quarta-feira, 8 de abril de 2009

Navalha nas carnes

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Sangrando por causa do dólar e exportações baixas, setor de carnes e outros do agronegócio fazem fila no caixa do BNDES

A AGROINDÚSTRIA se deu bem mal com negócios em dólares, na maxidesvalorização de 2008, como se sabe. Os avariados fazem fila na porta do BNDES, que pode consertar os negócios via aumento de sua participação no capital de empresas fundidas. Houve o caso da fusão da Aracruz com a Votorantim Celulose. Agora, está na bica a compra da sucroalcooleira Santelisa pelo grupo francês Dreyfus.

Com idas e vindas, ainda está na pauta oficial o caso de Sadia e Perdigão. A fusão não anda, pois é preciso capitalizar a Sadia (ou arrumar outro sócio menor, nacional ou estrangeiro) ou financiar a Perdigão (dos fundos de pensão de estatais) e, enfim, porque há disputas sobre a fatia das famílias proprietárias na nova empresa. Os próximos da fila dos órfãos dos derivativos e do colapso do comércio mundial são os frigoríficos, com auxílio de lobby intenso dos governadores de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O dólar foi uma navalha na carne das empresas.

A Santelisa é uma grande empresa, a segunda maior do ramo, produz muita eletricidade com bagaço, tem um grande projeto (adiado) de fazer plástico a partir de álcool, com a Dow Chemical (mal das pernas), tem uma trading etc. Ou seja, foi muito além do canavial, embora tenha perdido dinheiro com o dólar, como tantos exportadores do agronegócio que viram seu caixa operacional ser todo tragado por apostas doidas no preço do dólar. Tem ainda dívidas devidas a outros processos de fusão, em 2007. De resto, o setor já vinha apanhando com preços baixos também, antes da crise.

Tanto a empresa é interessante que houve fila de interessados em comprá-la. Ainda não está certo se o BNDES vai colocar mais dinheiro no negócio, via participação ou empréstimos (o banco já é sócio da Santelisa). Não se sabe se e em quanto o BNDES vai baratear o negócio, como o fez nos casos Votorantim Aracruz e Oi Brasil Telecom.

A participação do BNDES em empresas não é uma extravagância. Entre outras finalidades, é para isso que existe. O problema não está aí. É possível saber, embora apenas no atacado (em cada balanço anual), se as compras e vendas de fatias de empresas pelo BNDES são lucrativas.

Mas é bem difícil estimar o rendimento real das operações do banco, pois é difícil estabelecer um padrão de referência de ganhos "econômicos e sociais" ou o rendimento de investimentos alternativos.

É um desperdício "econômico e social" deixar que grandes empresas quebrem. Nos casos citados acima, além do mais, trata-se de empresas boas, em termos operacionais. O problema é o da propriedade de perdas e ganhos. O dinheiro do BNDES, o emprestado ou o aporte de capital, é sempre o mais barato da praça.

Empresas, bancos e autoridades ficaram quase calados sobre o incêndio dos derivativos. O rescaldo visível começou pela mão do BNDES. O banco estatal está obstinado com a ideia de criar grandes empresas nacionais. Com os tombos de grandes empresas, abriu-se uma janelona de oportunidades para tal projeto. Difícil dizer se é um bom projeto (comparado ao quê?). Mas é certo que o plano dá muito poder a uma instituição sujeita a escasso controle público, como, aliás, é o caso do Banco Central e o da CVM, por exemplo.

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