quarta-feira, 15 de abril de 2009

Limites

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Sei que o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) não teve a intenção de levantar o debate sobre o fechamento do Congresso, mas, ao contrário, destacar o prejuízo que tal medida acarretaria à democracia, mesmo que aprovada por um plebiscito.

Sua infelicidade ao abordar tal tema delicado foi provocada pelo anseio de defender a instituição da qual faz parte, e a democracia pela qual luta, preocupado com as denúncias seguidas.

Parece até brincadeira, mas a cada dia aparece um caso mais esdrúxulo de uso do dinheiro público por nossos congressistas.

Agora é o deputado F á b i o F a r i a ( P M N R N ) , que, de acordo com o site Congresso em Foco, usou sua cota de passagens de avião para bancar a viagem de atores que foram participar do carnaval for a d e é p o c a e m N a t a l , além de pagar sete viagens para a ex-namoradora, a apresentadora de TV Adriane Galisteu, e a mãe dela, Emma Galisteu, entre 2007 e 2008, inclusive para Miami.

Faria admitiu corrigir algumas “falhas burocráticas”, e restituiu o valor das passagens dos artistas, mas alegou que, na ocasião, Adriane Galisteu era sua companheira, e por isso tinha direito às passagens.

Os casos se sucedem sem que se discuta o cerne da questão, que é a noção de limites para o uso de verba pública. Para início de conversa, o orçamento deveria ser feito de acordo com os gastos, e não os gastos de acordo com o orçamento.

O teto da verba orçamentária a que a Câmara e o Senado têm direito não deveria ser utilizado se não houvesse necessidade. Em ano de orçamento gordo, quando a economia cresce, a verba cresce também, provocando gastos desnecessários, que depois têm que ser mantidos, como as diversas “diretorias” ou “conselhos”.

O presidente da Câmara, deputado Michel Temer, por exemplo, acha que a questão deve ser resolvida “pelo juízo” de cada deputado, a mesma posição que a Mesa do Senado tomou quando os desmandos de lá foram denunciados.

A primeira questão deveria ser definir claramente que a cota não pertence a nenhum deputado ou senador, mas ao Senado e à Câmara, que têm obrigação de zelar pelo seu gasto.

Ao contrário do que suas excelências dizem, essas questões não deveriam ficar a juízo dos parlamentares, mas, sim, serem regidas por regras claras para evitar esses mal-entendidos que, invariavelmente, afetam os cofres públicos.

Não há notícias de que deputado ou senador tenha se enganado contra seus próprios bolsos. E são raros e honrosos os casos dos que não se utilizam da tal verba indenizatória, cujo gasto também é suscetível a interpretações duvidosas. O mais grave é que a perda da noção do que é certo ou errado atinge parlamentares sérios, sem distinção de partidos ou estados.

Se houvesse um limite formal para a utilização de passagens aéreas ou do telefone celular, o que hoje é visto como privilégio poderia ser facilmente entendido como um instrumento de trabalho, tanto quanto o computador que os congressistas utilizam.

Qualquer empresa privada dá um limite para o uso de telefone celular, além do qual o empregado é responsável. Por que deputados e senadores têm que ter acesso ilimitado o c e l u l a r p a g o p e l o C o ngresso? Com um gasto médio de R$ 6 mil por mês, uma exorbitância facilmente comprovável pela comparação com os valores gastos por executivos de empresas privadas, senadores estão claramente abusando de suas prerrogativas.

Por que deputados e senadores têm que ter o tíquete mais caro que existe na praça, em vez de Câmara e Senado negociarem preços mais baixos com as companhias aéreas, como faz qualquer empresa privada, usando como pressão o enorme movimento que normalmente têm? Da mesma maneira, as passagens de avião deveriam ser de uso restrito do parlamentar, e talvez extensivas à família direta, isto é, mulher ou marido e filhos (não estou certo onde deveria ser feito o corte do direito) e, se não utilizadas, deveriam ser devolvidas ao Congresso, e não dadas a parentes, amigos, correligionários ou até mesmo jornalistas.

Não acho, por exemplo, que haja algum abuso em ter um plano de saúde para deputados e senadores e suas famílias que cubra todos os custos de um tratamento ou internação, desde que fique claro que a negociação com o plano de saúde obedeceu a critérios rigorosos e a uma licitação pública.

O que tem que haver é um critério rígido para que o plano não seja usado fora dos padrões normais de empresas ou outras instituições.

Acho também que os salários de deputados e senadores não são abusivos, pelo contrário, mas a verba indenizatória foi uma manobra para aumentá-los que acabou trazendo mais problemas que soluções.

Esses R$ 15 mil mensais, que hoje os deputados e senadores recebem sem pagamento de imposto, deveriam simplesmente ser incorporados aos salários, mesmo que fosse preciso aumentar mais os salários para compensar o imposto que passaria a ser pago. A regra deveria ser cada parlamentar receber um salário mensal compatível com suas responsabilidades, com o menor número possível de penduricalhos.

Essas medidas são de difícil adoção, é certo, mas obedecem ao bom senso comum, e esbarram no espírito corporativista dos integrantes do Congresso, que veem nas críticas aos abusos uma orquestração “da mídia” contra a instituição do Congresso.

Fingem não ver que o que denigre a imagem de políticos diante da opinião pública é a série de usos abusivos do dinheiro público, e não a sua revelação.

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