sexta-feira, 17 de abril de 2009

Olhar paralelo

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Os oito batedores que seguiam o ônibus com 60 autoridades do Fórum Econômico Mundial ficaram parados na subida do Morro dos Macacos. Só o ônibus subiu. Dele desceram os convidados do Comitê para Democratização da Informática, o CDI, de Rodrigo Baggio. Entre eles, seis presidentes de grandes empresas. Viram de perto o projeto social e, de longe, os homens armados do tráfico de drogas.

Baggio é especialista nessas visitas guiadas a áreas de risco para pessoas que nunca visitam esse mundo e podem ajudar a impulsionar seus centros, que já estão em 10 países. Depois, levou o grupo ao Terreirão, no Recreio dos Bandeirantes.

Eles viram um Rio diferente da extraordinária beleza que se vê das varandas do hotel onde foi realizado o Fórum.

Muita coisa acontece paralelamente a encontros como o Fórum Econômico Mundial, além dos discursos de autoridades, palestras de especialistas e declarações à imprensa. As salas de encontros paralelos ficam sempre ocupadas com empresários ou autoridades tendo suas conversas.

Nas conversas do presidente Lula, pelo menos um diálogo inesperado foi captado por um ouvido atento.

Lula pediu ao presidente do Fórum, Klaus Schwab, que lhe desse informações sobre projetos de economia verde.

O alemão disse que há vários projetos dando certo e ficou de mandar mais informação.

Curioso é que o governo acaba de conseguir na Câmara a aprovação de uma MP que reduz as exigências de licenciamento ambiental para as rodovias do PAC, entre elas as críticas BR-163 e BR319. O governo também liberou um pacote de ajuda ao setor agrícola sem qualquer exigência ambiental, mesmo para os segmentos com denúncias de desmatamento; e a um interlocutor, essa semana, demonstrou pouco interesse na proposta de que o plano de um milhão de casas exija madeira certificada.

A ideia da economia verde tem que estar dentro dos projetos de retomada da economia, das liberações de dinheiro público para setores e empresas, para aproveitar a crise como oportunidade de caminhada rumo a uma economia de baixo carbono. Tem que estar dentro da expansão da oferta de energia. O governo Lula está promovendo a ampliação sem precedentes de usinas termelétricas a carvão e a óleo combustível.

Mostrar interesse em economia verde numa conversa com autoridade internacional é fácil, difícil é entender como o tema tem que permear a ação governamental.

Energia limpa é um óbvio tema de cooperação entre o Brasil e os EUA, em um novo momento das relações que tem sua marca na reunião de cúpula de hoje, em Trinidad e Tobago, me disse a exembaixadora americana no Brasil, Donna Hrinak. Ela ressaltou o interesse do governo Obama por bioenergia, energia eólica e solar. De fato, o presidente americano tem falado obsessivamente no assunto, mas, no Brasil os produtores de etanol convivem com denúncias de práticas agressivas ao meio ambiente e o governo ignora as opções de fontes eólica e solar.

Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, me contou achar estranho que na América Latina todos os países dizem querer a independência energética, mas pensam pouco em usar a necessidade comum de energia e as fontes variadas na região para adensar as relações entre os países.

Normalmente, quando se repete o bordão de que crise é oportunidade não se apontam que oportunidades existem. A energia nova e limpa, os projetos de economia realmente sustentável, o esforço comum de combater a exclusão de parte da população através do aumento da informação, como faz o CDI, são claramente chances mais fáceis de ver quando o crescimento cai, do que quando tudo parece estar indo bem, como nos anos recentes de prosperidade econômica. As conversas paralelas do Fórum passavam, de vez em quando, por isso. Poucas tinham consistência. Em geral, usase de forma vã as palavras “verde” e “sustentável”.

Outro tema com o qual todos concordam, mas ninguém pratica, é o combate ao protecionismo. Donna Hrinak e Peter Hakim admitiram, numa entrevista que me concederam na Globonews, que a tendência nos EUA é de aumento do protecionismo.

— Quando a pessoa perde o emprego, é difícil explicar para ela que o protecionismo é ruim para a economia global — disse Donna.

Vários setores industriais brasileiros, como o siderúrgico e o têxtil, estão pedindo barreiras, pelo menos contra os produtos chineses. O secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, na mesa que discutiu o combate ao protecionismo, falou em aumento do comércio na região.

Mas foi ele que anunciou a controvertida decisão de impor licença previa às importações, que vigorou por algumas horas, para ser derrubada por intensa pressão de setores empresariais que dependem de importação, inclusive os exportadores.

Outro tema paralelo foi o temor de que a crise fortaleça o viés populista em países da América Latina. Na Colômbia, de Álvaro Uribe, o medo é da sucessão dele. O país está entre duas opções ruins: eleger alguém que revogue a política de segurança que Uribe implantou, ou aceitar a terceira reeleição do presidente. Na Venezuela, o risco é imediato: Chávez está, dia após dia, derrubando todos os vestígios de democracia no país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário