brasil neste ano. Segundo o fundo, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vai encolher 1,3%, um resultado pior do que a opinião média verificada entre economistas locais.

Na verdade, há hoje uma dispersão muito grande nos cenários, e não apenas no Brasil. Isso porque a crise é inédita, um evento cujos contornos essenciais não se encontram nos livros nem na experiência recente. Além disso, os governos mundo afora continuam lutando contra a crise com programas e pacotes que podem ou não mudar o curso das coisas.

Há aí uma dimensão propriamente econômica, mas também um lado político, especialmente para o presidente Lula, que leva tudo para o plano eleitoral. Se confirmada a previsão do FMI, seu governo terá obtido uma recessão pior do que a ocorrida na administração FHC.

É muito provável que o ano de 2010 seja de recuperação, mas moderada, de modo que, nessa hipótese, Lula e Dilma Rousseff chegarão às eleições presidenciais com um desempenho econômico mediano. E o plano deles era chegar ao pleito no auge do espetáculo do crescimento.

Como a crise tem uma origem externa, Lula poderia ter escapado desse problema. Entretanto, ao colocar como um objetivo de governo o crescimento de 2% neste ano e de 4,5% em 2010, o presidente assume a responsabilidade integral pelo PIB.

Fica claro que Lula acredita de fato na capacidade do governo de interferir na realidade econômica de um modo decisivo. Pode ser um equívoco, mas vem de longe. O presidente sempre acreditou que o recente crescimento brasileiro decorreu essencialmente de suas políticas e quase nada da boa onda mundial. Agora que a onda se tornou um refluxo, Lula acha, do mesmo modo, que pode escapar.

O peso da influência mundial está subestimado nos dois lados da história. Uma das principais viradas do Brasil foi nas contas externas. E como isso ocorreu? Primeiro, pelo forte crescimento das exportações, que trouxeram dólares abundantes para o Brasil - dólares que foram comprados pelo Banco Central (BC) para compor as reservas de mais de US$ 200 bilhões, o maior seguro anticrise.

Ora, as exportações decolaram porque o mundo estava em forte crescimento e assim demandou produtos brasileiros. Além disso, o Brasil se beneficiou da abundância de capitais baratos, trazidos para cá pela ciranda financeira. Em 2007, por exemplo, as empresas brasileiras captaram mais de R$ 70 bilhões vendendo ações na Bovespa, recursos utilizados para investimentos e novos negócios. E a maior parte desse dinheiro veio de fora.

Além dessas captações, as empresas e os bancos brasileiros tiveram enorme facilidade para obter financiamentos externos bem baratinhos.

A crise atinge o Brasil por esses dois canais: encolhe o mercado de exportação e seca o mercado de capitais. Não há como escapar de uma redução expressiva na atividade econômica, considerando-se que, antes da crise, o Brasil crescia a um ritmo de 6% ao ano.

Uma redução de quanto? - essa é a questão. Dentro do governo, a melhor análise econômica, disparado, está no Banco Central. Conforme o último Relatório de Inflação, o cenário dominante do BC indica um crescimento de 1,2% para este ano. E o BC, registre-se, tem um belo repertório de acertos.

Fora do governo há muita variação. Affonso Celso Pastore, um dos mais respeitados economistas brasileiros, escreveu na semana passada no jornal Valor Econômico que o PIB deste ano deve ter uma contração de 1,5%, um prognóstico próximo ao do FMI.

Mas há consultorias de prestígio que estão mais próximas do Banco Central, esperando um resultado positivo.

Já a economista-chefe do Bradesco Asset Management, Ana Cristina Boicenco, acredita que o PIB terá uma queda de 0,2% a 0,5% - e se trata de uma boa referência. A economista acaba de ganhar o prêmio da Agência Estado por ter obtido, em 2008, a maior margem de acerto nas previsões para PIB, inflação, dólar, juros, comércio externo e dívida pública.

As previsões para 2009 da campeã de previsões em 2008 são as seguintes, além do PIB citado acima: inflação (IPCA) em torno de 4%; taxa básica de juros, no final do ano, de 8,75% a 9%; dólar médio em R$ 2,38, esperando, pois, uma desvalorização do real daqui em diante; e a relação dívida líquida do setor público/PIB subindo um pouco para 37,3%.

E para 2010? Ana Cristina Boicenco espera uma moderada recuperação, com o PIB crescendo em torno dos 2%.

Para todo esse cenário, a economista considera que os programas do governo para estimular a economia vão, sim, produzir seus efeitos.

Tudo considerado, ninguém está esperando um desastre para o Brasil. Ao contrário do que ocorria em crises externas anteriores, o País não vai quebrar pelas contas externas, não vai ao FMI. Ao contrário, vai emprestar dinheiro ao fundo.

A reação brasileira será a de um país com estabilidade macroeconômica. Sofre com a perda de mercados e de crédito, reduz a atividade econômica, com a consequente alta do desemprego, mas tudo sendo uma "crise normal", digamos assim. Comparando com o resto do mundo, é um desempenho mais do que razoável.

Mas, politizando a questão, Lula corre o risco de uma derrota onde poderia ter, no mínimo, um bom empate. Ou não está bem informado sobre a crise ou, de novo, confia no seu discurso não para mudar as coisas, mas a aparência delas.

Sua sorte é que a oposição parece não ter a menor noção do que ocorre e de como lidar com os efeitos da crise.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

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