segunda-feira, 20 de abril de 2009

O espírito da Constituição

Almir Pazzianotto Pinto
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, aposentado


Carlos de Montesquieu escreveu, em 1784, revolucionária obra destinada a investigar o espírito das leis. “Ao deixar o colégio” — registrou o notável filósofo — “colocaram-me nas mãos livros de direito; tratei de investigar-lhes o espírito”.

Na linguagem jurídico-político, dá-se o nome de Constituição à lei à qual se submetem todas as demais leis. Nesse sentido, pode ser definida como o conjunto de regras colocado no ápice do sistema normativo.

O Brasil vive sob a oitava Constituição, se como tal for considerada a Emenda nº 1 à Constituição de 1967. Ou, então, sob a sétima, diferença pouco importante, pois, sétima ou oitava, são muitas para 184 anos de vida independente, o que nos dá, em média, uma para cada período de 25 anos.
A Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824, era impregnada de espírito monárquico. Consolidou a unidade nacional, mantendo as províncias administradas por presidentes de livre escolha do imperador. Chefe supremo da nação e investido do Poder Moderador, a ele incumbia o dever de velar pela manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes.

A Proclamação da República exigiu nova Constituição, caracterizada por espírito republicano. Segundo Aliomar Baleeiro, “o povo cansara-se da monarquia, cuja modéstia espartana não incutia nos espíritos a mística e o esplendor dos tronos europeus”. Adotou-se, então, o regime presidencialista e a República Federativa, com a transformação das províncias em estados dirigidos por constituições próprias, respeitados os princípios regentes da União.

A Revolução de 30 pôs abaixo a Constituição de 1891. A rigor, não havia motivos para fazê-lo. Desde então, o Brasil passou a viver clima de instabilidade, refletido na vulnerabilidade daquela que deveria ser a lei mais conhecida, respeitada, amada e defendida pelo povo.

A Constituição de 46 não sobreviveu à deposição de João Goulart. A de 67, redigida por determinação do presidente Castello Branco, foi estrangulada pela Emenda nº 1 da Junta Militar. Encerrado o período autoritário, grandes esperanças aguardavam a Nova República e o fruto da Assembleia Nacional Constituinte. A prolixa Constituição, cujo espírito seria voltado para o homem e os direitos da cidadania, permaneceu intocada cinco anos. Hoje, mostra-se anêmica, indefesa e envelhecida, emendada mais de 50 vezes, com dezenas de dispositivos ignorados ou à espera de regulamentação.

Prova da falência do direito constitucional acaba de ser dada pelos quatro eminentes chefes dos Três Poderes, fazendo-se fotografar na cerimônia de assinatura do Pacto Republicano, cujos objetivos seriam assegurar ao cidadão comum — tão logo os projetos que o integram recebam aprovação do Congresso — proteção contra a violência de agentes do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Não tem sido bastante a Lei Suprema declarar que o Estado democrático tem como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não em virtude de lei, submetido a tratamento desumano ou degradante, garantir a inviabilidade da honra e da imagem pessoal, o sigilo das comunicações telefônicas, a proteção dos atos praticados por advogados no exercício da profissão, ou fixar que a administração pública obedece aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Pululam exemplos de violação dos direitos individuais, bem como da prática interminável da corrupção nos altos escalões da República. É destes dias a imagem de ilustre membro da Câmara dos Deputados dilapidando alegremente o dinheiro do contribuinte, com passagens aéreas e hospedagem para a namorada, conhecida estrela da TV, em bailes de carnaval na capital potiguar. As fotos do sorridente casal, no camarote do clube, valem mais, como demonstrativo da corrupção dos costumes, do que 10 mil palavras.

Até que o Legislativo examine e aprove o inusitado pacto, assinado com o objetivo de fazer com que os Três Poderes respeitem a Constituição, ninguém, portanto, garante nada. E depois? Também não. Os fatos simplesmente confirmam frase de antigo presidente-ditador: “As constituições são como as virgens; existem para serem violadas”.

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