sexta-feira, 3 de abril de 2009

Consenso de Londres

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A reunião do G-20 foi melhor que o esperado. Foram tomadas decisões fortes e na direção correta. Foi testada, com êxito, a liderança do presidente Barack Obama. O primeiro-ministro Gordon Brown brilhou, apesar das divisões da Europa. Os países emergentes foram ouvidos e influenciaram. Os paraísos fiscais vão acabar. O tom do comunicado é grave como a crise que abala o mundo.

O trilhão de dólares em pacotes de dinheiro para o FMI, para financiar o comércio e para o socorro aos países pobres é fundamental, mas não diz tudo. O sentimento de urgência e os sinais de mudança estão espalhados em vários detalhes da reunião e do seu resultado.

A decisão da reunião em si já foi um bom sinal. Não mais a ideia de um excludente G-7 ou G-8, mas um grupo maior, com mais heterogeneidade e atualizado com a nova divisão do poder mundial. A imprensa internacional trouxe nos últimos dias avaliações de que, na verdade, o importante era o G-3: Estados Unidos, Europa e China. Há países mais e menos influentes, mas o resultado mostrou que o mundo vai além de um triângulo.

É antiga a briga do Brasil por reformas no FMI, é velho o discurso da diplomacia brasileira por uma nova ordem econômica internacional. Antes, parecia miragem. A vastidão da crise fez tudo ganhar sentido. No comunicado conjunto, as palavras ocas e polidas desse tipo de documento foram substituídas por fatos: a estrutura de voto e voz dos organismos financeiros internacionais será revista; os dirigentes receberão uma autorização para, enfim, reformarem o sistema de cotas e votos dos sexagenários de Bretton Woods até janeiro de 2011.

Normalmente, reuniões diplomáticas presidenciais produzem documentos previamente negociados pelos assessores. Desta vez não foi diferente, e até um rascunho vazou antes que os presidentes se sentassem à mesa para conversar. Mas, em geral, os interesses conflitantes provocam comunicados feitos mais para não desagradar as partes do que para decidir algo. O tom do documento de ontem era diferente.

Os paraísos fiscais estão com os dias contados, de acordo com o texto e as palavras do primeiro-ministro inglês. Isso tem uma importância que vai além da crise atual. Afinal, os paraísos fiscais são o lugar perfeito para lavagem de dinheiro, para se esconder os resultados do crime, dos tráficos, da corrupção. Segundo Gordon Brown, Suíça, Hong Kong, Macau e Cingapura já concordaram em um sistema de troca de informações tributárias. Outros vão aderir. A OCDE divulgará uma lista dos países que não quiserem participar.

Gordon Brown demonstrou capacidade de superação de conflitos na questão da regulação e da supervisão do mercado financeiro. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a chanceler da Alemanha fizeram seu ponto antes da reunião: queriam uma supervisão internacional. O Brasil bateu também nesse ponto. O conflito era que alguns países resistiam à ideia dessa supervisão por achar que o melhor era que cada país reorganizasse o seu sistema. Há, de fato, várias dificuldades de se criar regras iguais para sistemas tão heterogêneos, apesar de, na crise, ter ficado claro que os erros foram semelhantes. A decisão final foi estabelecer os parâmetros dessa nova regulação, que põe foco sobre as questões certas: os fundos de alto risco, os hedge funds, serão regulados; haverá limite de alavancagem para as instituições financeiras; as agências de classificação de risco serão também supervisionadas, para se evitar os inaceitáveis casos de conflitos de interesse, diz o comunicado final.

O presidente Barack Obama, em sua estreia, fez mais do que esbanjar simpatia, tratar com carinho o presidente brasileiro e dar um Ipod para a rainha. Ele exibiu o novo perfil da liderança americana: cooperativa e não ideológica. Não é pouco. É superar, nesse ponto, o legendário Franklin Roosevelt, que não entendeu a importância da cooperação internacional na reunião convocada em 1933 para lidar com a crise começada em 1929. Brown disse que, em 1929, o mundo levou 15 anos para construir uma solução negociada. "Agora é diferente, nós não hesitaremos em fazer o que for necessário." E inspirou, mais que outros, a parte em que os líderes defendem uma "recuperação verde", ou seja, investimentos que estimulem a economia indicando o caminho da produção de baixo carbono.

No Brasil, os gastadores devem estar se sentindo fortes pelos discursos e sinais de que a hora é de gastar, é a "maior expansão fiscal já vista", disse Brown. As condições locais mostram que nem tudo pode ser traduzido. A carga fiscal é alta e o Brasil não fez política contracíclica na época do boom, e ainda tem uma dívida alta.

O Banco Central brasileiro sai desta reunião na berlinda. Afinal, todos os sinais escritos e falados são de que a ordem é para a derrubada geral dos juros no mundo inteiro. O entendimento de Brown é que o problema não é mais a inflação. Com sua taxa de 11,25%, o BC brasileiro fica ainda mais exótico no mundo dos juros baixíssimos.

Sim, esta é a pior crise dos tempos modernos. Mas em Londres, pelo menos durante algumas horas, os líderes entenderam isso.

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