sábado, 4 de abril de 2009

''Forçar inclusão é política populista e demagógica''

Roldão Arruda
Entrevista Simon Schwartzman
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (ontem)

Simon Schwartzman: sociólogo e cientista político; debate no Congresso sobre cotas sociais e raciais nas universidades é desserviço e não resolve problemas, diz analista

O debate que se trava no Congresso sobre a criação de cotas sociais e raciais nas universidades brasileiras é um desserviço, porque desvia a atenção dos problemas reais da educação brasileira. Essa é a opinião do sociólogo e cientista político Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, no Rio de Janeiro, e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1994 e 1998.

Na quarta-feira, ao participar de uma audiência pública no Senado, organizada pela Comissão de Constituição e Justiça, que analisa o projeto de cotas, Schwartzman afirmou que seria mais interessante discutir o estrangulamento que está ocorrendo no ensino médio - o que reduz de fato as chances de estudantes de escolas públicas atingirem a universidade.

Em entrevista ao Estado, o especialista também rebateu o argumento da "dívida social" que o Brasil teria com a população negra, após quase três séculos de regime escravagista: "O argumento da dívida social é complicado. Quem deve pagá-la? Os portugueses escravocratas que já morreram? Os filhos de imigrantes japoneses, italianos e alemães que vieram para o Brasil na miséria e não tiveram nada com essa história do passado? Essa maneira de pensar em direitos e dívidas coletivas é difícil de sustentar."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em seu depoimento na Comissão de Constituição e Justiça, onde está sendo debatido o projeto de lei que cria cotas raciais e sociais em universidades públicas, o senhor disse ser contrário à aprovação. Por quê?

Na exposição que fiz, eu argumentei que a legislação proposta só beneficia um número pequeno de pessoas, prejudicando outras, e não altera o quadro de desigualdade social no ensino superior. Na medida em que o ensino superior se amplia, a inclusão por renda, cor e escola de origem vem crescendo, sem precisar de políticas de cotas para isso. Para haver uma política de inclusão efetiva, ela deveria se basear em critério de renda, que é socialmente o mais justo, e não de raça ou de escola do ensino médio. Isso seria uma discriminação contra brancos pobres e famílias pobres que investiram na educação média particular. Forçar a inclusão, sem saber se o estudante vai concluir o curso, é uma política populista e demagógica.

Pelo que o senhor diz, o foco da discussão não deveria ser o das cotas.

Sim. O foco quase exclusivo da atenção sobre política de cotas desvia a atenção sobre os problemas reais da educação brasileira. O principal estrangulamento ao acesso é o ensino médio, que está diminuindo seu ritmo de crescimento, ainda longe de atingir a universalização. Com a ampliação recente do ensino superior, o acesso de pessoas de baixa renda e de não brancos tem aumentado, sobretudo no setor privado. Em minha exposição, também disse que o número de vagas no ensino superior já é maior, hoje, do que o número de pessoas concluindo o ensino médio.

O senhor é contrário às políticas compensatórias?

O fundamental é a igualdade de oportunidades - e ela depende da qualidade da educação básica, assim como da educação pré-escolar. Políticas compensatórias, quando isoladas, têm resultados duvidosos.

Como acha que se poderia dar mais apoio aos estudantes carentes?

Com bolsas, créditos educativos e programas especiais de recuperação e capacitação, para que possam entrar no ensino superior em igualdade de condições. Por outro lado deveríamos cobrar o ensino público de estudantes que podem pagar.

No passado, os Estados Unidos adotaram políticas compensatórias, ações afirmativas com bons resultados. Por que elas não podem funcionar aqui?

Em relação aos Estados Unidos, é bom lembrar que lá havia uma situação diferente, de apartheid racial, que no Brasil não existe. Além do mais, os americanos têm um sistema em que as universidades escolhem as pessoas individualmente - o que permitiu no passado discriminações negativas, e, depois, positivas. Mas hoje, nos Estados Unidos, as cotas não existem mais, estão proibidas.

Os defensores das cotas raciais afirmam que o Brasil, após três séculos de escravidão, não criou políticas de apoio à população negra. Não se fez, por exemplo, uma reforma agrária, que permitisse o acesso dos ex-escravos à terra. Existiria, portanto, uma dívida social a ser paga. Como vê isso?

O argumento da dívida social é complicado. Quem deve pagá-la? Os portugueses escravocratas que já morreram? Os filhos de imigrantes japoneses, italianos e alemães que vieram para o Brasil na miséria, e não tiveram nada com essa história do passado? Acho que essa maneira de pensar em direitos e dívidas coletivas é muito difícil de sustentar. Existe uma situação de desigualdade social que afeta a pretos, pardos, brancos e todo tipo de gente, e são elas, pelo que ocorre hoje, e não pelo que ocorreu com seus antepassados, que precisam de políticas para dar-lhes melhores condições de vida.

E como se faz isso?

Como já disse, com melhores escolas, melhores empregos etc, e não por cotas.

Se o projeto for aprovado, na forma em que está, ele pode afetar de alguma maneira a vida nas universidades?

Sim. Ao forçar a inclusão de estudantes sem qualificação prévia, a lei pode criar grandes problemas para os cursos superiores públicos de melhor qualidade.

Como o senhor vê o Prouni, que distribui bolsas de estudo para estudantes carentes em universidades particulares?

Comparado com o projeto de cotas, o Prouni é um programa mais adequado e efetivo de inclusão, por incluir critérios de renda, desempenho e qualidade das instituições.

Simon Schwartzman estudou sociologia, ciência política e administração pública. É pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, no Rio de Janeiro. Presidiu, entre 1994 e 1998, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Foi diretor para o Brasil, entre 1999 e 2002, do American Institutes for Research.

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