sexta-feira, 3 de abril de 2009

O nome da crise é desemprego

Alberto Carlos Almeida
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A democracia é o pior sistema político com exceção de todos os outros, era o que dizia Winston Churchill. Tudo indica que o capitalismo seja o pior sistema econômico com exceção de todos os outros. Parlamento e mercado, ambas invenções britânicas. Resultado menos de mérito e escolhas deliberadas, muito mais do acaso. As sociedades experimentam. Assim como no mundo da seleção natural de Charles Darwin, aplicado às espécies, os sistemas políticos e econômicos também tiveram e têm a sua seleção natural. Venceu o Ocidente, venceu o liberalismo político e econômico.

O termo "liberal" é utilizado aqui se sabendo da possível margem para controvérsias. Para reduzi-la, convém esclarecer que o liberalismo econômico exige, assim como no político, relações impessoais baseadas no mérito. O capitalismo é mais o império da competição do que do mercado. Nem sempre o mercado leva à competição, mas com certeza onde há competição há mercado. Na política é a mesma coisa. Liberalismo significa liberdade para competir, para criticar, para fazer oposição. Em geral, o liberalismo político vem combinado com democracia - manda a maioria por meio da participação eleitoral e não eleitoral.

Tudo isso é teoria, até que vem a crise. Com ela ressurgem os dinossauros de plantão para tentar provar, dogmaticamente, que o mercado falhou, o liberalismo morreu e a economia exige mais Estado: bancos estatais, montadores estatais e, quiçá, açougues e padarias também estatais. A crise é a prova, para eles, do completo fracasso do mercado.

O raciocínio é simples, para não dizer simplório. O país mais capitalista do mundo, os Estados Unidos, onde a regulação do mercado financeiro é mínima, mostrou a face mais cruel da crise. É lá onde a crise é mais grave. No Brasil do excesso de governo, a regulação do sistema financeiro impediu a crise aguda. Mas também impediu a bonança aguda.

Surge a perguntinha: o que é melhor, mais regulação, menos crise no pior da crise e menos bonança no auge da bonança ou, ao contrário, menos regulação e mais sucesso quando a onda é de crescimento, porém com mais fracasso quando a momento é de crise? O primeiro é o Brasil, o segundo são os Estados Unidos. Os arautos do governo e do Estado defenderão o Brasil. Os céticos ficarão na dúvida e aqueles que não temem o risco defenderão menos regulação. Hoje a crise é motivada por isso, amanhã, uma nova e diferente crise será causada por algo imprevisível ou incontrolável. Ou ambos.

De toda sorte, o debate será sempre, eternamente, entre mais e menos mercado.

É um debate intelectual com consequências práticas. Qual é a principal dessas consequências? O impacto que os sistemas econômicos têm na geração de riqueza e de empregos. Os sobrenomes dos países anglo-saxões, e também germânicos, derivam de profissões: Smith para ferreiro, Schroeder para alfaiate, e por aí vai. Quem gera mais riqueza? O mercado ou o Estado? Gerar riqueza exige gerar emprego, mais e melhores empregos para ficar no chavão trabalhista.

A vantagem do sistema capitalista sobre, por exemplo, a escravidão, é que o capitalismo luta para reduzir custos. Uma forma de fazer isso é por meio da substituição da mão de obra pela tecnologia ou por procedimentos mais eficientes. Isso não ocorre no escravismo. Como a mão de obra não recebe salário, não há incentivo para a inovação.

Não é só a inovação que destrói empregos. Quanto a isso, parênteses importantes: os catastrofistas de plantão esquecem, ou ignoram, que há cem anos a maior parte dos empregos era gerado no campo. No campo de qualquer lugar do mundo. As marcas da prosperidade rural pretérita estão em inúmeras cidades brasileiras. Esses empregos foram destruídos. Não havia empregos na informática, simplesmente porque não existia computador. Hoje, é um dos setores que mais empregam (e mais destroem empregos). E a nave vai.

Os pessimistas dizem que o mundo não tem recursos suficientes para o nosso padrão de desenvolvimento. Esquecem, porém, de mencionar que nos países mais ricos a população ou não cresce ou diminui. Isso reduz sobremaneira a pressão sobre os recursos da terra. De volta ao emprego, não é somente a inovação que o destrói. As crises também têm esse poder.

A atual crise que se abateu de maneira inquestionável sobre o Brasil (apesar da regulação que nos assola) tem como principal manifestação entre a população o desemprego e a redução da renda. Argumentos pró e antimercado não fazem sentido para o elo mais fraco do mercado de trabalho.

Está provado, há tempos, que a inflação é um problema maior para quem corre menos risco de perder o emprego. Dinheiro chama dinheiro. Emprego de qualidade chama emprego de qualidade. É raro que pessoas que ocupam o topo da cadeia produtiva fiquem sem emprego por um período muito longo. Sua escolaridade é mais elevada, as habilidades são mais diversificadas e os contatos com pessoas influentes, mais abrangentes. Há muitos recursos disponíveis que as impede de ficar fora do mercado de trabalho por um período longo em demasia.

O mesmo não se pode dizer das pessoas que ocupam a base da pirâmide social. As teorias econômicas não as ajudam a aceitar o fenômeno do desemprego. Nesse particular, as crises têm o poder de tornar ainda mais agudo um problema quase crônico. O desemprego ou subemprego é uma realidade das mais cruéis. As periferias das grandes cidades brasileiras, as cidades-dormitórios, congregam milhões de trabalhadores temporários, pessoas que vivem do chamado bico, toda sorte de autônomos, vendedores e camelôs. Para eles, ficar sem trabalho é algo dramático. Manter o trabalho, mas ganhando menos, também é.

É difícil nos Estados Unidos de hoje enxergar a olho nu os efeitos da crise. Houve redução de consumo sim, mas os americanos continuam comprando. Estão viajando menos, sim, mas os cruzeiros de aposentados para as Bahamas continuam firmes e fortes. O padrão de riqueza é tão elevado que os efeitos da crise acabam sendo amortecidos e amaciados. Quanto menos riqueza, menor o amortecimento.

O medo do desemprego no Brasil é grande, isso já em janeiro. Todas as previsões dos economistas indicam que o medo procede: o desemprego tende a aumentar. Não se sabe como sairemos da crise, o quão profunda ela será ou quanto durará. O fato é que um desemprego agudo e prolongado tem impacto quase imediato nas taxas de criminalidade. Eis uma manifestação concreta da fraqueza de nosso colchão. O amortecimento da queda é precário.

Adicionalmente, os efeitos da crise foram mais sentidos na Região Sudeste do que nas demais regiões. A pesquisa reflete a queda do emprego industrial em São Paulo, e a forte dependência de Minas e Espírito Santo da economia exportadora.

Na Região Sul os efeitos da crise foram menos sentidos. A explicação é simples. Na era Lula, o Sul, ao contrário do Nordeste, não foi o grande vencedor. O Sul é mais igualitário e equilibrado.

Vem sendo menos próspero nos últimos anos. Chega a crise e o Sul sente menos. O Sudeste é menos igualitário e mais desequilibrado. Ganha mais quando todos ganham. Acaba perdendo mais quando todos se dão mal. As demais regiões ficam a meio caminho, graças, sobretudo, ao Bolsa Família.

Abram os olhos, intelectuais pró e antimercado. A crise tem um nome muito concreto: ela se chama desemprego.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).

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