quinta-feira, 30 de abril de 2009

Coronelismo globalizado

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Antonio Carlos Magalhães, o todo-poderoso oligarca baiano cujo reinado durou mais de 40 anos, até sua morte, em 2007, tinha um estilo duro, implacável: ofendia publicamente, gostava que seus inimigos soubessem que vinham dele as desgraças que os assolavam e mantinha quase o mesmo comportamento na política regional e na nacional - nos dois casos, ele era impulsionado por disputas claras de poder, onde não poupava nenhum esforço para vencer, e não escondia isso, não economizava em golpes contra desafetos e colecionava inimigos. O senador José Sarney (PMDB), ex-presidente da República, é um político nacional afável: não briga publicamente e tem mais amigos que inimigos. O que une ACM e Sarney, contudo, são os amigos certos na política nacional e o controle rígido sobre os seus quintais. Um era, outro é, a forma acabada do chefe de uma oligarquia regional. Sarney tem verniz; ACM, não tinha.

Sarney, com seu estilo, poupou-se mais do que ACM, mas não fez uma política no seu Estado que divergisse fundamentalmente da mantida pelo ex-senador baiano. Como ACM, o líder maranhense conseguiu consolidar o seu poder político regional graças ao apoio dos governos militares que tomaram o poder em 1964. Uma diferença fundamental, contudo, que pode ter servido para relativizar o seu papel como chefe de oligarquia, foi o fato de que venceu uma disputa para o governo do Estado em 1965 com o apoio de uma frente ampla de oposição contra o oligarca de então, Vitorino Freire, que incluía também as forças de esquerda do Estado. Sarney é um chefe político que é produto de uma enorme contradição: venceu quando o grupo anterior rachou, por força do golpe de 64, e porque teve o apoio fundamental do marechal Castelo Branco, primeiro presidente do período militar; ao mesmo tempo, era um dos líderes da oposição local e se apresentava como a força modernizadora, contra o atraso que seria representado pelo grupo de Vitorino. A partir daí, consolidou-se como líder e formou a sua própria oligarquia, enquanto as forças maranhenses que se opunham à ditadura sumiam de cena.

No discurso de sua posse, em 1965, Sarney invoca para si o poder de recomeçar o Estado, tirá-lo das cinzas: "Estamos sepultando um passado empobrecido pela ausência, pelas carências de todas as ordens. Um passado em que as instituições foram empobrecidas e deformadas, quando não corrompidas ou viciadas. Um passado que nos enche de vergonha, de pobreza e de mistificação; um passado que, por tudo isso, deve ser sepultado para sempre". A citação consta do artigo "Do "Maranhão Novo" ao "Novo Tempo": a Trajetória da Oligarquia Sarney no Maranhão", de Wagner Cabral da Costa, professor de História da Universidade.

O documentário de Gláuber Rocha, "Maranhão 66", feito durante a sua posse, é profético quando congela esse passado na sua câmera, enquanto vagueia pelo discurso de posse do governador moderno. Sarney fala para uma multidão que se espreme em frente ao Palácio dos Leões; Gláuber, simultaneamente, passeia com sua câmera pela miséria do Estado, pelos miseráveis urbanos e rurais, pelos buracos de rua, pelas casas de adobe. Em 1966, Sarney assumiu prometendo ao Maranhão "liberdade, progresso, grandeza e felicidade". Um reinado de 43 anos depois, já no Século XXI, o Maranhão modernizado pela oligarquia Sarney não é o Estado com maior taxa de mortalidade infantil, com as suas 39,2 mil crianças mortas por mil nascidas, porque existe o Alagoas; e só não é o Estado com menor expectativa de vida, de 67,6 anos, porque existe o Piauí.

A ideia da "modernidade" foi sendo associada a sucessivos governos maranhenses ligados à oligarquia Sarney, e foi retomada com algum vigor no governo de sua filha, Roseana (eleita em 1994). Sarney batizou a chapa vencedora em 1965 de "Maranhão Novo"; a coligação que elegeu Roseana chamava-se "Novo Tempo". Costa, em seu artigo sobre a oligarquia, analisa que a família, de certa forma, conseguiu criar um "mito" de lideranças modernas, capazes de mudar o perfil de um dos países mais pobres da Federação. Mantendo-se como mediadores desse progresso - em especial quando o patriarca estava na Presidência da República, entre 1986 e 1990 -, levaram o capitalismo monopolista ao Maranhão, diz o autor, mas num modelo altamente concentrador - uma grande parte dos domicílios urbanos (43%) tem renda per capita de até meio salário mínimo num Estado onde o maior indicador de "progresso" foi a intensa urbanização ocorrida no período.

A urbanização, numa situação de pequeníssima distribuição de renda, colocou a oligarquia no terreno da disputa política de fato, já que se consolidava um polo de oposição em torno de Jackson Lago (PDT) que era capaz de reverter a hegemonia sarneyzista pelo voto, segundo o autor. O voto urbano é mais refratário a políticas de clientela e à influência de políticos locais.

O auge da consolidação de um polo de oposição à liderança do clã foi a eleição de Jackson Lago ao governo, em 2006. A família Sarney conseguiu apeá-lo do poder dois anos depois que assumiu o mandato, por decisão da Justiça Eleitoral, que não julgou, todavia, os processos contra Roseana, que disputou com Lago as últimas eleições, chegou em segundo lugar e é agora a governadora, apesar de ter perdido a disputa. A mesma estratégia foi usada pelo senador José Sarney - que se candidatou pelo Amapá depois que deixou a Presidência e fez do Estado a extensão de seu quintal político, um "puxadinho" do Maranhão - quando seu candidato ao Senado foi derrotado pelo governador que deixava o cargo, João Capiberibe, em 2002. Sarney tomou o mandato do adversário na Justiça.

O irônico é que a lei que determina a cassação do mandato, em caso de abuso do poder econômico, foi a única de iniciativa popular até hoje aprovada desde que isso foi permitido pela Constituinte de 1988. Ela se tornou um instrumento por excelência nas mãos da família Sarney, que domina dois Estados.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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