sexta-feira, 17 de abril de 2009

Uma locomotiva na cola de Dilma

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Custa a crer que o PT e o Planalto apostem todas suas fichas na tese de que a candidatura do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), naufragará porque unicamente calcada na crise econômica. A questão não é se petistas ou tucanos estão certos sobre a velocidade com que os indicadores se recuperarão. O ponto é outro. Só o alheamento do que ocorre sob as ordens de Serra em São Paulo pode levar a crer que todas as suas fichas estão na curva do Ibovespa.

Uma panorâmica sobre as iniciativas de seu governo é um claro indicativo de que a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, terá dificuldades de expor as vitrines do governo Luiz Inácio Lula da Silva sem um concorrente à altura na experiência paulista. O governador de São Paulo tem uma marca definida na Saúde junto ao eleitor brasileiro. E usa esta gestão para imprimir marcas em outros setores - não necessariamente em confronto com a administração federal.

Na Educação, Serra chamou para a briga o mais eficiente ministro da Esplanada, Fernando Haddad, com a nomeação do deputado federal Paulo Renato Souza (PSDB-SP) para a Pasta estadual. O ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso não poderia ter sido mais claro em seu discurso. Assumiu o cargo em cumprimento de uma missão partidária que não é outra senão evitar que Haddad propague, sem concorrência, as melhores bandeiras do MEC em favor da candidatura lulista.

Haddad garante para Dilma a fatura do Prouni, da expansão de vagas nas universidades federais, da reintrodução das escolas federais profissionalizantes e agora da revolução prometida com o fim da indústria do vestibular. Paulo Renato que, no governo Fernando Henrique Cardoso, também foi um ministro acima da média, vai gerir iniciativas inovadores do governo paulista como o pagamento de bônus aos professores da rede pública estadual e a expansão do sistema Paula Souza, escolas profissionalizantes de excelência do Estado. E, como já demonstrou no debate sobre o uso do Enem para o acesso ao vestibular, vai cumprir o papel de não deixar Haddad sozinho na ribalta.

Na Saúde, aproveita para tomar iniciativas como a lei antifumo que, a despeito da gritaria do PT, ajuda a firmar a imagem de governante que enfrenta interesses em defesa da maioria silenciosa, como aconteceu na lei Cidade Limpa. Uma ampla campanha publicitária já está em curso para divulgar a imagem do governador, mais uma vez, como paladino da saúde pública.

Enquanto os petistas tentaram argumentar em vão contra o autoritarismo embutido na medida, tiveram dificuldades de se desvencilhar da defesa de interesses corporativos de donos de bares e restaurantes e trabalhadores da categoria em detrimento da maioria. Para completar, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, elogiou a medida e disse que o Planalto tem um anteprojeto de lei, já na Casa Civil, pronto para ser enviado para o Congresso replicando o modelo paulista para o resto do país.

Na política tributária, também se escreve um capítulo da novela que Serra, o destemido, pretende estrear em 2010. Com a substituição tributária, cobrança antecipada do ICMS na indústria, que tem tido bons resultados no combate à histórica sonegação do varejo, o governador escolheu um alvo de claríssimo apelo popular.

Pode vir a sofrer um desgaste junto aos comerciantes, mas, em compensação, faz bonito junto ao consumidor. E, enquanto o presidente da República não se cansa de criticar sua Polícia Federal e chancelar calotes a rodo que o Congresso aprova, Serra autoriza seu secretário da Fazenda a se comprazer com a operação que levou a dona da Daslu novamente em cana, a pedir mais punição e a clamar pela crucificação dos sonegadores.

O que a campanha petista vai dizer quando a propaganda eleitoral de Serra colocar na TV um moço simpático, com pinta de estudante esforçado do ensino médio, com o seguinte texto na ponta da língua: "Por que o governo Lula derrama tanto dinheiro do BNDES, que é dinheiro do povo brasileiro, em empresas que, no primeiro aperto, já demitem trabalhadores?".

Serra arma-se de antídotos contra o discurso de que ele é ameaça à herança do presidente mais popular da história do país. Tome-se, por exemplo, a política de salário mínimo paulista. A partir de 1º de maio, o menor salário pago em São Paulo será de R$ 505, um aumento de 12,2%, um ponto percentual a mais que o reajuste do salário mínimo federal que passou para R$ 465.

O mínimo paulista beneficia 1 milhão de pessoas. O federal arrasta consigo o interminável debate do déficit da Previdência. Se Serra, eleito presidente, incrementará uma política de valorização do salário mínimo que pressiona cada vez mais esse déficit, é uma história que ainda está para ser contada, mas discurso para enfrentar o poderoso instrumento de elevação do poder de consumo popular do governo Lula, isso ele já tem.

Se a crise econômica não será suficiente para eleger Serra, terá sido, pelo menos um empecilho a que Dilma desfralde com galhardia a bandeira da eficiência administrativa embutida no bem-sucedido modelo da concessão das rodovias federais. O modelo garante, sim, um pedágio mais barato do que o cobrado nas rodovias paulistas, mas isso quando as estradas forem construídas. A crise internacional provocou retração na capacidade de investimento das empresas e as prometidas rodovias ameaçam permanecer como grandes canteiros de obras em 2010. O modelo de outorga onerosa de São Paulo cobra tarifas cada vez mais escorchantes, mas as estradas estão aí e não há quem passe por elas sem achar que não há nada parecido no Brasil.

Sim, é verdade, o PCC sempre pode aprontar numa véspera de eleição; o tatuzão, a gigantesca escavadeira que já está beirando o subsolo da Av. Paulista, no célere canteiro de obras do metrô, não está livre de abrir outras crateras na imagem da administração tucana; e as desavenças irreconciliáveis do funcionalismo público com o governo Serra são uma ameaça constante de greves gigantescas na polícia, educação e transporte.

Fatos como esse podem mudar o rumo de uma eleição. Confiar neles para definir a parada parece tão imprudente quanto acreditar que o irrequieto governador paulista está de braços cruzados esperando o mundo acabar para virar presidente da República.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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