quarta-feira, 22 de abril de 2009

Ei vocês, gênios da economia, o que houve?

Peter Coy, BusinessWeek
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A maioria dos economistas fracassou em prever a pior crise econômica desde a década de 30. Agora eles não conseguem se entender sobre as formas de resolvê-la. As pessoas estão começando a se perguntar: para que mesmo servem os economistas? Um analista escreveu recentemente num blog sobre habitação que os economistas se saíram pior na previsão do mercado habitacional do que seu pai, que nem tem educação formal, ou que sua mãe, que só terminou o colegial. "Se você é um economista e não viu isso se aproximando, você deveria reconsiderar seriamente o valor da sua formação e talvez devesse fazer algo que tenha um valor palpável para a sociedade, como colher vegetais", escreveu no patrick.net.

Bem feito, seus espertalhões fracassados! Andem, pulem de uma curva de oferta!

Para ser justo, não se pode esperar que os economistas prevejam o futuro com algum tipo de exatidão. O mundo é simplesmente complicado demais para tanto. Coletivamente, porém, eles deveriam ter condições de alertar sobre os perigos adiante. Além disso, quando o desastre ocorre, eles deveriam saber o que fazer. Na verdade, as pessoas prestam atenção aos economistas em tempos como estes em função da sua temerária alegação de que sabem como impedir que a economia passe por uma repetição da Grande Depressão. Sete décadas após a depressão, porém, economistas ainda não chegaram a um entendimento sobre suas lições. O debate só aumentou nas semanas recentes.

Para combater a retração econômica, o presidente do Federal Reserve (o Fed, banco central dos EUA), Ben Bernanke, o secretário do Tesouro, Timothy F. Geithner, e o diretor do Conselho Econômico Nacional dos EUA, Lawrence Summers, estão tentando fazer uma combinação inédita, de estímulo fiscal maciço com política monetária excessiva. Se ela produzir uma recuperação sustentada - e há alguns sinais iniciais de esperança - eles serão considerados heróis. Por ora, no entanto, é perturbador que eles tenham sido obrigados a recorrer a medidas políticas que, na sua escala e abrangência, estão completamente fora daquilo que o ofício da economia tem estudado ou até contemplado nos anos recentes.

A crítica aos economistas, só um pouco exagerada, é que eles são demasiado seguros de si, pouco realistas e políticos. Eles reivindicam uma precisão que nem sua matéria-prima nem sua habilidade justificam. Muitos pressupõem que as pessoas se comportam como o mítico homo economicus, que é hiperracional e onisciente. Além disso, eles sempre tomam um lado em discussões que congelam o processo de pesquisa. Os poucos que desafiam a crença generalizada são ignorados.

Os críticos são mordazes. Nassim Nicholas Taleb, estudioso de eventos raros que escreveu "Fooled by Randomness" ("Iludido pelo Acaso", Ed. Record) e "The Black Swan" ("A Lógica do Cisne Negro", Ed. Best Seller), diz: "Precisamos construir uma sociedade que não dependa de projeções feitas por economistas mentecaptos". Paul Wilmott, especialista em finanças quantitativas, diz: "Os modelos dos economistas são simplesmente terríveis. Eles se esquecem completamente de como o elemento humano é importante".

Diante de críticas tão contundentes, é tentador ignorar a profissão como um todo. Isso, porém, não resolverá. Em primeiro lugar, sair dessa confusão e assegurar que não aconteça de novo exigirá o melhor esforço de pensamento de toda uma geração. Macroeconomistas - aqueles que se especializam em ciclos econômicos e desenvolvimento - fizeram importantes contribuições. Por exemplo, pesquisas realizadas nos anos 70 ajudaram muitos países a eliminar a inflação crônica, ao destacarem a importância de ter um banco central forte e independente.

Mesmo agora, avanços estão sendo feitos. Estudiosos de todas as disciplinas estão se atualizando tardiamente com as finanças modernas. Considerando-se o fato de que são treinados para imaginar os mercados financeiros como eficientes, a maioria dos economistas não foi preparada para identificar os perigos representados por empréstimos habitacionais negligentes, instituições financeiras superalavancadas e derivativos impenetravelmente complexos. "O momento está perfeitamente maduro para o surgimento de novas ideias, assim como aconteceu nas décadas de 30 e de 70", diz Roger E.A. Farmer, da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Além disso, mesmo se suspeitarmos do valor dos economistas, é impossível ignorá-los. Qualquer ideia que possamos ter sobre formas de lidar com essa crise está baseada em alguma suposição sobre a forma como o mundo funciona. Percebamos isso ou não, todas essas suposições veem de uma ou outra escola de economia. Como escreveu o economista britânico John Maynard Keynes: "Homens práticos, que se julgam livres de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista defunto".

Portanto, é melhor que todos tenham esperanças de que a profissão possa se reorganizar. Não será fácil, pois esta crise está deitando sal em antigas feridas. Ela está reabrindo discussões sobre uma das questões mais controversas em macro, ou seja, a capacidade de o déficit nos gastos do governo (isto é, a política fiscal) estimular a demanda e fazer as pessoas voltarem ao trabalho.

Em janeiro, a luta em torno da política fiscal se manifestou publicamente, depois que o então presidente eleito dos EUA, Barack Obama, fez o que provavelmente lhe pareceu ser uma afirmação segura. "Não há nenhuma discordância de que necessitamos de ação por parte do nosso governo, de um plano de recuperação que ajude a impulsionar a economia", disse. Não muito depois, cerca de 250 economistas conservadores, em carta aberta publicada por jornais importantes, escreveram: "Com o devido respeito, senhor presidente, isto não é verdade". O economista David C. Colander, do Middlebury College, que também desconfia do pacote de estímulo, diz: "O debate é razoável. O absurdo é que o estejamos realizando neste momento", em vez de décadas atrás.

O maior pecado dos economistas é a arrogância. Nos anos 60, Milton Friedman, economista adepto da teoria do livre mercado, persuadiu virtualmente toda a profissão de que a Grande Depressão foi causada pelo Federal Reserve. Isso parecia implicar que uma política melhor por parte do banco, conduzida por economistas, evitaria uma reincidência. Bernanke, que à época ocupava uma diretoria do Federal Reserve, afirmou exatamente isso num discurso de 2002, em comemoração ao 90º aniversário de Friedman, em que reconheceu o papel do Fed na Depressão. Disse ele a Friedman: "Você está certo, nós causamos isso. Sentimos muito. Mas, graças a você, não faremos isso de novo." O peixe morre pela boca.

Acreditando no poder do Fed, os economistas geralmente pararam de pesquisar o uso da política fiscal no combate a recessões ou depressões. Além disso, as recessões haviam se tornado mais raras e brandas - a chamada Grande Moderação. Então, quem precisava de estímulo? "Até um ano atrás, você pareceria muito antiquado se falasse sobre política fiscal ideal", diz o economista Xavier Gabaix, da Universidade de Nova York (NYU).

A adesão à ortodoxia pela corrente principal de economistas também ficou visível na sua rejeição despreocupada dos receios quanto a bolhas nos setores imobiliário e de ações. O ex-presidente do Fed Alan Greenspan até negou que uma bolha imobiliária nacional fosse possível, já que o setor não era um mercado nacional único. Ele também atribuiu pouca importância aos perigos de inventos de Wall Street, como os derivativos. Apenas em 2008 ele reconheceu que estava errado. Em depoimento no Senado, disse estar chocado por ter encontrado uma "falha" em sua ideologia. "Passei 40 anos ou mais com evidências muito consideráveis de que isso estava funcionando excepcionalmente bem."

Questões políticas agravaram o problema. Em uma divisão bem geral, é possível separar os macroeconomistas segundo sua preocupação com a instabilidade econômica. Um grupo, na tradição de Keynes, preocupa-se com a autoperpetuação de declínios econômicos que deixam a economia em profundas depressões, das quais não consegue escapar. Os integrantes deste grupo dizem que o governo precisa romper esta espiral de queda com o tipo de política agressiva promovida atualmente pelos EUA - com redução dos juros e aumento nos gastos governamentais. O grupo inclui Paul Krugman, economista da Universidade Princeton e prêmio Nobel; Nouriel Roubini, da NYU, que previu com bastante antecipação a severa recessão; e Robert Shiller, da Universidade Yale, que anteviu as bolhas dos setores de tecnologia e de imóveis.

Outros economistas têm mais confiança no autoequilíbrio da economia. Creem que juros baixos e gastos pesados geradores de déficit, além de deixarem os EUA com uma montanha de dívida, são ineficazes. Inclua neste time Robert Barro, de Harvard; ao lado de Robert Lucas Jr., de Chicago; Edwad Prescott, da Universidade do Estado de Arizona; e Patrick Kehoe e V.V Chari, da Universidade de Minnesota. Não é surpresa que a escola do equilíbrio incline-se em grande parte na direção dos republicanos, e a escola intervencionista pareça recheada de democratas.

Antes desta crise, parecia que os economistas poderiam resolver suas diferenças. Krugman, muitas vezes combativo, escreveu na primeira edição de seu livro "Macroeconomics", em 2006, escreveu que "o pequeno segredo benéfico da macroeconomia moderna é o nível de consenso que os economistas alcançaram nos últimos 70 anos".

O estado de ânimo agora é mais desagradável. À esquerda, Krugman diz: "Isto é realmente bastante vergonhoso, que estejamos desperdiçando meses preciosos como profissão, reconstituindo debates que foram resolvidos há 70 anos". À direita, John Cochrane, da Universidade de Chicago, rejeita os que defendem os estímulos keynesianos, dizendo: "Economistas profissionais, os sujeitos com quem eu me relaciono, estão voltando para o antigo keynesianismo tanto quanto os físicos estão voltando para Aristóteles quando não conseguem entender a velocidade de expansão do Universo." Há alguns no meio do caminho, como Michael Woodford, da Universidade Columbia, com o argumento de que os macroeconomistas estão convergindo na metodologia para se fazer perguntas. Mesmo Woodford, no entanto, concorda que "os recentes debates não fazem a disciplina parecer particularmente unida".

A crítica mais fácil contra os macroeconomistas é que quase todos fracassaram em antever a recessão, apesar de sinais de alarme aos montes. No início de setembro de 2008, a previsão média de crescimento para o quarto trimestre era de 0,2%, de acordo com pesquisa da Blue Chip Economic Indicators. O resultado verdadeiro foi um declínio anualizado de 6,3%. O Fed não se saiu nem um pouco melhor. Em julho de 2008, representantes do banco projetavam índice de desemprego entre 5,5% e 5,8% no quarto trimestre de 2008. O número real foi de 6,9%. A projeção para o quarto trimestre de 2009, feita na mesma época, variava de 5,2% a 6.1%. Hoje, com o desemprego a 8,5%, a maioria dos responsáveis por estimativas fala num índice perto dos 10% para o fim do ano.

Agora que a política fiscal voltou à mesa de discussões, economistas divergem sobre o alcance do efeito dominó, ou "multiplicador", do aumento nos gastos governamentais. Os economistas intervencionistas acreditam que o alcance é maior quando a economia opera abaixo da capacidade produtiva, como certamente ocorre agora. Segundo um informe do Fed, em 15 de abril, cerca de 30% da capacidade de produção industrial está ociosa, maior proporção já verificada nos registros, que remontam a 1948.

Autoridades do governo Obama acreditam que a política fiscal está no caminho certo. O programa de estímulo "está colocando um pouco mais de energia no consumidor", disse Summers, diretor do Conselho Econômico Nacional. "Há dois meses, não se podia achar nada de positivo." Christina Romer, principal assessora econômica de Obama e historiadora da Depressão, disse em março que "em algum ponto, a recuperação tomará vida própria". Até lá, o governo deve checar de perto "para certificar-se de que o setor privado subiu de novo na sela" antes de relaxar.

Outros economistas dizem que o aumento nos gastos dos governos poderia desencorajar o emprego privado. Em evento do Conselho de Relações Exteriores, em 30 de março, Robert Lucas Jr., da Universidade de Chicago, chamou a matemática multiplicadora do governo de um "tipo de economia de segunda categoria".

A verdade é que, mesmo os defensores dos estímulos não podem estar certos de que os pacotes funcionarão. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, muitos economistas temeram que o crescimento desaparecesse com a queda nos gastos militares. Sewell Avery, executivo-chefe da Montgomery Ward, estava tão inquieto quanto à depressão do pós-guerra que desistiu de abrir lojas. Os economistas ainda não estão certos por que ele estava errado e não podem dizer, com segurança, se estímulos fiscais encerrarão esta recessão ou só ajudarão a interrompê-la. "É possível arquitetar, com a expansão fiscal, uma recuperação durável ou se está apenas ganhando tempo?" pergunta Krugman, favorável a aliar estímulos com ações drásticas para consertar bancos.

Então, qual o caminho a seguir? Assim que esta crise acabar, a próxima agenda dos macroeconomistas será ajudar a tornar a economia mais robusta - o suficiente para sobreviver aos erros crassos dos políticos, banqueiros e economistas do futuro. Taleb, o estudioso da imprevisibilidade, destaca que a natureza atinge a solidez por meio de uma redundância que os economistas considerariam antieconômica: dois olhos, duas mãos, etc. Blake LeBaron, da Universidade Brandeis, sugere evitar crises gigantescas por meio da tolerância a pequenos distúrbios, da mesma forma como guardas florestais usam incêndios controlados para eliminar arbustos inflamáveis. Talvez, sob as cinzas do fracasso, renasça uma profissão macroeconômica melhor. (Colaboraram Jane Sasseen e Theo Francis)

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