sexta-feira, 3 de abril de 2009

G20: para além da reunião de Londres

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A afirmação de Obama de que o mundo não deve contar mais com o excesso de consumo nos EUA é um divisor de águas

O ENCONTRO do G20 em Londres é um evento de extraordinária importância para o enfrentamento da crise econômica que vivemos. Não por outra razão ele tem concentrado a atenção da imprensa mundial e dos mercados financeiros. Embora até as pedras saibam que, em encontros como esse, as decisões já foram tomadas nos níveis técnicos, o resultado final animou a todos.

Mas o fato mais importante por ele criado me parece ser a sinalização de que entramos em um período de grandes mudanças. A afirmação do presidente Obama de que o mundo não deve contar mais com o excesso de consumo nos Estados Unidos para crescer é um divisor de águas.

Essa foi a principal fonte de crescimento na última década e, a partir dela, é que as economias mais importantes do planeta se organizaram. A declaração do presidente americano evidencia a necessidade de uma revisão profunda das regras atuais.

A partir da revolução tecnológica e da globalização desde os anos 90, foi a demanda do consumidor americano que permitiu a construção de um sistema produtivo integrado e espalhado por várias regiões do planeta. O crescimento do comércio mundial foi o resultado mais claro dessa dinâmica. Hoje está claro o desenho que as forças racionais de mercado criaram para responder a esse apetite voraz da maior economia do mundo.

De um lado, países como a China, que operavam uma estrutura industrial de baixo custo voltada para a exportação; de outro, economias que forneciam matérias-primas brutas ou componentes industriais mais sofisticados para esses verdadeiros "hubs" industriais. No primeiro grupo, o Brasil é um dos mais importantes exemplos; no segundo, temos as economias asiáticas, tais como Coreia do Sul e Taiwan.

Fechavam essa cadeia os países produtores de máquinas e equipamentos, como Alemanha e Japão. Esse sistema de produção e consumo viabilizava-se do ponto de vista financeiro via um fluxo de recursos para financiar os desequilíbrios da conta corrente americana e de outros países menores. Os recursos vinham principalmente dos países exportadores de petróleo e de outros com grandes saldos em conta corrente, como a Alemanha, o Japão e, nos últimos anos, a China.

O próprio Brasil fazia parte desse grupo de banqueiros do consumo em razão do acúmulo de reservas externas no Banco Central.

Pois o presidente Obama disse com todas as letras que esse mundo acabou. Os Estados Unidos -governo e setor privado- vão ter que recriar o hábito da poupança e da redução de seus gastos correntes. A dívida pública americana vai chegar a um nível tal que os gastos com juros no futuro próximo vão obrigar a um esforço fiscal de grandes proporções. A contrapartida desse movimento será uma economia mundial com crescimento medíocre por algum tempo, talvez alguns anos.

Somente o crescimento da demanda interna nos países superavitários pode gerar mais dinamismo ao mundo. É nesse contexto que os países emergentes aparecem com destaque, ora reconhecido no âmbito do G20. Essas economias já atingiram dimensão suficiente para ter peso sistêmico, e daqui para a frente o sistema monetário internacional não poderá deixar de lado esse fato.

Está dado que eles serão líderes no processo de reconfiguração da economia mundial nos próximos anos. No que se refere ao Brasil, é preciso considerar estrategicamente as imensas oportunidades que tal dinâmica oferece.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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