domingo, 19 de abril de 2009

Caras sem sorte

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Impossível quantificar o que é mais ultrajante: se as bandalheiras no Congresso ou a violência contra os usuários dos trens suburbanos no Rio de Janeiro, se a real ameaça de empossar no governo do Maranhão, a derrotada no último pleito, Roseana Sarney ou a demora de sete anos para decidir se o acusado de mandar matar o prefeito de Santo André, Celso Daniel, deve ir a júri popular.

Duas coisas estão claras: Lula é o “cara”, mas no país do “cara” não vige o Estado de Direito. Temos eleições regulares, uma Justiça Eleitoral autônoma, os Três Poderes são independentes e o Ministério Público é soberano, mas estas são constatações formais, figurativas. Na vida real, na esfera dos direitos do cidadão estamos em pé de igualdade com qualquer regime de exceção.

A sucessão de insultos ao eleitor-contribuinte revelados na interminável série de escândalos legislativos não pode ser classificada como mera irregularidade a ser corrigidas com atos administrativos. São ilícitos evidentes. Atentado ao pudor é crime, previsto no Código Penal. O enxovalhamento do Congresso transcende as divisões partidárias, abarca indistintamente todas as ideologias, fere a instituição parlamentar no seu conjunto e compromete um dos alicerces da República.

As violências cometidas pelos funcionários da Supervia, concessionária privada dos serviços de trens do Rio de Janeiro, não podem ser minimizadas como “falhas de treinamento” do pessoal que atua nas plataformas. A empresa revelou um desprezo cabal pelas responsabilidades que assumiu. É inepta. Seus diretores deveriam ser questionados na Justiça porque suas primeiras manifestações foram assinadas pelo diretor de Marketing.

O bem-estar do público e o interesse social não podem ser equacionados através dos esquálidos valores que regem a disputa pelos mercados. Os acionistas de concessionárias de serviços públicos estão legitimamente interessados nos lucros e na expansão de suas atividades, mas a razão de ser de seus negócios depende exclusivamente da qualidade dos serviços oferecidos à população. Como são monopolistas e não sofrem qualquer concorrência, só podem ser punidos através de multas.

O conceito vale para a empresa ferroviária que protagonizou o vexame internacional produzido pelas imagens dos funcionários chicoteando os passageiros no país do “cara” e vale igualmente para as operadoras de telefonia e serviços de transmissão de dados, cada vez maiores, cada vez piores, cada vez mais arrogantes nas suas pretensões hegemônicas e mais ineficientes. Vale para um sistema bancário superconcentrado e menos atento às suas responsabilidades como gestor da economia privada.

O cidadão-usuário no país “do cara” é cada vez mais espezinhado por um Big Brother telefônico muito pior do que o imaginado por Orwell porque se exprime através de torturantes gerúndios que prometem algo em vias de consumar-se e que jamais se consuma.

Aberração maior – capaz de ser percebida por qualquer torcedor de futebol – é dar o título a quem ficou em segundo lugar. Quem perdeu a partida não pode ser considerado vencedor. O correto e, sobretudo, o justo, seria promover uma nova partida. Este automatismo pseudo-legalista vai privilegiar Roseana Sarney e constitui um incentivo à sobrevivência da figura emblemática da atual degradação legislativa: o seu pai, o senador José Sarney, vice-Rey do Brasil e um dos principais avalistas políticos “do cara”.

Mais deprimente é saber que passados sete anos do assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André e encarregado de preparar o programa de governo “do cara”, o então candidato à presidência, Lula da Silva, nada aconteceu. Um suposto mandante foi preso, depois liberado (mas não inocentado, não representava perigo para a sociedade). Lula, “o cara”, foi eleito, está encerrando o seu segundo mandato e até hoje não se conseguiu definir se o suspeito vai a júri popular ou continuará impune.

Tal como os passageiros chicoteados pelos “caras” treinados pelo departamento de marketing, somos caras sem sorte.

» Alberto Dines é jornalista

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