sábado, 25 de abril de 2009

A lógica pelo avesso

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O galante deputado Michel Temer, do finório PMDB , partido de melhor desempenho no trapézio das espertezas, está vivendo uma contraditória experiência em que o mundo parece estar de cabeça para baixo. A sua badalada tolerância com as traquinadas da Câmara que preside, sempre condescendente com a gula do baixo clero e da maioria do plenário, no escândalo da vez do assalto ao dinheiro público na farra das passagens aéreas – um dos privilégios que enfeitam o buquê de um dos melhores empregos do mundo – resolveu dar um basta e tentou recolocar, ao menos uma vez, o carro nos trilhos.

Depois de noites de insônia que vincaram o seu rosto, o presidente da Câmara cometeu a imprudência de anunciar ao plenário as medidas que adotaria para "reconciliar o Congresso com a sociedade". E até que não foi às do cabo, por exemplo, quando restringia o uso das cotas de passagens aos deputados e seus assessores credenciados, que são 60 para cada gabinete, da grande maioria dos raramente utilizados nos quatro dias úteis da semana da madraçaria parlamentar.

Até aí o coro do inconformismo chegou a ensurdecer o plenário. Pois a turma poupou os pulmões para a assuada, quando o presidente foi ao miolo dos privilégios: as viagens ao exterior teriam que ser autorizadas pela 3ª Secretaria para o mínimo de controle. Na mesma linha moralizadora, os gastos com as passagens seriam divulgados pela internet, e os créditos não gastos retornariam à Câmara.

O toque de moralização da Câmara provocou indignada reação do plenário. Pelo seu ineditismo, ao arrepio dos hábitos e costumes da Casa e pelo desaforo da tentativa de controle do uso e especialmente dos abusos com o dinheiro público. Se é público, é dos representantes eleitos pela sociedade. Mas o deputado Michel Temer não dá murro em faca de ponta. Com elegante mesura, deu meia volta e passou a decisão para o plenário, o que é o mesmo que confiar à raposa a guarda do galinheiro.

Na próxima terça-feira, a Câmara deverá oferecer à sociedade o espetáculo da impostura mais deslavada, com a fingida indignação dos berros de protestos pela má vontade da imprensa que não se comove com a cota de sacrifício do exercício do mandato.

Ora, vamos por partes. Está cada vez mais difícil decifrar a charada do que ganha cada um dos 513 deputados e dos 81 senadores.

Além de outras miçangas, o subsídio do deputado é modesto: R$ 15.519 mais a ajuda de custo de mais dois subsídios, no início e no fim de cada legislatura. Total: R$ 33.339. Some-se a imoralíssima verba indenizatória de R$ 15 mil mensais. Respire fundo, e vamos adiante. O deputado que não ocupa o seu confortável apartamento funcional, porque não mora em Brasília, embolsa o auxílio-moradia de R$ 3 mil. E as cotas de passagem aérea, dependendo da distância de Brasília ao estado que o parlamentar representa, baila entre R$ 3.760,00 e R$ 14.989,60.

O ato da Mesa da Câmara – tal como o senador José Sarney adotou no Senado – com o recuo do presidente Michel Temer será discutido, emendado e votado no plenário.

O enredo da orgia das mordomias começou na mudança precipitada da capital do Rio para Brasília inacabada. Mas o presidente Juscelino Kubitschek não abria mão de inaugurar a capital ainda no exercício do mandato e cedeu a todas as pressões dos que resistiam à mudança com a família para uma capital no ermo do cerrado, sem as condições mínimas de conforto.

Para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), as mansões à beira do Lago de Paranoá. Dobradinhas de salário para os barnabés dos três poderes. E para os deputados o cofre escancarado aos saques das mordomias, privilégios, vantagens e demais facilidades.

Mas era, e é, evidente que o saco natalino da mudança para Brasília foi uma meia-sola de emergência, com a validade do prazo em aberto até a consolidação de Brasília. É de uma evidência fora de dúvida que com Brasília com mais de 2 milhões de habitantes, uma metrópole moderna e com problemas de inchaço, nada justifica que os parlamentares não morem onde exercem os mandatos, o que reduziria consideravelmente o que se esbanja nos desperdícios nos três poderes.

Morando em Brasília com a família, a visita às bases ficaria para os vagares do recesso parlamentar que incluem o Natal e o Ano-Novo.

O que não passa de uma noite de outono.

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