segunda-feira, 13 de abril de 2009

A crise do supérfluo

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Sociedades que combinam consumismo e desigualdade, luxo e pobreza, parecem doentes, apontam críticos

PARA entendermos que a crise que a economia mundial enfrenta é quase tão grave quanto a dos anos 1930, devemos considerar uma variável que não vi ainda discutida: ela acontece em um momento em que as famílias são muito mais ricas do que eram há 80 anos.

Naquela época os salários em todos os países em desenvolvimento estavam no nível da subsistência, e nos países ricos, estavam um pouco acima. Em consequência, uma perda generalizada de confiança, como aquela que aconteceu então, não podia ter um efeito tão violento sobre a demanda agregada como aquele que está acontecendo agora.

Vivendo ao nível de subsistência ou pouco acima, as famílias não podiam, de uma hora para outra, reduzir de forma radical seu consumo como o fazem agora. Naquela época, nem sequer existiam muitos bens e serviços de consumo, cuja compra hoje pode ser descartada sem grande problema para cada pessoa; ou, quando existiam, eram considerados bens de luxo. Hoje, não são mais bens de luxo -ficaram baratos-, mas são bens supérfluos.

Esta é provavelmente a razão fundamental pela qual a crise atingirá mais violentamente os países ricos do que os países em desenvolvimento: enquanto para estes as previsões são ainda de crescimento positivo ou de crescimento zero em 2009, na Europa, a queda esperada é de cerca de 2%, nos Estados Unidos, de 4,5%, e no Japão, de 6,5%! Certamente existem outras causas. As famílias nesses países se endividaram mais, e a desregulação dos mercados financeiros foi maior.

Por outro lado, a principal razão pela qual a queda do PIB é maior no Japão e nos Estados Unidos do que na Europa é o fato de aqueles países não contarem com o sistema de proteção ao trabalho -não contarem com um Estado social como o existente na Europa. Quanto aos países em desenvolvimento, embora também não contem com sistemas de seguro social (o Brasil é uma rigorosa e saudável exceção), que, em um momento como este, têm um papel amortecedor da crise na medida em que mantêm a renda dos trabalhadores, não é essa a principal razão pela qual a crise é menor. Nem é menor o endividamento das famílias.A grande "vantagem" dos países pobres e mesmo dos países de renda média é a de que suas famílias não podem reduzir de uma hora para outra o consumo supérfluo porque esse tipo de consumo é pequeno. No caso do Japão é preciso também considerar que em março suas exportações caíram 47% em relação ao ano anterior. Como o coeficiente de exportações em relação ao PIB é alto nesse país, essa queda tem um forte efeito negativo sobre o crescimento.

Mas sabemos que o Japão exporta principalmente bens de consumo tecnologicamente sofisticados. Ora, são esses os bens supérfluos por excelência da sociedade de consumo de massa em que vivemos.

A triste experiência do Japão parece dar razão aos críticos sociais. Sociedades que combinam consumismo e desigualdade, luxo e pobreza, como são todas as sociedades modernas, são sociedades doentes. Entretanto, nesse caso, o Japão é a boa exceção: segundo a maioria das avaliações, é o país que apresenta menor desigualdade entre todos os países, inclusive os escandinavos.

Por essa razão deveria sofrer menos com a crise. Mas não é isso o que está acontecendo. Por quê? Porque as outras variáveis -o alto coeficiente de exportações e a especialização em bens supérfluos- pesam mais? Não sabemos. Nunca ficou tão claro como nesta crise como deveriam ser modestos os economistas.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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