terça-feira, 26 de maio de 2009

Acerca do 3º mandato

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os problemas de saúde da ministra Dilma Rousseff, preferida de Luiz Inácio Lula da Silva e seu partido à sucessão presidencial, reacenderam a discussão em torno do terceiro mandato presidencial. As razões para tanto são várias. Primeiramente, na conjuntura imediata, a carência no PT de uma candidatura alternativa à da ministra - caso seus problemas de saúde tornem pouco recomendável o enfrentamento das agruras de uma campanha eleitoral país afora e, mais ainda, quatro anos de Presidência. Em segundo lugar, o fantasma do chavismo (e sua ânsia de perpetuação no poder), cujo lençol já era brandido pelos opositores de Lula mesmo antes de sua primeira vitória eleitoral, em 2002. Em terceiro lugar, confundindo-se com o chavismo, mas podendo dele ser distinguida, a onda latino-americana de tentativas presidenciais de perpetuação no cargo, que embora tenha começado com o esquerdista Hugo Chávez, afeta também o direitista Alvaro Uribe. Por fim, as iniciativas de certos membros da base aliada do governo, que a despeito das muitas negativas do próprio Lula, insistem em propor mudanças constitucionais que permitam mais uma reeleição.

A falta de uma candidatura viável do PT que não seja nem a de Lula, nem a de Dilma, deve-se ao processo de decapitação coletiva pelo qual o partido passou pelo menos desde o início do episódio do "mensalão". Uma a uma, tiveram desgraçada sua imagem pública diversas lideranças petistas que poderiam ter sido catapultadas à condição de sucessores naturais do presidente. Todas elas tinham o perfil de serem figuras de projeção nacional, capacidade de liderança dentro e fora do partido, e comprometimento com o projeto governamental petista.

José Dirceu não resistiu aos instintos primitivos de Roberto Jefferson; José Genoino foi abalroado pelas assinaturas nos contratos de empréstimo avalizados por Marcos Valério e pelos dólares na cueca do assessor de seu irmão; Antonio Palocci foi colhido pela onda de acusações de seu ex-amigo, Rogério Buratti, respaldadas pelo depoimento do caseiro Francenildo Costa, culminando sua desgraça na violação do sigilo bancário do delator.

O estrago feito naquele que era o mais popular dos ministros de Lua foi tal que hoje, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) não dê seguimento à denúncia contra o ex-ministro da Fazenda, será difícil para ele recuperar a capacidade de competidor temível em disputas eleitorais majoritárias. Os outros nomes que o PT poderia apresentar para a sucessão presidencial não empolgam o eleitor para além de seus redutos regionais: Tarso Genro já percebeu isto e se apressa em viabilizar sua candidatura no Rio Grande do Sul; Marta Suplicy mal consegue se viabilizar como nome competitivo em São Paulo; Fernando Haddad é uma boa aposta para o futuro, mas por ser ainda pouco conhecido do eleitor brasileiro, faria mais sentido lançá-lo em São Paulo, como hoje se cogita; Jaques Wagner dificilmente abriria mão de uma reeleição provável num Estado até há pouco tempo controlado pela direita para ingressar numa incerta aventura nacional. Sobraria para o PT a improvável possibilidade de apostar em algum nome aliado, como Ciro Gomes. Contudo, sabendo-se da propensão hegemonista do partido, o apoio petista a um membro de outra agremiação dificilmente se concretizará no plano nacional.

Quanto ao chavismo, a experiência governamental de Lula já deu seguidas mostras de que não é o figurino que apetece ao presidente. Lula é uma liderança de caráter eminentemente institucional, que atua por meio das instituições e de modo a reforçá-las. Um bom indicativo disto é o perfil de suas indicações para o STF, muito mais pautadas num perfil técnico do que aquelas feitas por seus antecessores, que indicaram para o cargo ex-ministros de perfil eminentemente político (como Nelson Jobim e Gilmar Mendes, por Fernando Henrique Cardoso, ou Maurício Correia, por Itamar Franco). Deste modo, supor que o esquerdismo do presidente e sua condição de líder carismático seriam fatores que o tornariam propenso ao chavismo é o mesmo que tentar identificar numa caricatura atributos de uma descrição anatômica.

É essa mesma condição de liderança que historicamente tem valorizado as instituições para além de seu carisma pessoal que torna pouco crível que Lula aposte numa aventura política como a do projeto do terceiro mandato. Diferentemente não só de Chávez, mas também de Uribe, que identificaram em sua continuidade no poder a condição para a preservação do sucesso de suas políticas, Lula pauta seu discurso pela defesa do projeto de seu governo como uma obra coletiva de sua equipe. Isto aparece não só no apoio à "mãe do PAC", mas nos frequentes elogios que costuma tecer a seus auxiliares no governo, sempre que se vê às voltas com a tentativa de capitalizar o sucesso de uma ou outra iniciativa de sua administração. Nisto, Lula se assemelha bastante a seu antecessor no cargo - com a diferença de dispor de muito mais carisma.

Contudo, ao que se nota pela atuação de alguns de seus aliados no Congresso - petistas e não petistas -, parecem ser insuficientes todas as evidências da improbabilidade de que o popular presidente embarque numa aventura populista. Para alguns deles, as propostas de um terceiro mandato parecem ser apenas uma forma de ganhar certo destaque no noticiário. Veja-se o caso do deputado do PMDB sergipano Jackson Barreto. Antes da proposta de um referendo acerca da possibilidade de uma nova reeleição presidencial, esse parlamentar se destacava no noticiário por razões bem menos honrosas, como a de ser o segundo deputado com mais ações na justiça, segundo noticiou a revista "Istoé" no fim de fevereiro deste ano. Também o deputado Devanir Ribeiro, amigo de Lula desde os tempos de sindicalismo, parece ter tido nessa iniciativa de adulação presidencial por meio de projeto de lei uma forma de ganhar destaque na mídia. Acabou sendo desautorizado pelo presidente.

O que tem faltado àqueles que dão muita importância à tese do terceiro mandato, contudo, é uma observação bem mais comezinha. Esta é uma mudança nas regras do jogo que apenas pode ser implementada por emenda constitucional, que requer o voto de 60% dos membros das duas Casas do Congresso, em duas votações. Mas se este governo não conseguiu sequer aprovar a emenda constitucional da prorrogação da CPMF, para o quê os votos oposicionistas eram indispensáveis, como conseguiria o apoio para uma mudança constitucional que daria ao popularíssimo Lula a chance de arrasar nas urnas o eventual candidato oposicionista à Presidência? Ora, políticos não têm vocação para o suicídio eleitoral.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP.

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