quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ousadia ou incoerência?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A intervenção do governo no Banco do Brasil, demitindo seu presidente alegadamente por não ter reduzido o spread, a diferença entre os juros oficiais e o que os bancos cobram do tomador de empréstimos, ganhou dimensões políticas inusitadas no fim do dia, quando dois fatores se juntaram às explicações oficiais de medida tão polêmica. A chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, explicitou a sindicalistas o que estava subentendido: o governo está combatendo dirigentes de bancos públicos que se comportam como presidentes de bancos privados. “A lógica do banco público não deve ser a do banco privado”, teria afirmado a ministra. Essa postura oficial pode ser responsabilizada pela queda do preço das ações do Banco do Brasil, que, desse ponto de vista, passa a ser um mau investimento.

Já os partidos de oposição partiram para duvidar que a queda dos juros seja a verdadeira razão da demissão de Antonio Francisco Lima Neto, e insinuaram em nota oficial que a culpa seria de negócios irregulares. Se, de um lado, a intervenção se coaduna com o pensamento que prevalece no governo, no momento em que o intervencionismo estatal parece ser um caminho para a solução da crise, ela não está coerente com os últimos movimentos do próprio governo, que trabalhou para ajudar o Banco do Brasil a disputar o primeiro lugar no mercado do sistema bancário contra a fusão do Itaú com o Unibanco.

A venda da Nossa Caixa pelo governo de São Paulo foi negociada pessoalmente com o presidente Lula, que se responsabilizou pelo fato de o governo estar recheando com dinheiro novo o cofre do governo de José Serra, potencial adversário do PT na corrida sucessória. Lula reagiu às reclamações do PT dizendo que era importante fazer com que o Banco do Brasil voltasse a ser o maior banco do país.

Ao mesmo tempo, a oposição tem razão de exigir explicações, pois, desde que a medida provisória 443 autorizou tanto o Banco do Brasil como a Caixa Econômica Federal a comprar participação de instituições financeiras em dificuldades, há a suspeita de que o governo usaria o banco politicamente para ajudar grupos financeiros. A recente compra de 49% do Banco Votorantim pelo Banco do Brasil foi tida como uma ajuda ao grupo paulista, um dos muitos em dificuldades com aplicações em derivativos. A oposição denuncia que negócios “sem transparência e, em decorrência, sem qualquer fiscalização” acontecem nas duas instituições.

Voltando à explicação oficial, não há dúvidas de que o spread bancário no Brasil é dos mais altos do mundo. Alguns estudos põem o Brasil em segundo lugar numa lista de 72 países, enquanto outros, fazendo ajustes metodológicos e levando em conta o alto custo de captação do país, mostram o Brasil em 11onuma lista de 33 países.

Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas do Rio, chefiado pelo economista Luiz Guilherme Schymura, mostra, com base no Relatório de Economia Bancária e Crédito do Banco Central, que o spread no país, em 2007, poderia ser decomposto entre os seus principais fatores com as seguintes participações: 37,4% devidos à inadimplência; 13,5%, ao custo administrativo; 3,6%, ao compulsório; 8,1%, aos tributos e taxas; 10%, aos impostos diretos; e 27% de resíduo não explicado, sendo que o lucro do banco e os subsídios implícitos, referentes aos créditos direcionados, estariam contidos no item “resíduo não explicado”.

Já houve momentos em que a insegurança jurídica era a culpada pelos altos spreads no Brasil, e também os juros altos ou o compulsório dos bancos, ou a inadimplência.

Com a crise internacional, os juros Selic caíram, o Banco Central reduziu o compulsório.

O crédito consignado aumentou a garantia de pagamento, mas mesmo assim o spread continua alto.

O Ibre lembra que o cadastro positivo, um ponto importante para a redução do spread, vem tendo sua aprovação protelada pelo Congresso sob a alegação de que é discriminatório, já que os clientes que não quiserem aderir ao sistema muito provavelmente serão os de pior qualidade de crédito.

Para Schymura, isso remete “à velha dificuldade nacional de, no afã de proteger os mais vulneráveis, prejudicar o conjunto de cidadãos comuns, que tem sua vida financeira em ordem, e gostaria de ter acesso ao crédito com custos menores”. O economista acha que o governo tem ainda “uma última arma, que poderia ser utilizada no esforço para que a redução dos spreads aconteça numa velocidade que, sem prejudicar a lógica econômico-financeira, tampouco ofenda a sensibilidade social”.

Outro banco, a Caixa Econômica Federal, que é 100% estatal, poderia ser utilizado “para estabelecer parâmetros de rentabilidade no setor bancário”.

Segundo essa proposta, a política de concessão de crédito da Caixa poderia se pautar por uma taxa de retorno arbitrada pelo Poder Executivo, “que, evidentemente, deveria resguardar a saúde financeira da instituição. A partir desse parâmetro, o banco estatal ofereceria juros com spreads que cumpririam aquela meta, independentemente de a concorrência praticar juros mais altos”.

Schymura diz que, “dada a parcela significativa da Caixa no total de crédito do sistema bancário, uma estratégia daquele tipo obviamente tenderia a empurrar os spreads para baixo, por força da competição”.

A vantagem dessa solução, diz a Carta do Ibre, é que ela baliza o retorno do setor bancário “sem interferir diretamente no funcionamento do sistema, como seria o caso de medidas comprovadamente inadequadas, como o tabelamento dos juros”.

Luiz Schymura diz que “a ideia de envolver a Caixa no esforço para reduzir os spreads no Brasil pode parecer ousada, mas o arrojo, com racionalidade, pode às vezes ser a melhor resposta a distorções que se mostrem muito difíceis de corrigir pelos métodos convencionais”.

O que dizer, então, do uso do Banco do Brasil, que tem ações na Bolsa?

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